quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Eleição de Tancredo Neves mobilizou lideranças cearenses

Governadores e lideranças que apoiavam Tancredo Neves para presidente da República se reuniram um dia antes da eleição. Um dos apoiadores era o ex-governador cearense Gonzaga Mota (sentado, é o segundo da esquerda para a direita na foto)
Governadores e lideranças que apoiavam Tancredo Neves para presidente da República se reuniram um dia antes da eleição. Um dos apoiadores era o ex-governador cearense Gonzaga Mota (sentado, é o segundo da esquerda para a direita na foto)
Há 30 anos, no dia 15 de janeiro de 1985, Tancredo Neves era eleito indiretamente como presidente da República, colocando fim ao ciclo da ditadura militar. O ato se transformou em um dos marcos da redemocratização brasileira. Passado todo esse período, atores cearenses que participaram do momento avaliam as deficiências que ainda emperram o desenvolvimento da democracia sonhada a princípio, além de relembrarem como o processo mobilizou o Estado do Ceará e como o caso provocou divergências em diferentes setores do cenário político.
Após a derrota no Congresso Nacional da emenda do deputado Dante de Oliveira (PMDB-GO), que defendia a eleição direta para a Presidência da República, começou a se articular o processo indireto da escolha de um novo presidente, que ocorreria por meio de um Colégio Eleitoral formado por congressistas e delegados estaduais. O então governador cearense Gonzaga Mota, integrante do PDS à época, lembra que foi convidado para discutir o processo pelo correligionário Aureliano Chaves, que ocupava o cargo de vice na gestão do ex-presidente militar João Figueiredo.

