Depois que Rose deu um jeito da calçada, Rafael, seu filho de três anos, pode brincar sem a "catinga" de antes |
Não era pedir muito. Rose Rabelo, 43, só queria passar pela esquina
das ruas Antônio Augusto e Bárbara de Alencar, na Aldeota, sem que o
trajeto fosse interrompido por uma pilha de lixo. Entulhos e sacos
plásticos trazidos de todas as partes da vizinhança se acumulavam rente
ao muro do terreno baldio. Um monte de tralhas que entupia os bueiros e
que a chuva levava para sua porta.
Impaciente, Rose
colocou na lista de afazeres cotidianos a limpeza e a organização do
monturo. Todos os dias ela varria a frente da casa e continuava pela
calçada até alcançar a outra esquina. O serviço também incluia a
compactação do entulho e acomodação dos sacos plásticos em outros
maiores para facilitar a retirada pelos garis. Foi uma peleja que durou
quatro anos até a paciência lhe escorrer pela vassoura.
“Eu
determinei que nunca mais ninguém colocaria lixo nessa esquina. Aqui
tinha de ser um lugar de gente”. Foi aí que a história mudou. Rose
começou a vigiar a esquina para impedir o despejo de lixo. Quando algum
“sujão” agia, ela falava que não se podia pôr dejetos naquele espaço.
Se acatasse, bem.
Se não, erguia o dedo direito para a
placa da Prefeitura indicando a proibição e emendava: “E isso dá multa,
viu?”. O valor varia de R$ 64,56 a 645,60, conforme o Código de Obras e
Posturas de Fortaleza.
Devagarzinho e à custa de alguns
gritos, conseguiu reduzir a montanha. A filha Sueny, 14, já nem se
importava quando a mãe corria para rua após perceber barulho estranho -
principalmente, os que soavam carrinhos de mão e motos.
“Mas
não era só isso. Aqui vinha gente colocar lixo de todo jeito. O
pessoal chegava de dupla, conversando, com carrinhos de supermercado...
Era uma coisa horrível!”
Há um mês, com a aproximação da
Copa do Mundo, Rose resolveu dar nova função à esquina. As latas de
tinta verde e amarela foram a desculpa para modificar o lugar, que
deixou de ser “lixão” para se tornar o que sempre deveria ter sido:
calçada. Quando escutou as ideias da vizinha, seu Ademar Pereira, 77,
não acreditou que vingasse. Enganou-se. “Ela conseguiu, mas pra chegar
nesse ponto, teve que batalhar muito”, reconhece.
E o
lixo deu lugar à beleza, ficou diferente. Os pneus – antes obstáculos
para pedestres – viraram vasos de plantas, assim como as garrafas
plásticas pipocaram em flor nas paredes. “Tudo aqui é sustentável”,
orgulha-se.
“Virou um canto de lazer, como deveria ser
toda calçada”, define Ana Flávia Garcia, 12. A garota desliza sobre o
skate por entre as roseiras de plástico. Ela e um grupo de sete amigos
se encontram na calçada para brincar e colocar os assuntos em dia. Toda
noite, sem erro e sem a “catinga” de antes.
Hoje, Rose
planeja instalar uns bancos pelo espaço, mais um convite para as
pessoas continuarem ali seja na correria traquina dos meninos ou nas
conversas despreocupadas que resistem enquanto houver calçadas.
Rômulo Costa
romulocosta@opovo.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário