O presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha, já fez declarações
polêmicas ao defender o combate a "gays, abortistas e maconheiros"
FOTO: NATINHO RODRIGUES
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A relação entre religião e política não é um fenômeno recente na
história do Brasil. Apesar de ancorada na garantia de um Estado laico, a
democracia brasileira vivencia contradições de um País marcado pelo
sincretismo religioso. Recentemente, a vitória do deputado Eduardo Cunha
(PMDB) para presidir a Câmara Federal retomou a discussão sobre a
atuação das bancadas religiosas na Casa para aprovar ou barrar matérias
polêmicas. Em 2014, o peemedebista causou polêmica ao postar no seu
perfil do Twitter ser preciso combater grupos de "gays, abortistas e
maconheiros".
Apesar da laicidade assegurada na Constituição Federal, ainda é tênue o
limite entre o que desobedece ou não a neutralidade do poder público,
dividindo a opinião de lideranças políticas e de sociólogos. Além de
pautar ou dificultar a tramitação de propostas que esbarrem em preceitos
de crenças religiosas, atitudes aparentemente mais simples colocam em
debate a interferência da religião no Estado, como feriados por datas
religiosas e realização de cultos e missas em casas legislativas.
O cientista político José Roberto Siebra, professor da Universidade
Regional do Cariri (Urca), explica que religião e política sempre
estiveram juntas na história brasileira. "Essa relação no Congresso
Nacional não é novidade. Em Brasília, havia uma opinião dominante, a
católica, e hoje é obrigada a conviver com outras tendências
religiosas".
Barganha
Já o cientista político Rui Martinho, da Universidade Federal do Ceará
(UFC), acredita que as igrejas hoje têm poder de barganha muito limitado
na política, restringindo-se à formação de lideranças isoladas. "Não
são mais ligadas a uma doutrina política, como nos anos 30, quando a
Igreja Católica apoiava o integralismo. Hoje professam diferentes
doutrinas políticas", alega. "O que há, não de uma igreja, mas de
diversas igrejas, é uma política comum geralmente ligada à vida privada,
como aborto, eutanásia", completa.
Para o especialista, a eleição que culminou na vitória do deputado
Eduardo Cunha para a presidência da Câmara Federal reflete menos a
interferência da pauta religiosa e conservadora do que a insatisfação
com a postura do Governo Federal. "Reflete uma insatisfação com a
distribuição de cargos. A sociedade brasileira não é conservadora. Não é
no modo de se vestir, nem no que consome, nem nas condutas sexuais.
Esse discurso é de uma pequena fatia do eleitorado que consegue votos",
aposta.
Martinho acrescenta que essa postura conservadora "não deve influenciar
os rumos da política nacional", ficando restrita a decisões do âmbito
privado, como descriminalização de drogas, legalização do aborto e
casamento entre pessoas do mesmo sexo. "Pode haver influência no Direito
Civil, mas não na política social e econômica, porque os grupos estão
divididos", atesta.
Bancada conservadora
Já o cientista político Roberto Siebra avalia que a escolha de Eduardo
Cunha para presidir a Câmara não está dissociada da ampliação da bancada
conservadora no Legislativo federal. "Esse presidente eleito agora é um
reflexo do processo eleitoral, em que foi forte o impacto das forças
conservadoras", declara.
A professora de Filosofia Política Mirtes Amorim considera prejudicial à
democracia a divisão do Congresso por bancadas religiosas. "Somos um
Estado laico e deveríamos nos portar desse jeito. Segmentação religiosa
na política é muito ruim. É preciso separar religião da política. Nenhum
cidadão deveria colocar interesses da religião acima dos interesses da
União", ressalta.
Durante a posse dos deputados estaduais cearenses, no último dia 1º de
fevereiro, o padre que comandou a celebração ecumênica do Legislativo,
Clairton Alexandrino, opinou que o Estado tem de ser laico, mas não
laicista, definição que, segundo ele, condena as crenças. No Ceará, a
proximidade entre política e religião não é novidade, inclusive com a
celebração de missas e cultos evangélicos nos espaços da Assembleia
Legislativa.
Cofres públicos
Rui Martinho diz que a realização de práticas religiosas no espaço
público não compromete a laicidade do Estado, mas pondera que o problema
começa quando essas ações impactam os cofres públicos. "Quem é laico é o
Estado. O Estado é laico para que o cidadão não precise ser. As pessoas
podem praticar seus ritos dentro de uma repartição pública. O que não
deveria ocorrer são obras financiadas com recursos públicos", reforça.
Já José Roberto Siebra salienta que o Brasil não alcançou na prática o
limite entre público e privado e, por consequência, entre política e
religião. "Em tese, o Estado brasileiro é laico, mas em todas as casas
legislativas há um crucifixo na parede. A sociedade tem que lutar por um
Estado laico, esse seria o limite. O fenômeno do conservadorismo não é
novo, mas aflora em determinados momentos do País", avalia.
Doutora em Sociologia, Cristina Nobre analisa que cresce a liberalidade
na sociedade brasileira. No entanto, paralelo a esse movimento, ganham
força posições de setores considerados conservadores e que atuam com
base em dogmas religiosos. "A sociedade está discutindo esses temas
(aborto, casamento gay). Na Câmara dos Deputados, por exemplo, o Jean
Willys tem pautado essas questões. Tem uma parte da sociedade que avança
do ponto de vista da liberalidade, mas os setores conservadores também
se organizam", diz.
Cristina Nobre cita a composição da bancada federal cearense para
ilustrar o ponto de vista. "Pensando no Ceará, o Estado elege Moroni,
mas também Luizianne. Colocam-se setores mais liberais e conservadores
debatendo esses temas", pontua.
SAIBA MAIS
O novo presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha,
tem histórico polêmico em relação ao debates sobre direitos de grupos
minoritárias e já assinou um projeto que criminaliza a heterofobia,
condenando a suposta discriminação sofrida por pessoas heterossexuais
Na história recente da Assembleia Legislativa, a
deputada Silvana Oliveira, quando ainda era suplente em exercício,
realizava cultos evangélicos na Casa. Agora, o nome dela é cotado para
presidir a Comissão de Direitos Humanos da Casa, o que já gerou notas de
repúdio de diversos movimentos sociais
O Legislativo estadual já sediou outras manifestações
religiosas, como as missas organizadas pelo ex-deputado Delegado
Cavalcante, adepto do Terço dos Homens
Lorena alves
Repórter
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