O presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves
(PMDB-RN), mal esperou o final de sua reunião com o chefe da Casa Civil,
Aloisio Mercadante, para anunciar compromisso com a mais importante
proposta presidencial.
“Reforma política é um consenso”, disse a jornalistas após encontro
com o ministro. “E tem que ter realmente a participação popular.”
Suspiros de alívio puderam ser ouvidos entre os que se esmeram por
construir pontes no Congresso.
Mas a declaração do parlamentar não passa de uma farsa.
A Proposta de Emenda Constitucional 352/2013, enviada à Comissão de
Constituição e Justiça no dia 28 de outubro, reafirma os piores aspectos
do sistema político-eleitoral. Trata-se de documento que reforça o
poder econômico, limita a participação popular e fragiliza os partidos
políticos.
Apesar do PT ter se oposto frontalmente aos termos desta proposta, um
parlamentar da legenda foi seu relator. O deputado paulista Cândido
Vaccarezza, derrotado nas últimas eleições, é quem se prestou a esse
papel.
A tal PEC traz sete medidas fundamentais:
– Introduz o voto facultativo, que deixa de ser obrigação
constitucional. Analfabetos, maiores de setenta anos e jovens entre 16 e
18 anos nem sequer precisarão se alistar.
– Acaba com a reeleição para todos os cargos executivos, determinando
que seus mandatários somente poderão se recandidatar no período
subsequente.
– Unifica o calendário eleitoral, fixando que o povo brasileiro somente irá às urnas a cada quatro anos.
– Mantém o financiamento privado das campanhas, tanto individual
quanto empresarial, normatizando que apenas partidos políticos poderão
receber doações.
– Adota o formato de circunscrição distrital, reduzindo a base
eleitoral para áreas menores, que escolherão de quatro a sete
parlamentares para a Câmara dos Deputados. O sistema de voto uninominal é
mantido.
– Estabelece cláusula de barreira, a ser válida de forma progressiva,
pela qual apenas agremiações com um mínimo de 5% dos votos válidos
poderão ter funcionamento parlamentar, acesso ao fundo partidário e
direito a horários gratuitos no rádio e na televisão.
– Mantém as coligações proporcionais e a possibilidade de
descasamento das alianças nas diversas jurisdições eleitorais, além de
reduzir o prazo de filiação partidária obrigatória para seis meses.
Vamos ao resumo da ópera.
O projeto costurado pelo PMDB preserva os pilares do modelo eleitoral herdado da ditadura.
Ao consolidar o financiamento empresarial, salvaguarda a influência
do capital sobre a representação política. Além de contaminar o processo
democrático, conserva uma das principais causas de corrupção no Estado
brasileiro.
A continuidade do voto uninominal intensifica a desidratação das
agremiações como expressão de projetos nacionais. Chancela-se a
reconfiguração partidária em agências gelatinosas para a alavancagem de
indivíduos ou grupos ávidos por espaço institucional.
A introdução do voto distrital, se supostamente barateia campanhas,
por outro lado reduz ainda mais a densidade programática das disputas.
Financiados por máquinas eleitorais irrigadas de recursos privados,
candidatos poderão aprofundar laços clientelistas e almejar um posto
legislativo federal pela lógica que orienta competições para vereador.
Aprovada a PEC 352, os partidos serão induzidos a reforçar seu
caráter de legendas com pouca identidade, conformadas por interesses
corporativos e fisiológicos. A clausula de barreira, nessas condições,
serve apenas para impulsionar a monopolização dos partidos-empresa ou
obstruir atividades de partidos ideológicos minoritários.
Ao contrário de inventar novos mecanismos para a participação popular
– como a criação de referendos revogatórios ou consultas populares
impositivas -, a PEC dobra o intervalo para a manifestação das urnas.
O comparecimento facultativo somente piora a situação: estimula a
ampliação de ofertas materiais ou de ameaças para atrair votantes,
expandindo em nosso território o pior das práticas eleitorais, além de
reduzir a base de legitimação do poder público.
Não há como esconder, no núcleo fundamental da proposta, o desejo de despolitizar o país.
São medidas, entre outras, para alargar a influência de correntes
centristas, a mais importante delas o PMDB. O ambiente de baixa
intensidade programática, afinal, é imprescindível para a existência de
blocos que perseguem nacos do eleitorado à sombra da polarização entre
os campos conservador e de esquerda.
Esta apresenta-se como opção dominante, ainda que muitas lideranças
peemedebistas e dos demais partidos que ocupam espaço ao centro rezem
por outra cartilha, eventualmente alinhando-se às forças progressistas
ou abrindo-se ao diálogo nessa direção.
O fato é que está emergindo, com ímpeto crescente, uma aliança entre
os partidos da direita e o centro oligárquico, mudando o cenário
parlamentar dos últimos anos.
A farsa encarnada pela PEC 352 é passo estratégico para esta coalizão antipopular.
Se for aprovada, irá a referendo. Vitoriosa, terá barrado o esforço
pela democratização do Estado, principal batalha para que as demais
reformas possam ser aceleradas e aprofundadas.
Por Breno Altman, do Ópera Mundi
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