domingo, 23 de novembro de 2014

Bancada cearense: 45% não se reelegem na Câmara, mas especialistas questionam renovação

Em quatro anos, Salviano apresentou cinco requerimentos e dois projetos de indicação.Já Arruda submeteu à Casa um requerimento e um projeto de lei
Em quatro anos, Salviano apresentou cinco requerimentos e dois projetos de indicação.Já Arruda submeteu à Casa um requerimento e um projeto de lei
 
A atual formação da bancada cearense na Câmara dos Deputados conta com dez parlamentares que não foram eleitos para os próximos quatro anos e a lista contempla, principalmente, os deputados federais que já estão na quarta, quinta ou até mesmo na sexta legislatura consecutiva, levantando diversos questionamentos acerca das razões que levaram políticos cearenses veteranos ao insucesso no pleito deste ano.
A avaliação dos cientistas políticos, no entanto, é que a renovação revelada nas urnas eletrônicas significou muito mais a acomodação destes veteranos durante a campanha eleitoral do que a demonstração do desejo da sociedade em atualizar os quadros cearenses do Congresso Nacional. No atual conjunto de dez deputados federais cearenses não eleitos para a próxima legislatura, contabilizando também os que não tentaram a reeleição, apenas três estão no primeiro mandato.

O deputado Ariosto Holanda (PROS), de 76 anos, já está no sexto mandato consecutivo. Ou seja, desde a eleição de 1990 que o parlamentar figurava entre os escolhidos para compor a bancada cearense na Câmara dos Deputados, mas o parlamentar obteve somente cerca de 60 mil votos na eleição deste ano, ficando apenas como suplente. O deputado José Linhares (PP), de 84 anos, é outro que já está no sexto mandato e deixará o Parlamento, mas ele não tentou a reeleição para concorrer como primeiro suplente na chapa do ex-candidato ao Senado, Mauro Filho.
O deputado Vicente Arruda (PROS), com 85 anos, está no quinto mandato consecutivo. O parlamentar ocupa a bancada cearense desde 1995, mas não recebeu mais que aproximadamente 70 mil votos, terminando o pleito deste ano também apenas como suplente. Já no quarto mandato na Câmara, o deputado federal Mauro Benevides (PMDB), com 84 anos, obteve cerca de 60 mil votos, alcançando somente a vaga de suplente na próxima legislatura.
Manoel Salviano (PSD) é outro veterano que também não vai compor a Câmara Federal durante os próximos quatro anos. Com 75 anos, ele está no quarto mandato consecutivo, mas não tentou a reeleição. A princípio, o filho dele, Samuel Salviano, chegou a lançar a candidatura junto Tribunal Regional Eleitoral, mas acabou renunciando. O deputado Edson Silva (PROS), com 65 anos, também não conseguiu a reeleição, após três mandatos como deputado federal, cumprindo os dois primeiros ainda no início da década de 90.
Já os deputados Eudes Xavier (PT) e Mário Feitoza (PMDB) foram as exceções na lista dos não eleitos, pois o petista não conseguiu a reeleição, apesar de estar somente no segundo mandato na Câmara, enquanto o peemedebista fracassou no pleito ainda estando na primeira legislatura. Os deputados Artur Bruno (PT) e João Ananias (PcdoB) deixam também a bancada da Câmara Federal após cumprir somente o primeiro mandato, mas nenhum dos dois disputou a reeleição.
Na avaliação da professora de ciência política Carla Michele Quaresma, do Centro Universitário Estácio do Ceará, o olhar distante sobre a taxa de renovação da bancada cearense na Câmara Federal pode levar a uma análise precipitada de que o eleitorado no Ceará demonstrou nas urnas o desejo de mudança, mas ela acredita que outros fatores tiveram maior peso no processo eleitoral.
Carla Michele Quaresma afirmou que a excessiva confiança de que o voto estava garantido levou alguns parlamentares a se acomodarem durante a campanha eleitoral. "Tem uma frase de Maquiavel em que ele diz que o político tem que pensar na guerra mesmo em tempos de paz. É um sentimento de confiança muito grande que alguns deputados têm. Muitos ficam achando que sempre irão ter aquele cargo, mas o eleitorado se renova", chamou a atenção.
