Cientista político Hermano Ferreira diz que há aumento nas
abstenções devido à limitação no transporte de eleitores, em especial na
zona rural
FOTO: Miguel Portela
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Cerca de dois milhões de eleitores cearenses optaram por não votar no
último domingo, repetindo um cenário presenciado no pleito de 2010. O
levantamento considera os 20% de abstenções, que somam 1,2 milhão de
votantes, além da parcela do eleitorado que anulou o sufrágio ou votou
em branco. A taxa mais alta de rejeição foi para o cargo de senador, em
que quase 20% (mais de um milhão de eleitores) não quiseram escolher
nenhum dos quatro candidatos contra 15% que abriram mão de votar para
governador, quase 742 mil pessoas.
Por sua vez, a votação para eleger os 22 deputados federais cearenses e
os 46 estaduais apresentou menos renúncias ao direito de votar. Quase
398 mil teclaram o botão em branco para deputado federal e mais de 242
mil anularam. Para o cargo de deputado estadual, os números são menores:
mais de 315 mil eleitores votaram em branco e 232 mil anularam.
Anulados
Nacionalmente, a porcentagem de pessoas que se abstiveram de votar é
semelhante à do Ceará. Mais de 19% dos eleitores não compareceram ao
local de votação, um total de 27,6 milhões de brasileiros, além de 4,4
milhões de votos em branco e 6,6 milhões anulados.
Embora alto, o percentual de abstenções e votos nulos e brancos não
surpreende no Estado. Nas últimas eleições gerais, em 2010, os mesmos
20% de eleitores não compareceram às urnas. Naquele ano, 481 mil
anularam o voto para governador, mais de 10% das pessoas que foram às
seções eleitorais, enquanto 241 mil votaram em branco. Para o Senado
Federal, a rejeição dos eleitores cearenses é ainda pior do que a deste
ano: 762 mil deram voto em branco e 1,2 milhão anularam, o que simboliza
mais de 13% dos votantes.
Doutora em Sociologia do curso de Serviço Social da Universidade
Estadual do Ceará (Uece), a professora Cristina Nobre atribui o alto
índice de abstenções e votos nulos e brancos à fragilidade ideológica
dos partidos, aliada às contradições das coligações partidárias. "Houve
uma salada em termos de alianças. Antigos rivais se tornaram aliados,
isso criou uma confusão na cabeça das pessoas. As pessoas não pensam em
relação aos partidos, e sim às lideranças", explica.
Majoritária
A docente ressalta que são essas alianças da disputa majoritária que
acabam afastando o voto de parte do eleitorado. Além disso, ela aponta
que muitos candidatos a deputado acabam não apoiando postulantes
majoritários com medo de perder votos. "Nem todo candidato a deputado
fez vinculação ao nome de governador porque tem duas candidaturas muito
fortes disputando o eleitorado", detalha.
Cristina Nobre justifica que a maior porcentagem em relação a votos
nulos e brancos refere-se à disputa para senador, porque a função é
considerada "abstrata" para os eleitores. "O Senado é a votação mais
difícil. A figura é a mais abstrata, cria uma confusão sobre a função do
senador", completa a acadêmica.
Em contraponto a esse cenários, os eleitores têm mais proximidade com
os cargos proporcionais do legislativo: deputado estadual e federal.
Isso porque, de acordo com a pesquisadora da Uece, o trabalho de corpo a
corpo é mais intenso nos bairros da Capital e Interior.
"São os deputados que articulam pessoas para trabalhar na eleição,
fazer boca de urna, distribuição de material. Isso cria um certo vínculo
com um deputado estadual e federal. Quem vai trabalhar na campanha
também vota no candidato que está nos papéis que ele está distribuindo",
afirma.
Boca de urna
De acordo com a professora universitária Cristina Nobre, a
interferência da boca de urna no resultado das eleições ficou clara
durante o pleito deste ano. "A tendência de menos abstenções é em função
desse trabalho de base. Essas são as eleições que mais deixaram
escancarado esse processo, pessoas foram presas, ficou muito evidente",
opina.
O cientista político Hermano Ferreira, professor da Uece, diz acreditar
que falta motivação do eleitor para sair de casa para votar. Ele
acrescenta que outro fator que tem contribuído para restringir o número
de eleitores que vão às urnas é a limitação para o transporte de
eleitores até os locais de votação, especialmente na zona rural. Hoje, a
Justiça Eleitoral proíbe que candidatos ou associações disponibilizem
carros para transportar pessoas no dia da votação. A regra visa a
impedir a compra de votos e o beneficiamento eleitoral.
"Há um controle maior sobre o eleitor. Quando ele tem que votar em um
bairro muito afastado e não tem quem o leve para votar, fica em casa.
Fica difícil se deslocar. Outro aspecto que aumentou a abstenção é o
desestímulo com a política", completa o cientista político.
Falta de interesse
O professor Horácio Frota, coordenador do mestrado em Políticas
Públicas da Universidade Estadual do Ceará, aponta que a falta de
interesse do eleitor com as eleições não é um fenômeno restrito ao
Brasil. "Esse descontentamento é algo que está se percebendo, não é só
local, é do mundo todo. Aqui a diferença é que o voto é obrigatório. Há
um descrédito com sistema eleitoral", declara.
Na opinião do especialista, o índice de votos brancos e nulos é menor
para eleger deputados estaduais e federais, porque, além de haver mais
opções, os candidatos fazem um trabalho de campanha mais próximo ao
eleitorado. "Para deputado, o número é maior, sempre tem algum
(candidato) que se aproxima mais (das convicções do eleitor). O deputado
vai no corpo a corpo, até através dos cabos eleitorais", destaca o
cientista político.
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