quarta-feira, 15 de abril de 2015

Bolsa Família perdeu caráter “transformador”, diz senador Cristovam

Vinte anos após criar o primeiro programa de transferência condicionada de renda do mundo, o Bolsa Escola, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) afirma que o Bolsa Família perdeu o caráter “transformador” do benefício e gerou uma população dependente, sem porta de saída. Para ele, isso só será possível com a retomada do nome original e do caráter educacional, com a fiscalização da frequência do aluno na sala de aula.
“O problema [do Bolsa Família] é não ter a porta de saída e não ter a construção de uma nação nova, que só virá pela educação. O Brasil está ficando para trás”, diz. “Se comparo o Bolsa Família com nada, o programa é maravilhoso. Se acabasse o Bolsa Família, seria uma tragédia social. Mas, se daqui a 20 anos a gente ainda precisar, será uma tragédia histórica.”
“É fácil saber porque o Bolsa Família não tem porta de saída. Essas crianças não estão estudando. Como vão melhorar de vida e sair do programa? No mundo moderno, não saem. O Pronatec não vai ser a porta de saída, porque, para fazer um bom curso no Pronatec, tem que ter tido um bom curso no Ensino Fundamental”, diz o senador.

Ele defende a retomada do nome e concepção originais do Bolsa Escola por uma razão que considera de “neurolinguística”: “Uma coisa é a mãe receber o dinheiro e saber que o está recebendo porque o filho está indo à escola e indo à escola sai da pobreza. A outra é pensar que recebe o dinheiro porque a família é pobre e, se sair da pobreza, perde o benefício”.
Há 20 anos, no dia 25 de abril de 1995, Buarque, então governador do Distrito Federal pelo PT, entregou o primeiro pagamento do programa Bolsa Escola, que implantou ao tomar posse no cargo. O objetivo era pagar um salário mínimo à mãe para que ela mantivesse os filhos na escola. A promessa era atender 20 mil famílias até o fim do governo, mas, em dezembro de 1998, o número chegava a 25 mil.
As crianças podiam ter no máximo duas faltas por mês na escola. Além de pagar uma renda mínima por família, o governo depositava um salário mínimo em conta de poupança no nome da criança que fosse promovida para a série seguinte. Em 1997, estudo feito a pedido da Unesco e do Unicef mostrou que a evasão escolar era 15 vezes menor entre os alunos que recebiam a Bolsa Escola em relação aos não bolsistas.
Buarque teve a ideia de pagar às mães para que os filhos estudassem quando era reitor da Universidade de Brasília, no fim da década de 80. Em 1994, foi eleito governador e o primeiro decreto que assinou implantava o Bolsa Escola.
Na primeira audiência com o então presidente Fernando Henrique Cardoso, propôs que o programa fosse adotado no país todo. Entregou um livro – “A Revolução das Prioridades”_ para FHC, outro para Ruth Cardoso e um terceiro para Paulo Renato, então Ministro da Educação. “Eles não se interessaram. Vamos falar com franqueza: é a visão paulista. Não conseguem ter essa sensibilidade”, diz. Buarque continuou apresentando a proposta a FHC, que após quatro anos adotou o Bolsa Escola. Quando o programa foi nacionalizado, acabou o implantado por ele no Distrito Federal.
Embora tenha sido Ministro da Educação no início da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, Buarque não conseguiu convencê-lo a implantar o Bolsa Escola. Antes mesmo da eleição de Lula, o senador integrou o “governo paralelo” montado pelo petista e incluiu o Bolsa Escola no programa.
“Mas Lula não queria. Eleito presidente, criou o Fome Zero. Meu primeiro conflito com o Lula, como Ministro da Educação, foi após cem dias de governo, quando eu disse que não precisava de Fome Zero. Bastava aumentar o valor e expandir o Bolsa Escola. Foi um erro gravíssimo. O pior é que insisti nisso”, relata Cristovam, bem humorado. Depois, o governo juntou tudo no Bolsa Família.
Raquel Ulhôa – VALOR ECONÔMICO -SP
Fonte: Jornal Valor Econômico, edição de 15 de abril de 2015.

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