segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Artesanato é instrumento para promoção social

Com apoio técnico, grupos diversificam produção artesanal e tentam conquistar mercado consumidor
Russas. Ter a habilidade nas mãos de criar objetos vai além de um dom. Trata-se de uma responsabilidade na preservação da cultura local. A Associação dos Artesãos e Artistas Plásticos de Russas (AAAPR) trabalha há mais de 10 anos incentivando a produção e comercialização do artesanato deste município. Além disso, as oportunidades se estendem a pequenas comunidades carentes.

Maria de Fátima, da Serra do Vieira, faz utensílios a partir de talo de carnaúba fotos: ellen freitas

Atualmente, a associação conta com 38 membros, organizados e participativos. Eles trabalham os mais diversos produtos, como biscuit, madeira, tecido, crochê, bijuterias, talo de carnaúba e diversos outros materiais. Boa parte da produção representa o sustento de muitas famílias que se dedicam ao trabalho. Dentre os vários produtos, destaca-se o trabalho com o talo da carnaúba, desenvolvido principalmente pelas comunidade da zona rural.
Perspectiva
São cinco mulheres de uma mesma família. Primas, sogra e nora, residentes na comunidade de Serra do Vieira, distante cerca de 20 km da cidade de Russas, em um território já pertencente ao município de Quixeré. Em algum momento, todas elas estiveram sujeitas à árdua rotina de trabalho das pedreiras, localizadas boa parte na comunidade. Hoje, elas veem no artesanato com talo de carnaúba uma possibilidade de contribuir com a renda familiar e ter uma pequena melhora na condição de vida. As artesãs aprenderam a fazer objetos com talo da carnaúba a partir de um curso desenvolvido pela associação em parceria com a Central de Artesanato do Ceará (Ceart) e o Sebrae. E a cada nova habilidade em cortar e amarrar os pequenos talos, dando formato de diversos produtos, é como se estivessem conhecendo uma vida melhor. A matéria prima é praticamente toda colhida no quintal de casa.

Abundância
Em uma terra onde há carnaúba em abundância, não falta material, mas o restante, principalmente barbante específico para prender os talos, não é encontrado de forma fácil, encarecendo e aumentando o prazo de confecção das peças.

Da pequena sala de uma escola inativa, as artesãs produzem bandejas, caixas, portar retratos, molduras, luminárias de vários estilos, entre outros produtos. É tudo feito com muita paciência e dedicação, chegando a durar dois meses para aprontar toda a encomenda. O produto é vendido boa parte por consignação, por meio da Ceart. De lá, seguem para hotéis, restaurantes, bares, entre outros pontos comerciais da capital cearense.

Maria Regivânia, de 29 anos, conta que o artesanato ajuda ela e o marido a criarem o filho de oito anos. O pai trabalha na construção civil, sai de casa ainda muito cedo e volta à noite e, quando chega, ainda tem disposição para ajudar a esposa no trabalho artesanal.

Venda
"Ele me ajuda a dar o acabamento. Às vezes, quando temos ideia, vamos criando as peças, vendendo para os vizinhos, os amigos. O mercado aqui ainda é pouco, mas o dinheiro que entra ajuda", conta Regivânia.

Para a dona de casa Fátima dos Santos, 51 anos, o que ela ganha fazendo artesanato ajuda financeiramente em casa, onde mora com o marido aposentado, uma filha e ainda cuida do neto. "As encomendas demoram para aparecer, porque aqui é muito longe da cidade, pouca gente conhece o que a gente faz, mas tudo o que entra já é uma boa ajuda", afirma.

O esposo de dona Fátima sofre de problemas cardíacos e por isso não pode trabalhar. Eles vivem de um aposento de um salário mínimo.

Para Regivânia, o problema maior está no fato de a cidade não ter um espaço para exposição das peças, de forma que elas possam ser melhor comercializadas. "Tem o projeto da reforma do mercado público. Disseram que o segundo andar vai ser só para o artesanato, mas ninguém sabe quando isso vai acontecer, então a gente acaba ficando com nosso trabalho guardado, porque não temos onde vender", lamenta a artesã.

Abandono
Ativista na comunidade, presidente da associação de moradores de Serra do Vieira e também presidente da Associação dos Artesãos e Artistas Plásticos de Russas (AAAPR), Eliana Machado diz que a ideia de levar esse tipo de artesanato para a comunidade de Serra do Vieira teve início devido às condições de abandono em que vive a comunidade, com o intuito de que, de alguma forma, as pessoas tenham outras perspectivas de vida.

