O juiz Márlon Reis, do Maranhão, diz que assessores das
prefeituras relatam que os gestores estão mais cautelosos por conta da
Ficha Limpa
Foto: Lucas de Menezes
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Sancionada há quatro anos, a Lei da Ficha Limpa está sendo aplicada
pela primeira vez em eleições gerais, na disputa para cargos de
deputado, senador, governador e presidente da República. Apesar de ter
barrado mais de 1.200 candidatos no pleito de 2012, a legislação
enfrenta dificuldades de aplicabilidade por conta de divergências na
própria Justiça Eleitoral e morosidade no julgamento de processos,
fazendo com que fichas sujas consigam driblar condenações e continuar no
exercício dos mandatos.
Existe uma divergência de interpretação sobre o julgamento das Contas
de Gestão dos chefes do Executivo - prefeitos, governadores e presidente
da República. Esses processos são aqueles em que o gestor atua como
ordenador direto da despesa da administração, diferentemente das Contas
de Governo.
O entendimento do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE) é que os
tribunais de contas têm competência para desaprovar as Contas de Gestão
dos chefes do Executivo, enquanto o Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
avalia que a apreciação desses processos cabe exclusivamente ao
Legislativo - câmaras municipais, assembleias legislativas e Congresso
Nacional. Hoje o Legislativo já é competente por julgar as Contas de
Governo.
O Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou, através de algumas
reclamações que chegam à Corte, no sentido de absorver gestores que
tenham contas desaprovadas pelos tribunais de contas. Para integrantes
do Ministério Público e de outros órgãos de fiscalização, a medida
fragiliza a aplicação da Ficha Limpa e aumenta a sensação de impunidade
entre os gestores.
"Isso é um ponto que preocupa, porque ficaríamos sem instrumentos de
reaver recursos, já que as câmaras municipais não são competentes para
se debruçar sobre a aplicação de recursos federais", declara a auditora
federal do Tribunal de Contas da União (TCU) Lucieni Pereira.
Decisões
Recentemente, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal, cassou
decisões do Tribunal de Contas dos Municípios do Ceará (TCM) que
julgavam irregulares contas dos ex-prefeitos de Ibicuitinga, o suplente
de deputado federal Eugenio Rabelo; e de Antonina do Norte, o deputado
estadual Sineval Roque. A justificativa é que a responsabilidade caberia
à câmara municipal. Nesta semana, o TRE indeferiu o pedido de registro
de candidatura de Sineval Roque.
A auditora Lucieni Pereira frisa que a maioria dos chefes de Executivo
que atua como ordenador de despesa - equiparado a secretário de gestão -
está concentrada nos municípios. "O prefeito quer mudar tudo (na
gestão) e quer o talão de cheques na conta dele". E completa: "Câmaras,
assembleias e Congresso não têm quadro de auditores. O papel deles é
outro". Ela aponta ser necessário reformular a estrutura dos tribunais
de contas.
Um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, o juiz Márlon Reis, que
atua no Maranhão, avalia que a fragilidade jurídica da legislação é
restrita ao entendimento sobre os julgamentos da conta de gestão. "Isso
só existe em relação às contas públicas, mas não está na lei e sim na
interpretação sobre os tribunais de contas", ressalta.
O magistrado faz um balanço positivo da aplicação da Ficha Limpa. "Na
eleição passada, tivemos uma bela aplicação, com 1.200 pessoas barradas.
Tem sido impactante. Sou procurado por assessores de prefeituras que
revelam que há mudança de atitude para evitar a inclusão do gestor na
Ficha Limpa", frisa.
Outro fator dificulta a aplicabilidade da lei: a morosidade da
tramitação dos processos. No Ceará, o deputado Carlomano Marques (PMDB)
teve o mandato cassado pelo TRE, em dezembro de 2012, por compra de
votos nas eleições de 2010. De lá para cá, o parlamentar se sustenta no
cargo por uma liminar do Tribunal Superior Eleitoral que suspende a
decisão até que o pleno daquela Corte julgue o recurso do peemedebista.
O Ministério Público Eleitoral pediu a impugnação do registro de
candidatura de Carlomano nestas eleições, mas o TRE deferiu o pedido do
parlamentar, que poderá concorrer normalmente. O procurador regional
eleitoral do Ceará, Rômulo Conrado, acredita que a lentidão no
julgamento dos processos favorece os fichas sujas. "Fragiliza porque no
caso dele (Carlomano) a lei exige que, quando há liminar para suspender
uma condenação, esse processo seja julgado com prioridade em relação a
todos os outros", alerta.
Indeferidos
Rômulo Conrado discorda do posicionamento do TSE de deferir
candidaturas de ex-gestores que tiveram contas de gestão desaprovadas
pelos tribunais de contas. Ele prevê que muitos candidatos eleitos
deverão começar o mandato sub judice, já que terão os registros de
candidatura indeferidos no TRE e recorrerão ao Tribunal Superior, em
Brasília, para reverter a decisão local.
De acordo com o procurador, o Ministério Público fez um levantamento
minucioso dos potenciais candidatos com fichas sujas. "Muitos
transferiram seus votos para outros candidatos em acordos políticos ou
lançaram candidaturas de parentes", relata. "Houve menos candidaturas e a
gente acredita que isso se deve à decorrência da Lei da Ficha Limpa",
completa.
SAIBA MAIS
Pressão popular
A Lei Complementar 135, a Lei da Ficha Limpa, foi sancionada em junho
de 2010, após pressão popular que reuniu mais de dois milhões de
assinaturas em favor do projeto
Moralidade
A legislação barra candidatos com condenações por órgãos colegiados ou
sem mais direito a recorrer da sentença. Mesmo condenados, muitos
conseguem concorrer nas eleições amparados por recursos judiciais.
Outros indicam familiares para disputar em seu lugar
Impugnações
O Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE) recebeu nestas eleições 28
pedidos de impugnações de registros de candidaturas com supostas
irregularidades
Lorena Alves
Repórter
Repórter
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