Maluf
Procurado pelo Diário do Nordeste, Gonzaga Mota ressaltou que à época Aureliano Chaves adiantou que o nome a ser lançado pelo PDS para a eleição indireta seria Paulo Maluf, mas o paulista não agradava nenhum dos dois, além de não ser aceito entre outros representantes do partido. "Aureliano me chamou e disse que, infelizmente, a emenda Dante de Oliveira não tinha passado no Congresso, que a ideia naquele momento era ter uma eleição indireta e que o PDS queria lançar como candidato o deputado Paulo Maluf. Ele disse que não achava uma boa e eu disse: eu também", relata.
Esse contexto de rejeição à indicação de Paulo Maluf, explica o ex-governador Gonzaga Mota, motivou o fortalecimento de um grupo de dissidentes dentro do próprio PDS, incluindo ele, que decidiu formar junto com o PMDB a chamada Aliança Democrática para apoiar a candidatura de Tancredo Neves à Presidência da República.
Após assegurar apoio a Tancredo Neves, no entanto, o ex-governador Gonzaga Mota relembra que sofreu uma grande retaliação política do Palácio do Planalto pelo rompimento com o PDS, provocando grandes prejuízos ao Ceará, já que a dependência junto ao Governo Federal naquele período era ainda maior, argumenta.
"Em razão da minha posição, o Estado do Ceará foi retaliado de uma maneira selvagem. Eu não tinha dinheiro nem para comprar gasolina da ambulância do corpo de Bombeiros. Não tinha dinheiro para as necessidades básicas", detalhou.
A posição de apoio de Gonzaga Mota ainda repercutiu na relação que o ex-governador mantinha com o principal responsável pela eleição dele, Virgílio Távora, que exercia o mandato de senador. "Virgílio era cunhado de Flávio Marcílio e ele era candidato a vice de Maluf. Então, Virgílio não tinha condições de votar no Tancredo. Virgílio era um homem muito bom. Ele entendeu minha posição, mas aqueles cercavam o Virgílio não ficaram satisfeitos com meu apoio a Tancredo Neves", explicou.
Divergências
O processo que culminou na eleição de Tancredo Neves provocou divergências no PMDB, ressalta o deputado federal Mauro Benevides, que representava o Ceará como senador. "A participação do Tancredo chegou a dividir a opinião daqueles que integravam a nossa corrente política, porque compreendiam que, com a eleição indireta, iria se legitimar um processo escuso, já que defendíamos a eleição direta. Como isso, não foi possível, houve uma corrente que motivou Tancredo a aceitar esse desafio", esclareceu.
Mauro Benevides destacou, porém, que parte do PMDB entendia que a eleição indireta de Tancredo Neves seria a melhor alternativa para alcançar o funcionamento pleno da democracia no período. "Entenderam que estávamos chancelando algo esdrúxulo. Se sempre sustentássemos a bandeira da eleição direta, como compactuaríamos com uma eleição indireta? Mas a ponderação é que aquele seria o primeiro grande passo da normalização da democracia no País, que na verdade foi concretizada com a Constituição de 1988".
O professor Osmar de Sá Ponte, do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará, contextualiza que, no PMDB, a então deputada estadual pelo partido e ex-prefeita de Fortaleza, Maria Luiza Fontenele, foi uma das que romperam com a legenda por não considerar legítima a escolha de um presidente por meio de eleição indireta. O docente afirmou que o PT também se excluiu do processo por entender a eleição direta como o único caminho. A legenda chegou a expulsar filiados que integraram o Colégio Eleitoral.
Autênticos
O lançamento de José Sarney como candidato a vice-presidente na chapa de Tancredo Neves também dividiu o PMDB, porque a corrente interna chamada de "autênticos" não era simpática à origem política no PDS de Sarney. O cearense Paes de Andrade era um dos integrantes desta tendência peemedebista.
Já o senador Inácio Arruda (PCdoB), na época, era presidente da Federação de Bairros e Favelas de Fortaleza, que organizou diferentes atos em defesa da candidatura de Tancredo Neves na Capital. "Eu me lembro de um ato que lotou o Theatro José de Alencar e contou até com o então governador da época, Gonzaga Mota", citou.
Após três décadas, reforma política não foi concretizada
Cada um dos personagens cearenses que participaram desse processo de redemocratização reconhecem também haver inúmeros passos necessários para garantir a democracia almejada por eles há 30 anos. Não reeleito para a próxima legislatura, o deputado federal Mauro Benevides (PMDB) revelou em seu discurso de despedida a frustração por não ter conseguido presenciar no Congresso Nacional a aprovação de reforma que garantisse o aprimoramento do processo democrático, apesar de ter participado nos últimos 12 anos de três comissões diferentes para discutir a reforma política.
"Há um clamor dos segmentos conscientizados da opinião pública brasileira para que se promova uma reforma política que garanta a legitimidade do processo eleitoral, afastando essa influência do poder econômico nas eleições. Essa reforma essencial é fundamental para aprimorar o processo democrático. Nada disso foi suficiente para convencer o plenário. As ruas já clamaram por uma reforma política, a própria presidente (Dilma Rousseff) já se adiantou a fazer o mesmo apelo. Mas todos esses esforços não foram suficientes para convencer o plenário a garantir uma reforma que garanta a legitimidade do sufrágio popular", lamentou.
Corrupção
Gonzaga Mota ressaltou que problemas como a corrupção e o peso da influência econômica são os principais fatores que fragilizam a democracia brasileira. Inclusive, a falta de dinheiro para investir numa eleição, segundo o ex-governador, foi a principal razão que o motivou a sair da política. "Apesar de tudo, eu trabalharia de novo pela redemocratização. A mais frágil democracia é muito melhor do que qualquer ditadura", avaliou.
Inácio Arruda (PCdoB) lembrou que uma das principais demandas da Federação de Bairros e Favelas de Fortaleza à época da luta pela redemocratização era permitir que as comunidades tivessem voz, mas o problema persiste passados estes 30 anos.
"Temos muito que andar na questão de consagrar o que está no texto constitucional, movimento que iniciou em 84 até 88. Ainda há muitos problemas. Conquistamos as rádios universitárias, mas não passou disso. Um bairro como o Conjunto Ceará precisa que seja dado voz a ele. Agora, não conseguimos ir adiante até hoje", completou.

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