Ruas calçamentadas e escombros de casas já são visíveis misturados a objetos
FOTO: BRUNO GOMES
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Jaguaribara. Cada nova baixa de águas do Castanhão é
uma apreensão que ecoa. Além de não chover, parece que o céu está
pegando de volta o que despejou. De fato, está. A evaporação só não é
mais responsável do que o próprio consumo, seja para indústria,
agricultura ou uso doméstico. Tem muita água no maior açude do Ceará.
Tem tanta água que é quase metade de toda a reserva do Estado. Mas nunca
teve tão pouco desde que encheu em 18 dias o que, diziam, levaria dez
anos.
Chegou a 97% em 2009, com mais de 6 bilhões de metros cúbicos. Ontem,
registrou 24% da capacidade, ou 1,6 bilhão de metros cúbicos. É um terço
do que apresentava em janeiro de 2014. A população que viu suas terras
sumirem aguadas presencia o fenômeno do mar revirando sertão.
Do poste ao pote
O quarto ano seguido de seca (é o prognóstico mais provável) é o
terceiro em que os escombros da velha Jaguaribara se pronunciam.
Primeiro foram os postes, as caixas d'água, os apontamentos de vida nas
áreas de morro. Hoje, o que se vê é o pote de barro, o que sobrou do
fogão, as estradas em paralelepípedo e todos os tijolos com que foi
feita uma casa. A zona urbana da cidade vista a olho nu e seco. Centenas
de hectares de terras desafundadas revelam que o Castanhão passou por
ali. Nelas, o que ainda chega é o ronco das pequenas ondas batendo na
alvenaria dia e noite.
Durante a construção do açude Castanhão, a população inteira de
Jaguaribara foi realocada para terras altas. Uma nova cidade, totalmente
projetada, foi inaugurada em 25 de setembro de 2001. Para muitos
moradores, até hoje, a casa não é onde vivem, mas viveram.
Para quem é da velha Jaguaribara, o Castanhão é um baú de memórias em
que se navega. A identidade estava afundada com os tijolos que hoje
reaparecem. Almerinda Nogueira, de 62 anos, era lavadeira. Hoje se
define "dona-de-casa-solitária". Explica: "morava na beira do Jaguaribe.
Mais de 30 anos na mesma casinha. Trouxeram a gente pra cá porque era
para resolver o problema da seca. E o que a gente vê agora? Uns com sede
e outros com saudade. A vida lá era muito melhor".
"A falta d'água seria um problema maior sem o Castanhão", afirma o
engenheiro Ulisses Maia, do Departamento Nacional de Obras Contra as
Secas (Dnocs). Vem desse açude parte da água que abastece a Região
Metropolitana de Fortaleza (RMF) e os projetos do Dnocs no Vale do
Jaguaribe, como os perímetros irrigados Jaguaribe-Apodi e Tabuleiros de
Russas.
Abertura de comportas
Entre os anos de 2007 e 2010, os meses de fevereiro e março eram de
expectativa para um evento que durava até uma semana: a abertura de
comportas do Castanhão. São doze, das quais ao menos duas faziam a
alegria de centenas de espectadores a presenciar o "véu de noiva" que se
forma com a passagem de água. A liberação era feita para o reservatório
não transbordar, pois também significaria água demais em regiões como a
que rodeia o município vizinho de Jaguaretama.
A liberação das comportas jogava até um milhão de litros por segundo na
calha do Rio Jaguaribe, que corria mais veloz até chegar a Fortim, onde
finalmente deságua no mar.
Na semana passada, moradores reunidos em movimentos como o de atingidos
por barragens fizeram protesto por água. Pediam urgência na construção
de uma adutora de engate rápido que abasteça a cidade, que não recebe
uma gota de água do açude Castanhão, atualmente 18 km distante. A
solução apontada pelo governo Estadual é o aproveitamento de uma adutora
desativada em Canindé, no Sertão Central, porque o açude que fornecia
água já está seco.
"O Castanhão deixou de ser aliado pra não ser praticamente nada",
afirma Venâncio Lima, agricultor em Jaguaretama. Perdeu todo o plantio.
"E as horas do quintal. Tem mais nada. Plantar perto do Castanhão só
consegue se for empresário em perímetro irrigado, porque é quem ainda tá
recebendo água. Pra agricultor familiar não tem não".
Níveis
O Ceará está com apenas 19,5% da capacidade de reserva, ou 3,6 bilhões
de metros cúbicos de água. Pelo menos 127 açudes estão com menos de 30%
da capacidade de reserva, conforme o portal hidrológico da Companhia de
Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh). Mas o dado é mais dramático, pois
cerca de 120 desses açudes não tem mais de 10% de "fôlego".
Mais informações
Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh)
Rua Adualdo Batista, 1550
Parque Iracema, Fortaleza
Telefone: (85) 3218-7020
Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh)
Rua Adualdo Batista, 1550
Parque Iracema, Fortaleza
Telefone: (85) 3218-7020
Melquíades Júnior
Repórter
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