RENATO ABÊ-O Povo
“Tem uns funks tão machistas que danço com uma mão no joelho e outra na consciência.” Essa frase, que vez por outra viraliza no Twitter, revela uma recorrência: muitos hits (não só do funk) insinuam a objetificação da mulher. É o caso de “Surubinha de leve”, do MC Diguinho, cujos versos repetem: “Taca bebida, depois taca pica e abandona na rua”. A música, que chegou ao topo da lista de lançamentos nas plataformas de streaming, teve repercussão negativa nas redes sociais e foi retirada do Spotify, Deezer e Youtube. “Uma música como essa só reforça a violência contra a mulher e o machismo, principalmente para as classes consideradas ‘menos esclarecidas’, com menos acesso à informação”, avalia Helena de Paula Frota, do Laboratório da Violência contra Mulher (Observem).
A professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece) afirma que, especialmente entre os hits para baladas, esse tipo de discurso acaba sendo naturalizado. “Nesse período de Carnaval, as pessoas ouvem e dançam esse tipo de música com apelo criminoso sem pensar”, lamenta.
Diguinho divulgou nota que “reconhece o conflito de informações” em torno da música. Ele afirma que “jamais iria denegrir a honra e moral das mulheres”.
Em mensagem já apagada no Twitter, entretanto, o MC confrontou: “Se a minha música faz apologia ao estupro, prazer, sou o mais novo estuprador, apenas fiz a música da realidade que eu vivo e muitos brasileiros vivem”. Ontem o cantor voltou atrás e lançou “versão light” da composição.
A cantora Ludmilla saiu em defesa de “Surubinha de leve”: “Na internet fazendo graça, problematizando frase de música, mas quando toca na balada (risos)... Na balada não vou nem falar o que acontece. Segue o baile”, postou, destacando o sucesso da música, reproduzida mais de 1,2 milhão de vezes no Spotify.
Para Helena, relativizar o conteúdo da letra é enfraquecer conquistas femininas. “Muitas mulheres estão numa campanha permanente de educação sobre respeito, aí vem uma música e acaba reforçando essa tendência machista”, pondera.
“Então eu vou te cortar a cabeça, Maria Chiquinha/ Que ‘cocê’ vai fazer com o resto, Genaro, meu bem?/O resto? Pode deixar que eu aproveito.” A letra aparentemente ingênua, sucesso na voz de Sandy & Júnior, traz mensagem explícita de violência contra a mulher. Assim como “Maria Chiquinha”, outras tantas canções brasileiras possuem tom semelhante. Atualmente, porém, letras de gêneros como sertanejo universitário e forró vêm sendo criticadas por páginas como Arrumando letras, no Facebook. Feminista, a estudante Letícia Montenegro, 18, aponta que a problematização de produtos culturais é avanço social. “Não tenho vergonha de falar que consumo funk, mas sempre tocam esses funks machistas, eu e minhas amigas paramos de dançar. É importante que as pessoas percebam cada vez mais que a música contribui, sim, para a cultura de estupro”, diz.
Letícia destaca que as plataformas só reagiram diante de pressão social. “Essa música é só mais uma entre várias músicas. Estamos muito longe do ideal de respeito, mas que bom que a sociedade está tomando atitude”, respondeu.
DISCUSSÃO
MÚSICAS POLÊMICAS Músicas polêmicas que continuam nas plataformas de streaming
VAI, FAZ A FILA - MC DENNY “Vou socar na tua b* sem parar/ e se você pedir pra mim parar, não vou parar/ porque você que resolveu vir pra base transar/ então vem cá, se você quer, você vai aguentar”.
COVARDIA - MC LIVINHO “Vou abusar bem dessa mina/ Toma, toma p* tranquilinha/ Primeira vez foi covardia/ Não te conhecia/ Agora toma”.
SURUBINHA DE LEVE MODIFICADA: “Taca a bebida, depois taca e fica / Mas não abandona na rua”.
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