Um mês após a apresentação dos profetas da chuva acerca do prognóstico
para a quadra invernosa deste ano, um especialista, o professor do
Departamento de Estatística e Matemática Aplicada da Universidade
Federal do Ceará (UFC), José Ailton Alencar Andrade, doutor em
Estatística pela Universidade de Sheffield, na Inglaterra, tem
demonstrado preocupações sobre a continuidade dessa tradição.
Na avaliação dele os profetas merecem mais atenção, principalmente da
ciência, quase nunca sem realizar estudos mais amplos sobre como as
previsões são feitas. Há espaço para pesquisas na área de biologia,
meteorologia, linguística, antropologia, etc. Um apoio maior poderia
ajudar os profetas em suas previsões, adicionando a eles um pouco de
método científico, para reduzir os vieses naturais de suas observações.
Ele também está preocupado com o não surgimento de profetas novos. "A
tradição parece estar se perdendo com as novas gerações, surgem profetas
de ocasião, para aparecer em fotos". Isso fragiliza a figura do
profeta, que hoje ainda tem uma grande admiração por parte do grande
público".
Esse quadro, negativo, é o resultado da pesquisa realizada neste ano
pelo especialista. As técnicas estatísticas foram aplicadas a 15
profetas. Conforme Ailton Andrade, muitos deles já estão acostumados com
o estudo, o que permite uma melhor aplicação do questionário. Pela
primeira vez, os profetas demonstraram muita dúvida sobre a estação
chuvosa. Embora, por meio de suas observações da natureza, tenham
indicado o que acreditam que irá acontecer (bom ou fraco inverno), a
maioria das previsões foram carregadas de incertezas. No período de
Janeiro a Fevereiro de 2015, combinando todas as previsões, os profetas
acreditam em uma chance de apenas 41% de bom inverno, porém com um erro
relativamente alto de 31,2% para mais e para menos.
No período a partir de março, quando, para muitos, o inverno
efetivamente se inicia, a probabilidade de boas chuvas, segundo os
profetas, é de 52% com erro também alto, de 30,6%. As opiniões
individuais de cada profeta estão dispostas nos gráficos acima, que
mostram os período de janeiro a fevereiro e de março em diante,
respectivamente.
O ponto em cada linha representa a probabilidade de bom inverno
extraída do profeta por meio da metodologia, e a linha envolvendo o
ponto expressa a incerteza do profeta sobre a própria previsão. Como se
pode ver, a maioria deles tem grandes dúvidas, principalmente para o
período de março a junho.
Segundo o pesquisador, vários aspectos contribuíram para essa
incerteza. Alguns profetas estão bastante idosos e não conseguem mais ir
a campo observar os animais e as plantas da Caatinga. Outros estão com a
visão prejudicada devido à idade, isso também dificulta. Interessante
notar a honestidade deles, em afirmar que não conseguiram ver um
formigueiro ou algum outro fenômeno devido a problemas de saúde. Essa
dúvida foi captada pelo método estatístico e expressa nos gráficos.
Esses estudos tiveram início a partir do Encontro de 2008, quando o
pesquisador fez uma abordagem estatística das previsões. Observando a
dificuldade em aplicar métodos clássicos no estudo de informações com um
grau de subjetividade tão forte, ele recorreu a métodos da Estatística
Bayesiana, uma visão diferente da Estatística tradicional, que permite
estudar dados subjetivos, tais como opiniões, experiências anteriores,
etc.
Os profetas, em média, são pessoas de pouca instrução, idosas e vivem
no campo. Assim têm uma linguagem diferente da falada nas cidades.
Expressões tais como "inverso desmantelado", "inverso quebrado", etc.
Dificultam o entendimento. O conflito natural entre fatos e religião
também pode dificultar as previsões. Por exemplo: mesmo tendo visto
sinais de pouca chuva, ao se pronunciar a esperança por um bom inverno
pode atrapalhar a previsão.
Questionário
Todos esses fatores têm contribuído para colocar os profetas no campo
da cultura e não da ciência, assim, a atenção dedicada a eles tem sido
mais no campo antropológico, artístico e cultural. Essas técnicas são
chamadas de elicitação (eliciação) de conhecimento a priori e consistem
basicamente em construir um questionário rigoroso, que envolve aspectos
psicológicos e estatísticos, para eliminar os problemas citados acima e
captar a opinião dos profetas sobre a quadra chuvosa. Um exemplo de como
o questionário lida com os problemas: profetas que não possuem nenhuma
noção formal de incerteza (probabilidade) são direcionados a expressar
suas dúvidas na forma de jogo (apostas), que é uma linguagem mais fácil
de entender.
A característica de interesse, que o pesquisador tenta extrair de cada
profeta, é a "probabilidade de bom inverno", que é uma medida de fácil
entendimento pelo público em geral, isto é, se um evento, por exemplo,
tem 80% de chance de ocorrer, em geral as pessoas acreditarão que muito
provavelmente ocorrerá.
Subsistência
Conforme os estudos, a definição de bom inverno, segundo os profetas,
está associada à agricultura de subsistência, uma vez que a maioria
deles mora no campo. Esta visão pode ser um pouco diferente para aqueles
que vivem na cidade. Para os profetas, o inverno é quando a terra se
mantém molhada durante o período, não necessariamente com água em
abundância (reservatórios cheios, etc.), mas o suficiente para formação
de pasto nativo para o gado e uma boa colheita.
As previsões se baseiam no comportamento da natureza. Na região do
Sertão Central, insetos, pássaros, vegetação, etc., segundo eles,
dependem muito das chuvas e, por isso, desenvolveram, ao longo da
evolução, sensibilidade para prever o que irá acontecer nos próximos
meses. Os profetas tentam elucidar esses sinais e traduzi-los para o
público. No último Encontro, o XIX, realizado no dia 10 de janeiro, em
Quixadá, 17 dos 26 participantes demonstraram otimismo. A quadra chuvosa
este ano no Ceará será um pouco melhor do que a registrada no ano
passado, mas ainda assim, o inverno não será o desejado.
Alex Pimentel
Colaborador
Colaborador
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