A professora ressaltou que a manutenção de bases eleitorais construídas nas relações com prefeitos, vereadores e lideranças locais ainda têm um peso fundamental no resultado da eleição. No entanto, esse tipo de apoio, segundo Carla Quaresma, é muito oportunista, exigindo de cada candidato um intenso trabalho de manutenção das alianças para tentar se chegar ao sucesso no pleito.
"Na política, tudo é muito dinâmico. Numa campanha para deputado federal, é muito fácil o prefeito e os vereadores migrarem o apoio para outro candidato, porque esses apoios são extremamente oportunistas. Se não ficar atento, o parlamentar que tem determinada base eleitoral numa eleição pode perdê-la facilmente na próxima" destacou a professora.
A aversão ao chamado político profissional por parte do eleitorado, segundo Carla Michele Quaresma, também ainda está distante de ser concretizada. "Acredito que a gente ainda tem uma perpetuação muito grande de nomes tradicionais no Poder Legislativo em virtude do nosso processo estar muito ligado às práticas de currais eleitorais, clientelismo", pontuou.
Para o professor de ciência política Clésio Arruda, da Universidade de Fortaleza (Unifor), diversos fatores podem explicar o insucesso de parlamentares mais antigos da bancada cearense na Câmara Federal, mas o especialista pontuou como principal o aumento da influência do poder econômico no resultado do pleito deste ano.
Na opinião de Clésio Arruda, o aumento da influência do poder econômico favoreceu os candidatos com alto poder aquisitivo, provocando o surgimento de novos nomes sem muita tradição na política, mas com condições financeiras de investir elevados montantes durante a campanha eleitoral. "Não dá para identificar somente um fator, mas temos um sistema político em que o poder financeiro é a principal variável. Esse modelo favorece aqueles que têm condições de investir alto numa campanha eleitoral", avaliou.
A professora Carla Michele lembrou que, na eleição da bancada para a Câmara, os cearenses também escolheram nomes já consolidados no cenário político local, como Moroni Torgan e Luizianne Lins, comprovando a tese de que não houve uma efetiva renovação. "É mais um sinal da manutenção dos currais, do clientelismo. Acho que a gente ainda não tem uma renovação real", acrescentou a docente.
Não eleitos priorizaram requerimentos durante legislatura
A produção legislativa recente dos não eleitos também revela uma semelhança entre eles na medida que o balanço de projetos submetidos ao departamento legislativo da Câmara Federal aponta para uma despreocupação com a apresentação de propostas que possam ser transformadas efetivamente em Lei. Juntos, os dez parlamentares chegaram a apresentar, na atual legislatura, um total de 432 requerimentos, enquanto a soma de projetos de Lei protocolados no período dos últimos quatro anos não foi superior a 68 projetos de Lei.
Os casos mais extremos que demonstram a acomodação com a produção legislativa foram protagonizadas pelos deputados Manoel Salviano (PSD) e Vicente Arruda (PROS). Em quatro anos, o primeiro apresentou apenas cinco requerimentos e dois projetos de Indicação, enquanto o segundo submeteu somente um requerimento e um projeto de Lei assinado conjuntamente com outros diversos parlamentares da Casa.
O cientista político Rodolfo Teixeira, da Universidade de Brasília (UnB), ressaltou que a produção legislativa pouco importa na definição do voto, já que a maior parte do eleitorado é desinteressada em acompanhar o cotidiano parlamentar e, na avaliação dele, muitos deputados federais têm ciência dessa realidade, motivando a acomodação.
