Depois de trabalhar longe de sua terra natal por duas vezes, sem obter êxito, o agricultor Antônio José Ferreira voltou à comunidade Pató, no município de Caridade, e investiu na criação de uma horta, de onde tira o sustento da família
Fotos: Kid Júnior
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Caridade. A coragem de muitos agricultores familiares do Ceará tem ajudado a transformar a máxima antiga de que era impossível conviver com a seca, sendo o êxodo rural a alternativa mais viável para quem buscava uma vida melhor. Depois de três anos de severa estiagem, encontramos verdadeiros oásis no sertão cearense, que nasceram de escolhas e mudaram a paisagem, assim como a vida de quem está inserido nela.
A transformação na comunidade Pató, situada no município de Caridade - a 97,6 Km de Fortaleza -, se deu pelas mãos de Antonio José Ferreira, 31, que chegou a trabalhar duas vezes fora, mas voltou. O que o fez retornar para a terra seca dividida por oito famílias, onde a maioria das plantas que brotavam por lá eram carnaúbas e palmas? Uma razão mais que digna: "é muito ruim ficar longe dos meninos e da mulher". Então, resolveu aplicar o espírito empreendedor que possui em uma horta, "aguando com um balde, no começo". Mas logo viu que podia crescer.
Em busca de água
Agora, os três meninos e a mulher vivem só do cultivo de legumes e hortaliças. E a vida de todos está melhorando. "Trabalhei quatro anos na palha (da carnaúba para fazer vassoura) e nunca coloquei um tijolo na minha casa. Hoje, minha casinha está do jeito que está só por causa da verdura", orgulha-se.
Antônio é auxiliado tecnicamente pelo Centro de Pesquisa e Assessoria Esplar, organização não governamental que trabalha com 2,5 mil famílias de agricultores familiares cearenses na perspectiva da segurança alimentar. Ele participa do projeto P1+2, em que o número 1 representa a terra e o 2 as duas cisternas, a de consumo humano e a de irrigação.
Antonio passou por outros projetos antes, conseguindo uma cisterna de enxurrada com 52 mil litros e outra de placa, de 16 mil litros, para o consumo da família. Mas o diferencial da produção deve-se realmente à água que encontrou cavando próximo de casa. Dormindo, o agricultor sonhou por três vezes seguidas cavando um cacimbão e resolveu investir: "falei com o papai, ele disse que acreditava que ia dar água, aí eu juntei quatro homens e fui cavar. Deu certo".
Assim, Antonio passou a contar com mais uma fonte de água, pois o cacimbão que dividia com as oito famílias só garante 40 minutos de água. Depois, é necessário esperar 1h30min para o reservatório ser reabastecido.
A sorte maior foi que, nas duas fontes, a água é potável e pode ser usada também para o consumo da família. Segundo esclarece o presidente da Esplar, Marcus Venicius de Oliveira, a maioria dos poços cavados no Ceará são mais adequados para o uso na produção, pela quantidade de sal existente no solo. Antonio torce que chegue água encanada em Pató: "assim, o pessoal usa lá e eu fico com os poços e as cisternas aqui para mim, né?", observa. Além do trato no uso da água, em que Antonio aprendeu a usar as cisternas só em caso de emergência e, assim, ainda possui metade delas cheias com o que foi captado durante as poucas chuvas de 2014. O Esplar proporcionou a ele aprendizado para aperfeiçoar a produção com os cursos de Gestão de Águas para a Produção de Alimentos (Gapa) e o Sistema Simplificado de Manejo Agroecológico (Sisma).
Intercâmbios e pesquisas
Foi com o conhecimento aprendido nos treinamentos que o agricultor viu a importância de cultivar plantas sem agrotóxicos, com adubo orgânico e da segurança alimentar para a família. Além da horta, ele ainda conta com uma criação de galinhas para consumo próprio. "Hoje, o pessoal se admira porque produzo em um barranco desse. Antigamente, aqui não dava nada. Mas eu dou para a terra o que ela precisa", conta, orgulhoso, depois de revelar que algumas técnicas foram empregadas após uma pesquisa na internet.
Na web, descobriu que cultivando plantas diversas entre os canteiros das verduras poderia diminuir a ação do vento sobre a plantação e ainda combater algumas pragas. "Aqui teve um tempo que o ar estava tão quente que queimou uma horta de cebola todinha. Aí, plantei ata, goiaba, mamão, bananeira e umas plantas ornamentais, que quebram o vento e deixam a terra molhada por mais tempo", fala. Antonio emprega uma técnica de cultivo em que utiliza hastes flexíveis (cotonetes). Esquentada uma ponta e vedada com alicate, o canudo de plástico é furado no meio e colocado numa mangueira. Ao jorrar, a água cai da haste, pulverizando a horta, o que é mantém a terra molhada ao redor das hortaliças.
