Pintura 'Moinho de Vento do Aracati', de 1859, retrata a espera pelo fenômeno |
Várias pessoas esperam, na porta de casa, a passagem do vento, que é alvo de pesquisas e produções artísticas
Limoeiro do Norte. Antes do sol se por, e mesmo depois dele, um grande sopro que vem do mar corta o Ceará ao meio, levanta poeira, vestido de moça, roda cata-vento, espalha o cabelo da mulher sentada na calçada, despede do calor com sua brisa marítima fresca no sertão. É o "vento Aracati", que todos os dias percorre mais de 300 quilômetros. Canalizado pelo Rio Jaguaribe, o vento compõe real e imaginário dos sertanejos, desde bem antes de ser retratado no romance Iracema, de José de Alencar, e de ser objeto de estudos científicos na Universidade Estadual do Ceará (Uece). Patrimônio imaterial do Estado, o vento virou versos, depois documentário, que soprou a história do fenômeno para outros países e está prestes a virar um longa metragem.
"O doce Aracati chega do mar, e derrama a deliciosa frescura pelo árido sertão. A planta respira; um doce arrepio eriça a verde camada da floresta". Em "Iracema", José de Alencar só fez com outras palavras o mesmo culto que o agricultor Francisco Martins: "o vento do Aracati nos dá um ar". É um "boa noite" com jeito de um "bom dia" de amanhã, quando o vento passa novamente. Cada cidade com seu horário. Em Limoeiro do Norte, terra do seu Martins, passa por volta de 17h. Pode atrasar, mas nunca falta. Em Icó, passa na hora da "novela das oito" e lá dá seu último banho diário no sertão.Limoeiro do Norte. Antes do sol se por, e mesmo depois dele, um grande sopro que vem do mar corta o Ceará ao meio, levanta poeira, vestido de moça, roda cata-vento, espalha o cabelo da mulher sentada na calçada, despede do calor com sua brisa marítima fresca no sertão. É o "vento Aracati", que todos os dias percorre mais de 300 quilômetros. Canalizado pelo Rio Jaguaribe, o vento compõe real e imaginário dos sertanejos, desde bem antes de ser retratado no romance Iracema, de José de Alencar, e de ser objeto de estudos científicos na Universidade Estadual do Ceará (Uece). Patrimônio imaterial do Estado, o vento virou versos, depois documentário, que soprou a história do fenômeno para outros países e está prestes a virar um longa metragem.
O "Aracati", do tupi-guarani "bons ventos", vem do mar, todas as tardes, como uma brisa marítima que ganha força ao ter por canalizador o Rio Jaguaribe, que desemboca no mar entre Aracati e Fortim. Desde lá, corta o sertão jaguaribano, passando por Municípios cortados pelo rio ou seus afluentes.
Energia eólica
O movimento é tema de criterioso estudo de físicos e estudantes da Universidade Estadual do Ceará (Uece). O potencial de geração de energia do vento, que atinge velocidade entre cinco e dez metros por segundo, explica a intensa instalação de parques eólicos em Aracati. Mas, até hoje, não se tem completa dimensão do vento Aracati, que corre mais forte a mais de 500 metros de altitude.
Ainda hoje, muitas pessoas esperam o vento passar na porta de casa. A cadeira na calçada e a prosa faceira de uma tardinha com fim de noite e a espera pelo vento frio, que chega de repente - às vezes mais forte do que em outros dias, mas sempre fresco, úmido. E, por isso, o vento é cultuado, tanto quanto é necessário, no sertão. Um sopro que é bem vindo como o vento Síroco, que corta Veneza, na Itália.
No Ceará, o "Aracati" é verso lembrado pelo poeta Joaquim Cardoso em seu "Congresso Internacional dos Ventos". Em palavras, varreu o mundo, falando dos alísios e ventos que empurram cheiros e inspirações: "O último que se pôs foi o vento Aracati: cortou uns talos de chuva/ Com eles fez uma flauta/ E se foi, tocando e dançando, /E se foi pela estrada goiana".
Outros, como Luciano Maia, "empurram o vento pra lá": "Com o vento Aracati/ Tenho as minhas relações às vezes pouco amistosas:/Ele varre os tabuleiros/ bate com força no oitão/ desgrenha as copas das árvores/ despenteia o capinzal/ dispersa as cinzas no chão.//(Flagelo das lamparinas/ele é sócio do apagão)./Porém o pior de tudo: em noites de escuridão/ assobia nos telhados/ varre lembranças antigas/ recordando sofrimentos/ esse arauto da aflição/ Sai, vento, vai conversar/ com teus parceiros do mar".
Mas há também quem, assim como Eugênio Leandro e Oswald Barroso, só tire a cadeira da calçada quando a brisa passar, como os dois musicaram: "Só a fulô do mormaço se espaia nessa lonjura. Mas eu num me disispero nem me arretiro daqui, apois arta noite ispero vir o vento Aracati".
Foi pela curiosidade e interesse em seguir o rastro do vento, que as documentaristas cariocas Julia de Simone, Aline Portugal e Júlia Motta decidiram andar pelo Vale do Jaguaribe e conversar com populares, perguntar pelo vento como quem procura o paradeiro de uma pessoa.
