Brasília. O plenário da Câmara dos Deputados aprovou na noite de ontem o projeto que regulamenta a terceirização no País, liberando-a para ser usada em qualquer ramo de atividade das empresas privadas e de parte do setor público.
Hoje há o entendimento de que jurisprudência da Justiça do Trabalho veda a prática na chamada "atividade-fim". Ou seja, uma fábrica de sapatos não pode terceirizar nenhuma etapa de sua linha de produção, mas sim atividades não diretamente relacionas ao produto final, como o serviço de copa e cozinha, de segurança e de limpeza.
O painel eletrônico mostrou 231 votos a favor da medida, contra 188 votos e 8 abstenções. Os deputados rejeitaram quatro emendas, mantendo o texto do projeto na íntegra.
Após isso, o texto vai à sanção do presidente Michel Temer, que é defensor da proposta.
A aprovação foi polêmica não só pelas críticas da oposição, para quem a medida representa um claro salvo-conduto para a precarização da mão de obra no País, mas também porque não houve o aval da maior parte dos atuais senadores.
Sob a batuta do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), hoje preso sob a acusação de envolvimento no petrolão, a Câmara aprovou a regulamentação em 2015. Mas o texto tramitou lentamente no Senado, já que o ex-presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), dizia ver riscos ao trabalhador nas mudanças.
Com isso, o atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), recorreu a uma manobra, com o apoio da base de Michel Temer: desengavetou uma proposta similar de 1998, apresentada pelo governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Esse projeto havia sido aprovado no Senado em 2002, com relatório de Romero Jucá (PMDB-RR), hoje líder do governo no Senado. Só 12 dos atuais 81 senadores estavam no exercício do mandato na época. A oposição diz que recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a manobra.
O projeto que está no Senado também pode ser votado nos próximos dias. Com isso, Temer pode combinar a sanção e veto de trechos dos dois textos.
O projeto que agora vai à sanção de Temer traz bem menos salvaguardas para o trabalhador do que o debatido em 2015.
Desaparece, por exemplo, a obrigação de que a empresa que encomende trabalho terceirizado fiscalize regularmente se a firma que contratou está cumprindo obrigações trabalhistas e previdenciárias. Desaparecem também, restrições à chamada "pejotização", que é a mudança da contratação direta, com carteira assinada, pela contratação de um empregado nos moldes da contratação de uma empresa (pessoa jurídica) prestadora de serviços. Ao defender o projeto de 1998, Maia afirmou "que muitas salvaguardas que foram criadas por bem têm gerado mais desemprego no Brasil e mais emprego no exterior".
Havia no atual projeto uma anistia a multas e penalidades aplicadas até agora pela Justiça Eleitoral, mas esse artigo foi retirado pelo relator, Laércio Oliveira (SD-SE).
Regras
O objetivo principal do Congresso é permitir às empresas terceirizar qualquer ramo de sua atividade, incluindo a principal, a chamada atividade-fim.
O empresariado e parte da base governista diz que isso irá estimular a criação de empregos e tirar travas à competitividade das empresas. Os críticos dizem que o objetivo é reduzir o gasto com pessoal, com prejuízo claro aos trabalhadores.
O texto também permite a terceirização no setor público, em funções que não sejam essenciais ao Estado. O que está no Senado veda essa possibilidade.
Além disso, o projeto estabelece que as empresas terão responsabilidade "subsidiária" em relação a débitos trabalhistas e previdenciários da terceirizadora, não "solidária". Ou seja, caberá ao trabalhador lesado buscar reparo primeiro na terceirizadora e só acionar a "empresa-mãe" caso não consiga sucesso na primeira demanda.
Embate
A sessão foi marcada por forte embate entre oposição o governo. "Apontem um artigo que tira direito do trabalhador", repetiu em várias partes da sessão o relator, Laércio Oliveira (SD-SE). Segundo ele, as salvaguardas aos trabalhadores já estão asseguradas em diversas outras normas.
Ele foi apoiado por outros governistas. "O que estamos fazendo aqui é regulamentar, é dar mais uma opção para que o trabalhador trabalhe com dignidade", disse Mauro Pereira (PMDB-RS). "O Brasil não pode mais se render a esse anacronismo ideológico", afirmou Marcus Pestana (PSDB-MG).
A oposição chegou a afirmar que Temer está pagando uma "fatura" pelo apoio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) ao impeachment de Dilma Rousseff.
"Ou acaba esse golpe ou esse golpe vai acabar com o Brasil. Vão acabar o direito dos trabalhadores. O sonho deles é fazer como nos Estados Unidos, sempre foi. É pegar um trabalhador que passa fome, pagar uma hora de serviço e depois dispensar. É rasgar o direito dos trabalhadores, é rasgar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)", discursou Jorge Solla (PT-BA).
Traições
O mapa de votações da regulamentação da terceirização mostrou traições ao governo em todos os partidos da base de apoio a Michel Temer.
No PMDB de Temer, 10 dos 44 deputados presentes votaram contra o governo. No PSDB, principal aliado do Planalto, foram 11 traições no grupo dos 43 deputados na sessão.
"O silêncio desse plenário quando Vossa Excelência anunciou o resultado mostra a vergonha que a maioria sentiu ao rasgar a CLT desse país", discursou o oposicionista Henrique Fontana (PT-RS).
O problema para o Planalto é mais significativo na reforma da Previdência, já que é necessário um apoio expressivo para sua aprovação, por se tratar de emenda à Constituição -308 dos 513 deputados federais.
Por isso, o Planalto já recuou e retirou os servidores estaduais e municipais da proposta ao chegar à conclusão de que não teria votos suficientes para aprovar a medida, que é a prioridade de Temer para 2017.
DN
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