Comércio desenvolvido
"Não dá uma renda grande, mas a gente está comendo", afirma, sobre o resultado da produção. No entanto, desde o começo, quando começou a vender as hortaliças no Centro de Caridade, na "sucatinha de moto" que possui, as coisas melhoraram. Impedido de continuar vendendo porque "os 'homi' (policiais rodoviários) começaram a dar em cima" e teve de parar, pois não possui habilitação para dirigir a motocicleta. Passou, então, a terceirizar o serviço.
Há sete meses, a produção média de 40 molhos de verdura colhidos diariamente começou a ser vendida por três pessoas contratadas por Antonio para percorrer Pedra Branca, Várzea Redonda, Várzea Comprida, Nambi, São Domingo e Pereiro, localidades próximas a Pató.
Além do negócio montado pelo próprio Antonio, o auxílio técnico do Esplar ajudou a vender as verduras para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), o qual rendeu R$ 5,5 mil no ano passado. Isso sem falar na renda que consegue abastecendo três mercearias. (AOL)
Ensinamentos que aprimoram o jeito de ser
Madalena. Longe dos centros urbanos cearenses parece que a crise hídrica é menos gritante. Talvez o castigo ao longo dos anos foi tão severo que a existência de uma pequena fonte de água amenize toda a situação. Que o diga dona Auxiliadora Silva Lima, 52, que conta com apenas poucas horas de água na torneira por dia, mas, quando perguntada sobre a principal dificuldade para manter sua pequena horta produtiva e suas galinhas vivas no terreiro, aponta para o imenso trabalho feito por ela diariamente. "Em muitas coisas, eu sou homem e também mulher nesta casa, porque sou eu quem resolvo", fala, lembrando que ainda tem a mãe, dona Alice, de 83 anos, "um irmão adoentado", "um sobrinho acidentado" e a filha mais nova, de 15 anos, morando com ela.
Todos dependem, essencialmente, do poço profundo cavado pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) do município de Madalena, a 185 Km de Fortaleza, na comunidade Cajazeiras, onde vivem.
Por ser uma fonte comunitária, há um rodízio diário em relação ao uso do reservatório, o que faz dona Auxiliadora passar metade do dia sem água. Como plano de emergência, ela ainda tem uma cisterna de placa de 16 mil litros para consumo. É a chamada "democratização das cisternas" mencionada pelo presidente do Centro de Pesquisa e Assessoria Esplar, Marcus Venicius de Oliveira, algo que torna a situação no campo menos drástica que nas cidades.
Produção consciente
Dadas as condições, a agricultora desperta cedo para encher as vasilhas, os baldes e regar a horta que cultiva no pequeno quintal, garantindo a prosperidade dos pés de limão, mastruz, capim santo, malvarisco, manjericão, além de alfaces, cebolinhas e coentros. A plantação ajuda a sustentar a casa há cinco anos, com a venda dos molhos e também do suco verde que ela faz.
"Sou eu quem cavo, planto, faço a grota (buracos onde são cravadas as estacas da cerca), pego lenha. É trabalho demais", fala, desta vez orgulhosa depois que aprendeu o valor e a importância do papel dela como mãe, dona de casa e provedora do sustento dos quatro filhos nas oficinas do Ater Mulheres. O projeto é realizado em seis cidades dos sertões de Canindé, a 119 Km de Fortaleza. Além de trabalhar na perspectiva feminista, o Ater Mulheres presta assistência técnica produtiva, tendo a agroecologia como principal base.
"A gente trabalha o quintal como um espaço social da família e com a formação política a partir do conhecimento delas (agricultoras), com foco na troca de saberes", explica a zootecnista Andrea Sousa, uma das responsáveis do Esplar no acompanhamento em Cajazeiras.
Resistência herdada da mãe
Trabalho que, segundo destaca Andrea, foi mais fluido com dona Auxiliadora devido à história e ao aprendizado obtido pela agricultora. Depois de o marido a ter abandonado, sendo "trocada pela cachaça", voltou para a casa da mãe com os quatro filhos e, ali, encontrou abrigo e sustentação. Isso porque a mãe dela, dona Alice, aos 83 anos, carrega consigo a força de quem já sobreviveu a secas sem poços profundos e cisternas.
Encontrada pela reportagem abraçada a pedaços de lenha, a rotina dela é tão intensa quanto a da filha, pois colhe a madeira diariamente em pleno sol escaldante do sertão, cuida das galinhas e, como toda sertaneja, dá conta dos serviços domésticos.
"Hoje, eu estou é bem, sossegada, na minha casa, tudo muito bem", arremata, olhando para o lar que já anunciou como herança pra a filha, dona Auxiliadora, e lembrando do passado mais sofrido. (AOL)
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