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| Governadores e lideranças que apoiavam Tancredo Neves para presidente da República se reuniram um dia antes da eleição. Um dos apoiadores era o ex-governador cearense Gonzaga Mota (sentado, é o segundo da esquerda para a direita na foto) |
Há 30 anos, no dia 15 de janeiro de 1985, Tancredo Neves era eleito
indiretamente como presidente da República, colocando fim ao ciclo da
ditadura militar. O ato se transformou em um dos marcos da
redemocratização brasileira. Passado todo esse período, atores cearenses
que participaram do momento avaliam as deficiências que ainda emperram o
desenvolvimento da democracia sonhada a princípio, além de relembrarem
como o processo mobilizou o Estado do Ceará e como o caso provocou
divergências em diferentes setores do cenário político.
Após a derrota no Congresso Nacional da emenda do deputado Dante de
Oliveira (PMDB-GO), que defendia a eleição direta para a Presidência da
República, começou a se articular o processo indireto da escolha de um
novo presidente, que ocorreria por meio de um Colégio Eleitoral formado
por congressistas e delegados estaduais. O então governador cearense
Gonzaga Mota, integrante do PDS à época, lembra que foi convidado para
discutir o processo pelo correligionário Aureliano Chaves, que ocupava o
cargo de vice na gestão do ex-presidente militar João Figueiredo.
Maluf
Procurado pelo Diário do Nordeste, Gonzaga Mota ressaltou que à época
Aureliano Chaves adiantou que o nome a ser lançado pelo PDS para a
eleição indireta seria Paulo Maluf, mas o paulista não agradava nenhum
dos dois, além de não ser aceito entre outros representantes do partido.
"Aureliano me chamou e disse que, infelizmente, a emenda Dante de
Oliveira não tinha passado no Congresso, que a ideia naquele momento era
ter uma eleição indireta e que o PDS queria lançar como candidato o
deputado Paulo Maluf. Ele disse que não achava uma boa e eu disse: eu
também", relata.
Esse contexto de rejeição à indicação de Paulo Maluf, explica o
ex-governador Gonzaga Mota, motivou o fortalecimento de um grupo de
dissidentes dentro do próprio PDS, incluindo ele, que decidiu formar
junto com o PMDB a chamada Aliança Democrática para apoiar a candidatura
de Tancredo Neves à Presidência da República.
Após assegurar apoio a Tancredo Neves, no entanto, o ex-governador
Gonzaga Mota relembra que sofreu uma grande retaliação política do
Palácio do Planalto pelo rompimento com o PDS, provocando grandes
prejuízos ao Ceará, já que a dependência junto ao Governo Federal
naquele período era ainda maior, argumenta.
"Em razão da minha posição, o Estado do Ceará foi retaliado de uma
maneira selvagem. Eu não tinha dinheiro nem para comprar gasolina da
ambulância do corpo de Bombeiros. Não tinha dinheiro para as
necessidades básicas", detalhou.
A posição de apoio de Gonzaga Mota ainda repercutiu na relação que o
ex-governador mantinha com o principal responsável pela eleição dele,
Virgílio Távora, que exercia o mandato de senador. "Virgílio era cunhado
de Flávio Marcílio e ele era candidato a vice de Maluf. Então, Virgílio
não tinha condições de votar no Tancredo. Virgílio era um homem muito
bom. Ele entendeu minha posição, mas aqueles cercavam o Virgílio não
ficaram satisfeitos com meu apoio a Tancredo Neves", explicou.
Divergências
O processo que culminou na eleição de Tancredo Neves provocou
divergências no PMDB, ressalta o deputado federal Mauro Benevides, que
representava o Ceará como senador. "A participação do Tancredo chegou a
dividir a opinião daqueles que integravam a nossa corrente política,
porque compreendiam que, com a eleição indireta, iria se legitimar um
processo escuso, já que defendíamos a eleição direta. Como isso, não foi
possível, houve uma corrente que motivou Tancredo a aceitar esse
desafio", esclareceu.
