Mário Sérgio Cortella. Filósofo, escritor e professor universitário, Mário Sérgio Cortella é um dos grandes nomes brasileiros quando o assunto é educação. Nestes Dois dedos de prosa, ele faz uma análise das políticas públicas do Brasil para este setor e fala da importância que a tecnologia tem – e não tem – no processo pedagógico.
OPOVO - O governo tem o lema “Brasil, pátria educadora”. Ainda assim a gente vê a educação avançando a passos lentos. O que falta para, de fato. sermos pátria educadora?
Mário Sérgio Cortella - A primeira coisa é que o lema é magnífico, ele apenas ficou de maneira inadequada porque não houve sintonia entre o momento nacional e o lema. Mas o lema deveria sê-lo. Esse lema tem de ser colocado com fortaleza para nós nos próximos tempos. Nós não podemos abandoná-lo. Apenas houve uma coincidência negativa dele vir à tona quando a condição não era positiva para que ele pudesse ser trabalhado.
OP - O senhor acredita que o País avança nesse tema?
Cortella - Nosso País avançou imensamente na área de educação escolar nos últimos 30 anos. Nós saímos já da indigência educacional. Nos dois governos do Fernando Henrique, nos dois do Lula, neste e em mais um pedaço do da Dilma, nós saímos da UTI na área de educação. Fomos para enfermaria, não tivemos alta. O País deu avanços inacreditáveis no campo da educação em vários níveis, mas o nosso atraso histórico é tamanho que todo esse esforço feito em três décadas é só o fim do começo, não é o começo do fim ainda. Portanto, não dá para nós repousarmos nosso espírito e imaginarmos que estamos liberados de uma miserabilidade educacional. Ao contrário, tivemos, sim, avanços, mas eles não são ainda de modo mais conclusivo em relação ao que se terá. .
OP - Uma das questões em educação e comunicação mais recorrentes hoje é o digital, as novas tecnologias, como o livro e a leitura se fazem em meio a isso. Apesar disso, a escola ainda parece muito analógica.
Cortella - Temos de ter muito cuidado para não confundir novo com novidade. Novidade é passageira, ela vem, brilha por um momento, é como um cometa, e desaparece. Há muita coisa nas áreas do campo da tecnologia que é mera novidade e não é nova. Novo é livro, o livro está aí há 2.500 anos e não perdeu vida. A primeira forma de ensino à distância foi o livro e ele persiste. As várias tecnologias não substituíram umas às outras, elas passaram a ser concomitantes e confluentes. Quando o cinema apareceu, dizia-se que o teatro ia perder o seu lugar. Não aconteceu. Quando a TV veio à tona, dizia-se que o rádio desapareceria do cotidiano. Quando a Internet apareceu, se dizia que TV, rádio e jornal deixariam de existir. Ao contrário, são modos, plataformas concomitantes.
OP - Como a escola entra nessa discussão?
Cortella - A escola é um pouco mais avessa à presença dessas tecnologias por uma razão básica: nós somos um país rico, com uma população pobre e uma educação miserável. Por isso, essas tecnologias têm um custo. E esse custo, ao ser colocado no cotidiano da estrutura, já pensou se você decide trazer a informatização a todos os alunos do ensino fundamental? Você precisa providenciar estrutura para 40 milhões de pessoas. Isto é, mais do que a população de várias nações. Só computador, dizer um para cada um, implicaria pegar metade da Europa e fazer o provimento. Por isso há uma questão um pouco mais séria que é o financiamento também disso.
OP - O investimento alto é o único impedimento?
Cortella - Não é tão nítida a presença mais efetiva de tecnologia de informação e de comunicação na área escolar. Por exemplo, a Inglaterra, que foi o primeiro país a avançar nessa área, recuou alguns processos. Porque uma parte dessa tecnologia é distrativa. Ela desconecta a atenção. Por isso que estar em algo que permite a reflexão e o raciocínio parece mais eficaz para o aprendizado do que o uso de uma tecnologia. A tecnologia serviria, no caso da escola, dentro de uma aula, como demonstrativa, exemplificativa, mas não para consolidar o conteúdo.
OP - O senhor poderia explicar melhor?
Cortella - Existe aí uma questão que é entender qual é o lugar de fato que isso apresenta. Não é nítido, é muito recente. E nessa hora os ingleses são melhores do que nós. Eu estava um dia num debate com o reitor da Universidade de Cambridge, instituição que tem mais de 800 anos, no meio da discussão ele virou para nós e disse assim: “Vocês são muito ansiosos. O mais difícil são os primeiros 400 anos”. Nós não temos ainda a visão direta de qual é o lugar disso. Não se imaginava que se podia dar passos nessa velocidade. Ninguém com menos de 20 anos usa o celular para falar, usa para escrever. Você sabe quando alguém é idoso quando vê a pessoa com isso no ouvido. Por isso é ainda muito nebuloso. Não pode gerar nem encantamento, nem desespero. Guimarães Rosa, que era sábio, dizia: “Não convém fazer escândalo de começo, só aos poucos que o escuro é claro”.
Raphaelle Batista
Especial para O POVO
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