As embarcações saíram do rio e estão nas ruas e residências do Município ( Foto: Marcelino Júnior ) |
por Marcelino Júnior e Antonio Rodrigues - Diário do Nordeste
As chuvas de abril estão mudando a rotina de muitos cearenses. Em Granja, no Norte do Estado, as canoas saíram do Rio Coreaú para transportar os moradores pelas ruas da cidade. Enquanto isso, Icapuí, no Litoral Leste, teve, de quinta-feira para ontem, a maior chuva da sua história: 255mm.
A agricultora Francisca das Chagas Teixeira perdeu quase tudo o que tinha, quando as águas do Rio Coreaú invadiram sua casa. O volume subiu rápido, como resultado das chuvas que atingiram a região Norte do Estado, desde a última quarta-feira.
Para a agricultora, o desejo de ver o rio, que corta a cidade de Granja, cheio novamente, se transformou em desespero, em poucos minutos. Só com a ajuda de vizinhos, ela e a família, de quatro pessoas, conseguiram avançar contra a força da água e deixar para trás a casa inundada, com outras 15 moradias, no Bairro São Francisco, na periferia da cidade. "Eu estava sozinha com os meninos pequenos. Estamos na casa de um vizinho, esperando a água baixar para ver o que ainda resta", disse.
No Bairro da Lagoa, também na periferia da cidade, muitos dos moradores só conseguem se locomover, em canoas. As pequenas embarcações cortam ruas inundadas, e seguem levando famílias que também perderam parte de seus bens. O pescador Marcos Pereira dos Santos é um deles. A casa foi tomada pelas águas, que passam da altura da porta e continuam subindo.
"Eu salvei pouca coisa. A maioria dos móveis e eletrodomésticos continua lá dentro, alagada. Somos seis pessoas, e estamos abrigados na casa de amigos, mas não sei quando voltaremos para casa", lamenta o pescador, que se junta a outras 59 famílias na mesma situação, já identificadas pela Secretaria de Assistência Social do Município, que ainda levanta informações sobre a situação dos desabrigados.
Apoio Emergencial
Entre os que tiverem suas moradias alagadas, muitos foram acolhidos por familiares, outros passarão a receber o apoio do Município, pelo aluguel social, temporário. "Além desse apoio logístico, fomos orientados pela Defesa Civil Municipal, a reservarmos um espaço, caso a situação se agrave, aumentando o número de desabrigados. Nessa sexta-feira, recebemos a visita da equipe da Defesa Civil do Estado, que veio ajudar no levantamento da situação, e verificar se há necessidade de decretar estado de emergência no Município", disse a subsecretária de Assistência Social, Ana Luisa Rocha.
"Após levantarmos as informações, e juntarmos o material necessário, como fotografias, e isso deverá ser finalizado em 15 dias, teremos um processo completo, com a possibilidade de solicitação de apoio emergencial ao Governo Federal, para o município", afirmou o gerente de Homologação de Decretação do Estado, Francisco Paiva Júnior.
Surpresa
Os moradores de Icapuí foram surpreendidos pela forte chuva que caiu na madrugada de sexta-feira - até agora a maior do Estado em 2018. Das 7h de quinta-feira às 7h de ontem, foram registrados 255mm na sede do Município. Este também é o mais alto número por lá, desde 1988, segundo a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme).
De acordo com os moradores, a chuva começou por volta de meia-noite de quinta-feira e permaneceu até às 11h de ontem. O volume que caiu é maior que todas as precipitações somadas que aconteceram em abril no Município: 174mm. A maior, até então, foi na última quarta-feira, 74mm. Já na comunidade pesqueira de Retiro Grande, a cerca de 23Km da sede, mais próxima da cidade de Aracati, o pluviômetro registrou 179mm.
Por causa da força da chuvas, faltou energia elétrica em parte da cidade e uma escola paralisou suas atividades. Até o fim da tarde de ontem, alguns setores ainda aguardava o retorno.
Na comunidade de Quitérias, a água chegou a invadir algumas casas, mas não foi necessário retirar as famílias. Na cidade, formaram-se vários pontos de alagamentos, principalmente nas regiões mais baixas, que foram ocupadas. Além disso, algumas rodovias que dão acesso às praias ficaram intransitáveis. A CE-261, que dá acesso à Praia Redonda, por exemplo, apresenta sinais de erosão.
Segundo Daniel Oliveira, coordenador de Defesa Civil do Município, os estragos das chuvas só não foram maiores porque, desde novembro, foi feito um trabalho preventivo nas áreas mais vulneráveis.
"Visitamos algumas casas onde entrou água, mas a situação foi controlada. Temos, inclusive, cadastro para o aluguel social de eventuais famílias que sejam desalojadas, mas até o momento não houve nenhum desabrigado ou desalojado", afirmou. Por causa das precipitações, uma equipe com agentes da Defesa Civil, Secretaria de Assistência Social e Secretaria de Infraestrutura estarão de plantão durante todo fim de semana.
Outras regiões
Após as chuvas se concentrarem no Norte do Estado, no início da semana, voltaram a aparecer em outras regiões, principalmente na Jaguaribana e Centro-Sul. A segunda maior foi em Iracema (112mm).
De acordo com Davi Ferran, meteorologista da Funceme, a tendência é que nos próximos quatro dias as chuvas fortes voltem a acontecer em todas as regiões do Estado por influência da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT). "É comum na nossa região a grande variabilidade da chuva, tanto no tempo, como no espaço. Para os próximos quatro dias está favorável, mas a ausência de chuvas pode acontecer", destacou.
Recarga
Dos 155 açudes monitorados pela Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh), 14 estão sangrando, oito estão acima de 90% e podem transbordar nos próximos dias. Mas 96 ainda estão abaixo de 30%, sendo 25 no volume morto e 19 ainda secos, o que demonstra a irregularidade da distribuição das chuvas no Estado.
De quinta-feira para ontem, os três reservatórios que apresentaram maiores aportes foram o Castanhão, maior do Estado, no Médio Jaguaribe, agora com 5,54% da sua capacidade; o Araras e o Acaraú Mirim, ambos na Bacia do Acaraú, respectivamente com 24,85%; e sangrando.
Enquete
O que a cheia do rio trouxe?
"Eu perdi tudo. Foi um desespero grande quando a água começou a subir e entrar por todos os lados. Os vizinhos ajudaram a tirar minhas três filhas. A casa continua com água até a metade da porta. Não tem como entrar. Venho para ver se as águas baixam"
Manoel Ferreira da Cunha. Pescador
"Trouxe desespero para muita gente que teve a casa tomada pela água. Fazia tempo que a gente não via o rio subir tanto. Eu ajudei a socorrer alguns vizinhos que tiveram a casa alagada. Faltam poucos metros para a água chegar na porta da minha casa"
Francisco José dos Santos. Agricultor
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