Mauro Benevides destacou, porém, que parte do PMDB entendia que a
eleição indireta de Tancredo Neves seria a melhor alternativa para
alcançar o funcionamento pleno da democracia no período. "Entenderam que
estávamos chancelando algo esdrúxulo. Se sempre sustentássemos a
bandeira da eleição direta, como compactuaríamos com uma eleição
indireta? Mas a ponderação é que aquele seria o primeiro grande passo da
normalização da democracia no País, que na verdade foi concretizada com
a Constituição de 1988".
O professor Osmar de Sá Ponte, do departamento de Ciências Sociais da
Universidade Federal do Ceará, contextualiza que, no PMDB, a então
deputada estadual pelo partido e ex-prefeita de Fortaleza, Maria Luiza
Fontenele, foi uma das que romperam com a legenda por não considerar
legítima a escolha de um presidente por meio de eleição indireta. O
docente afirmou que o PT também se excluiu do processo por entender a
eleição direta como o único caminho. A legenda chegou a expulsar
filiados que integraram o Colégio Eleitoral.
Autênticos
O lançamento de José Sarney como candidato a vice-presidente na chapa
de Tancredo Neves também dividiu o PMDB, porque a corrente interna
chamada de "autênticos" não era simpática à origem política no PDS de
Sarney. O cearense Paes de Andrade era um dos integrantes desta
tendência peemedebista.
Já o senador Inácio Arruda (PCdoB), na época, era presidente da
Federação de Bairros e Favelas de Fortaleza, que organizou diferentes
atos em defesa da candidatura de Tancredo Neves na Capital. "Eu me
lembro de um ato que lotou o Theatro José de Alencar e contou até com o
então governador da época, Gonzaga Mota", citou.
Após três décadas, reforma política não foi concretizada
Cada um dos personagens cearenses que participaram desse processo de
redemocratização reconhecem também haver inúmeros passos necessários
para garantir a democracia almejada por eles há 30 anos. Não reeleito
para a próxima legislatura, o deputado federal Mauro Benevides (PMDB)
revelou em seu discurso de despedida a frustração por não ter conseguido
presenciar no Congresso Nacional a aprovação de reforma que garantisse o
aprimoramento do processo democrático, apesar de ter participado nos
últimos 12 anos de três comissões diferentes para discutir a reforma
política.
"Há um clamor dos segmentos conscientizados da opinião pública
brasileira para que se promova uma reforma política que garanta a
legitimidade do processo eleitoral, afastando essa influência do poder
econômico nas eleições. Essa reforma essencial é fundamental para
aprimorar o processo democrático. Nada disso foi suficiente para
convencer o plenário. As ruas já clamaram por uma reforma política, a
própria presidente (Dilma Rousseff) já se adiantou a fazer o mesmo
apelo. Mas todos esses esforços não foram suficientes para convencer o
plenário a garantir uma reforma que garanta a legitimidade do sufrágio
popular", lamentou.
Corrupção
Gonzaga Mota ressaltou que problemas como a corrupção e o peso da
influência econômica são os principais fatores que fragilizam a
democracia brasileira. Inclusive, a falta de dinheiro para investir numa
eleição, segundo o ex-governador, foi a principal razão que o motivou a
sair da política. "Apesar de tudo, eu trabalharia de novo pela
redemocratização. A mais frágil democracia é muito melhor do que
qualquer ditadura", avaliou.
Inácio Arruda (PCdoB) lembrou que uma das principais demandas da
Federação de Bairros e Favelas de Fortaleza à época da luta pela
redemocratização era permitir que as comunidades tivessem voz, mas o
problema persiste passados estes 30 anos.
"Temos muito que andar na questão de consagrar o que está no texto
constitucional, movimento que iniciou em 84 até 88. Ainda há muitos
problemas. Conquistamos as rádios universitárias, mas não passou disso.
Um bairro como o Conjunto Ceará precisa que seja dado voz a ele. Agora,
não conseguimos ir adiante até hoje", completou.

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