"A comunidade passa por vários conflitos. O primeiro é de terras, pelo fato de os municípios de Russas e Quixeré estarem na briga pelo território; de trabalho, porque as famílias estão expostas a péssimas condições de serviço nas pedreiras, e por ser uma comunidade que não tem aparelhos públicos. A comunidade fica isolada", lamenta Eliana.

O próximo projeto da associação é uma parceria com a Secretaria de Agricultura deste município, na confecção de folha de papel oriunda da carnaubeira.

Dessa forma, as comunidades vão encontrando, por meio da arte com elementos da natureza ao redor, a sua forma de protagonizar na vida, seja pela ampliação da capacidade produtiva como pela necessidade de atender ao bem estar da família. Para isso, cabe muito mais a ação dos governantes em apoio às artes.

Mais Informações:Associação dos Artesãos e Artistas Plásticos de Russas (AAAPR)
Russas, Ceará
Presidente, Eliana Machado
(88) 9241 4980

Artistas superam adversidades

Russas
. Muitas artesãs superam adversidades e conseguem viver da arte. Nesta cidade, os trabalhos da artista plástica Maria José, e da artesã Elisângela Costa Lima servem de exemplo de determinação e amor a arte.

A artista plástica Maria José afirma que é preciso de muita determinação só para viver de arte. Foi por meio da Associação dos Artesãos e Artistas Plásticos de Russas que seu trabalho começou a ser mais valorizado FOTO: ELLEN FREITAS

Para muitos artesãos e artistas plásticos, principalmente do Interior, é difícil viver somente de seu trabalho. Mesmo com o talento e a dedicação para realizarem obras, muitos desanimam diante da pouca valorização de suas peças.

A realidade destas pessoas é fazer do artesanato o sustento, complemento de renda, feitos em contra-turnos de outras jornadas de trabalho.

Dedicação
A artista plástica Maria José Queiroz de Freitas, 26 anos, tem dedicado seus últimos 15 anos a sua obra. O prazer da infância em pintar se tornou trabalho e também prazer, podendo ainda viver exclusivamente disso. Atualmente, ela ministra aulas de pintura para cerca de 50 alunos, em empresas e organizações não governamentais (ONGs). A artesã conta que é preciso perseverança para se conseguir viver fazendo o que gosta.

"É uma trabalho que não tem tanta valorização, então, é preciso que as pessoas que o fazem estejam sempre inovando, aprendendo, exercitando e praticando. Arte não desenvolve só lendo, ouvindo ou vendo, você tem que usá-la, tem que praticar. E perseverança, porque se desanimar, ninguém evolui", conta.

Restauração
Para Maria José, era pouco provável trabalhar com pinturas em Russas, mesmo já fazendo alguns trabalhos de restauração sacra. Foi através da Associação de Artesãos e Artistas Plásticos de Russas (AAAPR), que seu trabalho ganhou maior visibilidade. "O envolvimento com a associação foi importante porque deu visibilidade ao trabalho. Um grupo unido se torna mais forte. Também tínhamos cursos e capacitações em parceria com Sebrae e outras instituições, isso contribuía para novas aprendizagens", explica Maria José.

Maria Elizângela Costa Lima, 39 anos, começou a ajudar o marido, José Santiago, na produção de pequenas peças rústicas, a partir de 2001. Isso se dava diante da necessidade de se conseguir algum dinheiro para o sustento da família. O marido, que também é músico, fazia peças a partir de materiais retirado da própria natureza, como o coco e o talo da carnaúba.

Ela ressalta que no começo foi difícil. O filho adolescente do casal pegava as peças e saía para vender nas ruas do município, enquanto ela e o marido ficavam em casa produzindo e na expectativa da venda. "Se isso acontecesse, já era a certeza de que teríamos o dinheiro do almoço e do jantar", conta Elisângela.

Em 2003, Elisângela já se dedicava ao trabalho com outros materiais, quando conheceu o trabalho da associação. Com outros artesãos, viu a possibilidade de organizar um grupo.

Aos poucos a situação foi melhorando, as encomendas aumentaram e foi possível que o marido se registrasse como empreendedor individual, como artesão. O casal possui hoje um pequeno ateliê, onde produzem principalmente suas peças.

ELLEN FREITASCOLABORADORA

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