Interpretações
Para uns, é o sopro de Deus, outros dizem que é um movimento que acontece porque a terra muda de lugar. Não importa por que ou por quem, o vento segue firme, numa ligeireza que só se cansa quando se aproxima do Orós, em Icó. Mas os estudiosos dizem que lá em cima, bem nas alturas, o vento ainda corre forte até muito mais longe.
Do litoral ao Icó, passando por Limoeiro, Tabuleiro, Jaguaribara ou Jaguaribe, o vento se esparrama e debulha as folhas das árvores, o sorriso de quem sente o frescor tocar a pele. É como um fechar de ciclo diário. Depois do calor brabo, da "brasa", vem a brisa, vem o coro: "o Aracati chegou".
Percurso
300 quilômetros é a distância percorrida pelo vento Aracati, que passa por Municípios cortados pelo Rio Jaguaribe
FIQUE POR DENTRO
Vento atinge velocidade de até 10m/s
O vento Aracati ocorre principalmente no começo das noites de dias quentes, chegando a atingir velocidade de mais de cinco metros por segundo, a uma altura de aproximadamente 10 metros. Mas o núcleo do vento, ou seja, onde ele apresenta as maiores velocidades, fica entre 300 e 600 metros de altura. A origem e a estrutura do vento Aracati ainda não foram cientificamente comprovadas. Entretanto, pesquisadores do Laboratório Integrado de Micrometeorologia e Modelagem Atmosférica (Limma), da Universidade Estadual do Ceará (Uece), estudam o vento desde 2007. Um dos motivos de apreciação ligada ao vento Aracati é o fato de ele amenizar a temperatura por onde passa. Como carrega muitas partículas úmidas, ele transmite a sensação de uma temperatura mais amena. O potencial de geração de energia do vento explica a intensa instalação de parques eólicos no Município de Aracati. Objeto de estudo de diversas pesquisas científicas e produções artísticas, o fenômeno há várias décadas compõe o imaginário do sertanejo, sendo retratado na música e na literatura. O vento Aracati também foi retratado no livro Iracema, do escritor cearense José de Alencar.
Documentário retrata o fenômeno
Aracati. "Em Poço da Pedra, o Aracati passa na hora da novela das oito. É nesse momento do dia que a pequena Suely, de 8 anos, faz uma fogueira com a ajuda do tio, na frente de casa, e aproveita para secar as panelinhas de barro que gosta de fazer. A menina mora com a avó, dona Geralda, de 66 anos, que nos convidou para dormir em sua casa. Durante a noite, enquanto esperávamos o Aracati passar, sentamos em tapetes em volta da fogueira e escutamos muitas histórias". A narrativa é da jornalista Júlia Motta, após dez dias de viagem com duas amigas para produção de documentário sobre o famoso vento.
As entrevistas colhidas no Ceará resultaram em um curta-metragem e até serviram para participação em feira de documentários nos Estados Unidos. O material estreou em São Paulo e participou de outras mostras no Sudeste e em um festival de cinema em Portugal. O próximo passo é rodar o filme, que está em fase de captação de recursos.
"O sopro diário do Aracati, que chega para refrescar e alimentar de esperança a vida das pessoas que vivem ali, no meio do sertão, é cercado de lendas e histórias. Foi atrás delas que eu e duas amigas - a diretora Julia De Simone e a roteirista Aline Portugal - viajamos, em 2009, para fazer a pesquisa que deu início ao documentário ´Aracaty´", comenta Júlia Motta.
Foi através do material colhido, entre imagens e entrevistas com populares do Vale do Jaguaribe, que saiu o curta-metragem "Estudo para o vento". "É uma espécie de entrada no universo do Aracati, mas ainda não é o longa metragem que vamos fazer", afirma Júlia De Simone, diretora do projeto.
As imagens coletadas no Estado foram exibidas no Programa Internacional de Capacitação para Documentários (Pic Doc), ganhou elogio do francês Emmanuel Priou, produtor do filme "A marcha dos Pinguins", ficando entre os dez melhores. Isso garantiu participação na feira Real Screen Summit, em Washington (Estados Unidos), que é especializada em documentários e programas de TV. As produtoras do filme estão em fase de captação de recursos e iniciam esse trabalho, que não é fácil, pelo Ceará. Então, empresas interessadas em contribuir com este projeto podem falar com a diretora Júlia De Simone (julia@miradafilmes.com.br).
Pesquisas
Na parte científica, pesquisadores do Ceará realizam estudos sobre a dimensão do vento Aracati. A equipe do Laboratório Integrado de Micrometeorologia e Modelagem Atmosférica (Limma) tenta reproduzi-lo por meio de simulações em computador usando um modelo adotado em laboratórios americanos.
Levantamentos indicam que o fenômeno pode estar associado a eventos de Jatos de Baixos Níveis, que ocorrem na baixa atmosfera, especialmente nos dois primeiros quilômetros de superfície. As atividades do Limma receberam apoio da Funcap, através do Programa Primeiros Projetos (PPP), que permitiu a montagem do laboratório e a instalação computadores que ajudam nas simulações meteorológicas com o vento Aracati.
Mais informações
Produção de documentário
Mirada Filmes (Rio de Janeiro)julia@miradafilmes.com.br
Universidade Estadual do Ceará
Telefone: (85)3101.9863
MELQUÍADES JÚNIORREPÓRTER
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