Feito a partir do acervo de Nirez, livro reúne canções referentes a fatos e costumes do Brasil até os anos 60
Aos 20 anos, em 1954, Miguel Ângelo de Azevedo compraria seu primeiro disco. Depois dele viriam mais 21.999. E como se não bastasse ouvi-los, o desenhista publicitário ainda elaborava verdadeiras resenhas em seus cadernos.
"Nunca guardei um disco que não fosse anotado", explica Nirez, assim conhecido, muito mais do que Miguel. "Sempre anotava algo sobre uma falha de interpretação, o assunto que era tratado no disco, uma curiosidade sobre a letra... Ouvia e já fazia a crítica", relembra. O hobby o converteu numa das principais autoridades sobre a fonografia em cera do Brasil - uma referência a qual recorrem estudiosos, selos e gravadoras.
Hoje, no auditório do Museu da Imagem e do Som, equipamento da Secretaria da Cultura do Estado (Secult) por ele dirigida, o pesquisador lança uma obra de referência para o acervo musical nacional. Em "A História Cantada no Brasil em 78 Rotações", Nirez discorre e apresenta músicas referentes a grandes acontecimentos brasileiros.
"Foi até rápido para fazer o livro, justamente por causa das minhas anotações", revela. "Fui lá no meu fichário e procurei todas as músicas que faziam referência a esse tema: as guerras, as pestes, a política... E depois foi só citar as letras e elaborar textos que conectassem essas canções", detalha Nirez. A empreitada levou três anos.
Épico
Nirez começa citando o início do século XX, em 1902, com a eclosão de grandes pestes. "Naquela época, o prefeito do Rio de Janeiro, Pereira Passos, contratou Oswaldo Cruz para higienizar a cidade e várias músicas foram produzidas sobre a vacinação. Como não tinha gente suficiente pra pegar os ratos da cidade, o prefeito começou a comprar os ratos a um tostão. Por causa disso nasceu ´Rato, rato!´, uma cançoneta gravada por Alfredo Silva, em 1904", detalha.
Ao longo de mais de 500 páginas, Nirez reúne dois dos seus acervos mais preciosos: o musical e o advindo de sua memória, simplesmente prodigiosa. Sem esforço, Nirez é capaz de recordar datas, nomes e fatos, sempre entrecortando-os com muita música.
Segundo ele, o período percorrido pelo livro segue até 1961, com o incêndio do Gran Circus Norte-Americano, em Niterói. Tino Reis, cantor e compositor, comoveu-se com a tragédia (que deixou mais de 500 mortos) e compôs "Niterói de Luto".
Como os discos foram coletados a partir de 1954, muito há referente à política. Em 1951, quando Getúlio Vargas "volta aos braços do povo" e as repartições públicas voltariam a adotar seu retrato nas salas, Haroldo Lobo e Marino Pinto compõem a marcha "Retrato do Velho", gravada por Francisco Alves, em 1950.
A exposição da foto de "Gegê", aliás, acabou indo parar na capa do livro. Entre as raridades de Nirez está o samba de Marcelino Ramos e Silas de Oliveira, intitulado "A Carta", em que o texto da carta-testamento de Getúlio é adaptada à melodia do samba.
Sobre o Ceará, o pesquisador catalogou canções sobre praias, praças e misses. "Gordurinha e Nelinho gravaram o inesquecível baião ´Praça do Ferreira´, em que falavam do ventinho que arribava as saias das meninas. Teve também o baião de lamento de Humberto Teixeira, ´Eu vou pro Ceará´, que dizia ´Meu povo tá chorando, eu vou lá chorar também´", recorda Nirez.
Apesar do vasto conhecimento, o jornalista contou, sim, com alguns parceiros, entre eles, o político Franklin Martins. "Ele é muito entendido de política, então costumávamos trocar ideias, tinha música que fazia referência a algum fato político e eu nem sabia", explica. Através de um patrocínio do Ministério da Cultura, o acervo de Nirez encontra-se digitalizado.
"Nem eu escuto mais os discos originais. Agora com a internet, eu ouço direto do acervo!", acrescenta.
Segundo ele, até existe um desejo de transformar o livro em um projeto musical, uma espécie de álbum reunindo as músicas citadas na obra, mas os direitos autorais são o maior entrave. "É muito complicado. Domínio público é de 75 anos pra baixo, mas, mesmo assim, alguém da família do artista pode botar banca...", aponta.
LIVRO
A história cantada no Brasil em 78 rotaçõesMiguel Ângelo de Azevedo (Nirez)
Edições UFC
2013, 522 páginas
R$ 70
Mais informações:
Lançamento do livro "A História Cantada no Brasil em 78 Rotações", de M. A. de Azevedo (Nirez). Hoje, às 19h, no auditório do Museu da Imagem e do Som (Av. Barão de Studart, 410). Contato: (85) 3101.1200
MAYARA DE ARAÚJOREPÓRTER
Aos 20 anos, em 1954, Miguel Ângelo de Azevedo compraria seu primeiro disco. Depois dele viriam mais 21.999. E como se não bastasse ouvi-los, o desenhista publicitário ainda elaborava verdadeiras resenhas em seus cadernos.