"Há vários casos de parlamentares que, depois de muito tempo na Câmara, não têm uma produção legislativa tão frequente, porque o período áureo deles já passou. Agora, o eleitor não acompanha até porque muitos não têm interesse em fiscalizar. Hoje, a relação do eleitor com o político é muito baseado numa troca de favores", destacou ao acrescentar que a análise sobre quem pode trazer mais benefícios individuais pesa mais na escolha do voto.
Já o deputado José Linhares (PP) teve, nos últimos quatro anos, uma produção mais efetiva que os outros dois colegas de bancada cearense, mas a apresentação de propostas estacionou ainda em 2013. Nesta legislatura, o parlamentar apresentou 20 requerimentos,10 projetos de Lei e três projetos de Indicação. Em 2014, no entanto, ele não submeteu nada ao departamento legislativo.
O deputado Mauro Benevides (PMDB), apesar de ter sido um dos parlamentares cearenses que mais utilizaram a tribuna da Casa, priorizou a apresentação de requerimentos ao submeter 19 ao departamento legislativo e protocolar apenas quatro projetos de Lei. Neste ano, no entanto, o parlamentar conseguiu juntamente com os deputados Alessandro Molon (PT/RJ) e André Moura (PSC/SE) aprovar uma proposta de Emenda Constitucional (PEC) que sugeriu a fixação de uma prazo de oito anos, para que a União, os Estados e o Distrito Federal se organizarem para poder contar com defensores públicos em todas as unidades jurisdicionais.
O deputado Ariosto Holanda (PROS) apresentou, nos últimos quatro anos, 13 requerimentos, cinco projetos de Indicação e sete projetos de Lei, mas o parlamentar Artur Bruno (PT) foi o que mais se aproveitou dos requerimentos ao submeter 177, além de nove projetos de Lei e três projetos de Indicação.
Completando a lista dos não eleitos, Eudes Xavier (PT) submeteu 91 requerimentos, cinco projetos de Lei e três projetos de Indicação. Já Mário Feitoza apresentou 21 requerimentos, uma proposta de Emenda Constitucional e um projeto de Lei, enquanto João Ananias (PcdoB) protocolou 74 requerimentos, 14 projetos de Indicação, 17 projetos de Lei e uma PEC.
O parlamentar Edson Silva (PROS) foi a exceção ao submeter mais projetos de Lei (14) que requerimentos (11), além de três projetos de Indicação e uma proposta de emenda constitucional.
SAIBA MAIS
Ariosto Holanda (Pros) - Está no sexto mandato consecutivo. Desde 2011, o parlamentar apresentou 13 requerimentos, 5 projetos de indicação e 7 projetos de lei
Artur Bruno (PT) - Está no primeiro mandato Nos últimos quatro anos, o parlamentar apresentou 177 requerimentos, 9 projetos de lei e 3 Projetos de indicação
Edson Silva (Pros) - Está no terceiro mandato. Nesta legislatura, apresentou 14 projetos de lei, sendo 3 em conjunto, 11 requerimentos, 3 projetos de indicação e 1 PEC
Eudes Xavier (PT) - Está no segundo mandato consecutivo. Nos últimos quatro anos, apresentou 91 requerimentos, 5 projetos de lei e 3 projetos de indicação
João Ananias (PCdoB) - Está no primeiro mandato. Nos últimos quatro anos, apresentou 74 requerimentos, 14 projetos de indicação, 17 projetos de lei e 1 PEC
José Linhares (PP) - Está no sexto mandato consecutivo. Desde 2011, apresentou 20 requerimentos,10 projetos de lei e três projetos de indicação
Manoel Salviano (Pros) - Está no quarto mandato consecutivo Nos últimos quatro anos, o parlamentar apresentou cinco requerimentos e dois projetos de indicação
Mário Feitoza (PMDB)  -Está no primeiro mandato. No último mandato parlamentar, ele apresentou 21 requerimentos, 1 PEC e 1 projeto de lei
Mauro Benevides (PMDB) - Está no quarto mandato consecutivo. Nesta legislatura, apresentou 19 requerimentos, 4 projetos de lei, 2 projetos de indicação e 1 PEC
Vicente Arruda (Pros) - Está no quinto mandato consecutivo nos últimos quatro anos, o parlamentar apresentou um requerimento e um projeto de lei
Alan Barros
Repórter

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