sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Médico de Tauá no centro de polêmica de remédio para o câncer

Há pouco mais de uma semana, no dia 29 de outubro, o Senado Federal, em Brasília, estava empilhado de gente, entre parlamentares, representantes da saúde pública nacional, professores universitários e repórteres. A razão para o alvoroço é que, naquele dia, se discutiria a fosfoetanolamina sintética, um composto produzido por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), tido como remédio eficaz no combate a determinados tipos de câncer. 

Entre os que efervesciam o debate, estava Renato Meneguelo, médico paulista que compõe o grupo dos que pesquisam a fosfoetanolamina. Se não estivesse lá, o profissional cumpriria um dia normal de trabalho como clínico geral na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Tauá, a 334 quilômetros de Fortaleza. Veio para o Ceará a convite do irmão, há pouco mais de dois anos, quando a substância que pesquisa já era disputada por pacientes com câncer em estágio terminal.

Como outros cientistas que todos os dias e em todos os lugares do mundo “quebram a cabeça” para desvendar a cura do câncer, Renato defende o ineditismo da descoberta. Ele explica, por exemplo, que o que difere a fosfoetanolamina de outros compostos com o mesmo propósito é o fato de, para desenvolvê-la, não terem sido investigadas proteínas ou estruturas genéticas, mas lipídios. “Estamos na contramão do que a pesquisa procura”, declara.

Afora a linha de pesquisa, o que tornou a fosfoetanolamina tão importante sendo uma substância que nem sequer foi testada em humanos e regulamentada na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)? Para Renato, a resposta é simples: esperança. “O paciente já vai morrer, então quais são os riscos para alguém que já está sem condição alguma?”, argumenta.

Riscos

Assim como é possível que a fosfoetanolamina sintética tenha funcionalidade terapêutica em células tumorosas, é provável que a droga tenha efeitos contrários, visto que ainda não foi testada de forma adequada em seres humanos para se determinar dosagens corretas e níveis de toxicidade. “As pessoas têm tomado três cápsulas. Poderiam até estar tomando mais se fosse comprovado que uma dose maior não traria efeitos colaterais”, explicou o oncologista Odorico de Moraes, coordenador do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM) da Universidade Federal do Ceará (UFC). 


No entanto, como testes fundamentais não foram feitos, o medo é não saber cientificamente como a substância age no corpo humano. “Ela pode estar agindo na célula tumoral, mas pode estar matando o paciente também. E o grande problema disso é que muita gente deixa de fazer o tratamento convencional para fazer esse outro sem saber se realmente não traz prejuízo”, alerta Odorico.


Renato acredita que, ao contrário do que se dissemina na imprensa e nas redes sociais, a fosfoetanolamina não é “uma promessa de cura”, mas uma arma a mais no combate ao câncer. “Se a gente curar pelo menos uma pessoa será muito bom, mas não mandamos ninguém parar de fazer quimioterapia”, defende o médico.


Saiba mais


A partir dos estudos feitos na USP, o catarinense Carlos Witthoeft - cuja mãe foi diagnosticada com câncer no útero - soube da descoberta e procurou o Instituto de Química de São Carlos (IQSC/USP) para adquirir cápsulas da fosfoetanolamina. Quando constatou que a droga surtiu efeito, buscou novamente o instituto para aprender a produzi-la e passou a distribuí-la.


Em junho de 2008, Witthoeft foi denunciado para a Vigilância Sanitária e indiciado por falsificação de medicamento, já que a substância não é regulamentada pela Anvisa.


Pacientes começaram a recorrer à USP para adquirir o medicamento. Por ordem judicial, a universidade distribui pílulas para quem detém de liminar.


No dia 28 de outubro, o Conselho Regional de Farmácia de São Paulo autuou a USP por produzir e distribuir a substância sem a presença de um farmacêutico.

Luana Severo
luanasevero@opovo.com.br

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