O pesquisador Miguel Ângelo de Azevedo, o Nirez, em seu acervo de discos raros FOTO: KID JUNIOR |
"Nunca guardei um disco que não fosse anotado", explica Nirez, assim conhecido, muito mais do que Miguel. "Sempre anotava algo sobre uma falha de interpretação, o assunto que era tratado no disco, uma curiosidade sobre a letra... Ouvia e já fazia a crítica", relembra. O hobby o converteu numa das principais autoridades sobre a fonografia em cera do Brasil - uma referência a qual recorrem estudiosos, selos e gravadoras.
Hoje, no auditório do Museu da Imagem e do Som, equipamento da Secretaria da Cultura do Estado (Secult) por ele dirigida, o pesquisador lança uma obra de referência para o acervo musical nacional. Em "A História Cantada no Brasil em 78 Rotações", Nirez discorre e apresenta músicas referentes a grandes acontecimentos brasileiros.
"Foi até rápido para fazer o livro, justamente por causa das minhas anotações", revela. "Fui lá no meu fichário e procurei todas as músicas que faziam referência a esse tema: as guerras, as pestes, a política... E depois foi só citar as letras e elaborar textos que conectassem essas canções", detalha Nirez. A empreitada levou três anos.
Épico
Nirez começa citando o início do século XX, em 1902, com a eclosão de grandes pestes. "Naquela época, o prefeito do Rio de Janeiro, Pereira Passos, contratou Oswaldo Cruz para higienizar a cidade e várias músicas foram produzidas sobre a vacinação. Como não tinha gente suficiente pra pegar os ratos da cidade, o prefeito começou a comprar os ratos a um tostão. Por causa disso nasceu ´Rato, rato!´, uma cançoneta gravada por Alfredo Silva, em 1904", detalha.
Ao longo de mais de 500 páginas, Nirez reúne dois dos seus acervos mais preciosos: o musical e o advindo de sua memória, simplesmente prodigiosa. Sem esforço, Nirez é capaz de recordar datas, nomes e fatos, sempre entrecortando-os com muita música.
Segundo ele, o período percorrido pelo livro segue até 1961, com o incêndio do Gran Circus Norte-Americano, em Niterói. Tino Reis, cantor e compositor, comoveu-se com a tragédia (que deixou mais de 500 mortos) e compôs "Niterói de Luto".
Como os discos foram coletados a partir de 1954, muito há referente à política. Em 1951, quando Getúlio Vargas "volta aos braços do povo" e as repartições públicas voltariam a adotar seu retrato nas salas, Haroldo Lobo e Marino Pinto compõem a marcha "Retrato do Velho", gravada por Francisco Alves, em 1950.
A exposição da foto de "Gegê", aliás, acabou indo parar na capa do livro. Entre as raridades de Nirez está o samba de Marcelino Ramos e Silas de Oliveira, intitulado "A Carta", em que o texto da carta-testamento de Getúlio é adaptada à melodia do samba.
Sobre o Ceará, o pesquisador catalogou canções sobre praias, praças e misses. "Gordurinha e Nelinho gravaram o inesquecível baião ´Praça do Ferreira´, em que falavam do ventinho que arribava as saias das meninas. Teve também o baião de lamento de Humberto Teixeira, ´Eu vou pro Ceará´, que dizia ´Meu povo tá chorando, eu vou lá chorar também´", recorda Nirez.
Apesar do vasto conhecimento, o jornalista contou, sim, com alguns parceiros, entre eles, o político Franklin Martins. "Ele é muito entendido de política, então costumávamos trocar ideias, tinha música que fazia referência a algum fato político e eu nem sabia", explica. Através de um patrocínio do Ministério da Cultura, o acervo de Nirez encontra-se digitalizado.
"Nem eu escuto mais os discos originais. Agora com a internet, eu ouço direto do acervo!", acrescenta.
Segundo ele, até existe um desejo de transformar o livro em um projeto musical, uma espécie de álbum reunindo as músicas citadas na obra, mas os direitos autorais são o maior entrave. "É muito complicado. Domínio público é de 75 anos pra baixo, mas, mesmo assim, alguém da família do artista pode botar banca...", aponta.
LIVRO
A história cantada no Brasil em 78 rotaçõesMiguel Ângelo de Azevedo (Nirez)
Edições UFC
2013, 522 páginas
R$ 70
Mais informações:
Lançamento do livro "A História Cantada no Brasil em 78 Rotações", de M. A. de Azevedo (Nirez). Hoje, às 19h, no auditório do Museu da Imagem e do Som (Av. Barão de Studart, 410). Contato: (85) 3101.1200
MAYARA DE ARAÚJOREPÓRTER
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