segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Em comemoração aos 100 anos de Humberto Teixeira, memorialistas falam sobre sua obra e a parceria com Gonzagão

Nirez, em seu arquivo: pesquisador relembra entrevista final com Humberto Teixeira
 
Nesta segunda, 5 de janeiro de 2015, comemora-se o centenário de nascimento do poeta e compositor Humberto Teixeira, cearense de Iguatu. Desdobrando as reflexões da edição especial de ontem (4), o Caderno 3 ouviu os memorialistas locais Miguel Angelo de Azevedo, o Nirez, e Cristiano Câmara, a respeito do contexto da obra do iguatuense.
No último dia 26 de dezembro, a reportagem esteve no Arquivo Nirez, visitando o lugar onde Humberto Teixeira concedeu uma de suas entrevistas mais emblemáticas. Ocasião em que o poeta deu sua própria versão (e não "à reboque" da figura de Luiz Gonzaga), sobre toda sua trajetória e seu lugar na difusão do baião. O encontro aconteceu pouco antes da morte de Humberto: ele faleceu no Rio de Janeiro (RJ), em 3 de outubro de 1979.
Já a entrevista, mediada por Nirez, aconteceu no dia 11 de dezembro de 1977, na mesma casa onde há 52 anos funciona o Arquivo. "Antes disso, era na (rua) Jaime Benévolo", observa o pesquisador.
Chegando lá, Nirez entrega à reportagem uma edição mais atualizada do depoimento, em formato de livro impresso: "Humberto Teixeira - Voz e Pensamento" reúne 124 páginas, com apresentação de Pedro Carlos Álvares. O tom das respostas é impregnado do talento poético, dos floreios de Humberto Teixeira, o que valoriza fatos simples de sua vida.

"Você sabe que o fato de eu usar só o Humberto Teixeira criou, de certa forma, um problema dentro de minha casa, porque minha mãe é muito ciosa do Cavalcanti (?) Você há de convir que eu nasci exatamente no ano da seca antológica do Ceará, eu nasci no 15", disse, entre outras frases de efeito e longas histórias.
Nirez contextualiza a visita de Humberto: "em 77, depois de uma conversa de 15 minutos no Theatro José de Alencar, ele entusiasmou-se para prestar um depoimento aqui na sala do Arquivo. Foi a única vez em que ele esteve aqui. Depois Luiz Gonzaga ficou de vir também, mas nunca veio".
As paredes do Arquivo Nirez estão repletas de fotos em preto e branco de personalidades antigas da música brasileira. De um lado da parede, gente do Ceará. De outro, os de fora. Nomes que, para as novas gerações, só "correndo atrás" para trazer ao presente: Catulo Paixão, Xisto Bahia, Manezinho Araújo. Entre os cearenses, Maestro Lisboa, o grupo 4 Ases e 1 Coringa.
Observando a ilustração do espaço, percebe-se que faz todo sentido que Humberto Teixeira tenha compartilhado seu discurso delicado por ali. Não há sombra de Luiz Gonzaga e tampouco algum holofote para ofuscar um ou outro. O Arquivo convida a registrar a história, simples assim. O espaço memorialista ainda chama atenção pela disposição em guardar tanto material analógico, mesmo em tempos de digitalização. Nirez, hoje, conversa sobre Humberto Teixeira e dá sua opinião sobre outras iniciativas de preservação da memória do compositor.
Fala sobre o documentário "O Homem que engarrafava nuvens", para o qual concedeu depoimento. E confessa não ter gostado do filme. "O Humberto Teixeira foi um dos criadores do baião urbano. Falando com a Denise (Dummont, filha de Humberto), até me candidatei a escrever a biografia dele. A biografia do Ricardo (Cravo Albin) não tá ruim não... Mas ele aproveitou trechos do meu depoimento, e disse que foi dado para o MIS", critica.
E fala do documentário: "achei que faltou mais destaque para os verdadeiros parceiros do Humberto Teixeira. Sivuca, Dominguinhos, o pessoal do Nordeste. Ela não procurou muito essa linhagem, de quem realmente foram os parceiros dele".
O pesquisador faz a própria reverência a Humberto. "Ele já era um compositor consagrado antes de ir para o Rio de Janeiro. Muito intelectualizado, um compositor de mão cheia. Ele explorou muito bem as coisas do Nordeste. Ambos (ele e Gonzaga) faziam música e letra. Não era totalmente separado".
Indagado a respeito dos tons de criticidade na poesia de Humberto Teixeira - que além de compositor fora deputado federal e advogado, Nirez pondera. Se tratava mais de poesia do que de protesto.
"Acho que o que ele fazia era mais um registro. É diferente de Zé Dantas. Não chegava a ser protesto. Ele se meteu com direito autoral, se associou e nessa ocasião surgiram várias outras. Gonzaga foi pra outra associação. Por isso eles se separaram e não puderam mais compor juntos. Foi aí que Zé Dantas surgiu na vida de Gonzaga", comentou, a pretexto de analisar o "protesto lírico" do Doutor do Baião.
Independente
O musicólogo Cristiano Câmara posiciona Humberto Teixeira em um patamar mais independente em relação à famosa parceria com Luiz Gonzaga. Para Câmara, inclusive, Humberto era um dos principais pilares de sustentação da reputação de Gonzaga. E não o contrário.
"Luiz Gonzaga sozinho era semianalfabeto. Melhor do que ele, tinha Pedro Raimundo. Em termos de musicabilidade havia gente muito melhor. Não adianta o endeusamento da imagem, porque o tempo diz quem é que fica. O Humberto era a parte urbana do Luiz Gonzaga, e Zé Dantas a parte sertaneja", afirma.
Ele é contundente nas críticas ao reconhecimento que se difundiu da parceria. E não alivia, ressaltando que o problema é maior, é sistemático. "Tentar resolver essas contradições numa sociedade que só dá valor ao lucro, é impossível. Por isso, fiquei mais isolado. O Luiz Gonzaga já foi chamado de 'o gigolô da seca', justamente porque explorou demais (a temática do sertão sofrido). Humberto tinha lá o seu valor. Mas a própria origem do termo 'baião' tinha a cadência do negro, vem de 'baiano'", finaliza.
Felipe Gurgel
Especial para o Caderno 3

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