Maysa Monjardim Matarazzo
tinha personalidade proporcional ao seu talento. Compositora de temas
tristonhos, a “rainha da fossa” falava como poucos sobre saudades,
despedidas e solidão. Seus shows, intimistas por vocação, eram passeios
por esse universo melancólico, tendo a voz quente e amarga da intérprete
como guia. Fora dos palcos, era uma personalidade autodestrutiva que
costumava encharcar sua melancolia com litros e mais litros de bebida.
E foi do meio dessa alma turbulenta que nasceu uma das cantoras
brasileiras mais populares das décadas de 1950 e 60, responsável por
algumas dezenas de sucessos como Meu mundo caiu e Ouça. Fora do Brasil, Maysa também
tentou engatar uma carreira, mas acabou se sabotando em exageros
alcoólicos que alimentavam mais perseguição que sofria da imprensa do
que a trajetória artística. Ainda assim, ela conseguiu gravar dois
discos e alguns compactos para o mercado internacional.
Boa
parte desse material se manteve inédito no Brasil por décadas, até ser
agrupado no box lançado pela Discobertas. O grande chamariz de Maysa Internacional é Sings songs before dawn, gravado nos EUA em 1961. Com 12 faixas que vão de Dolores Duran (A noite do meu bem) à francesa Autumm leaves,
o álbum foi pensado para o público norte-americano e ficou, até agora,
sem sua edição nacional. A revista Cash box, referência na música,
chegou a definir o álbum como “uma companhia perfeita para a solidão”.
Na época em que foi lançado, os brasileiros até achavam que essa
história de disco internacional era lenda já que ninguém o encontrava
por aqui.
Também presente no pacote de cinco discos, The sound of love é, na verdade, o mesmo Convite para ouvir Maysa N° 2, gravado em São Paulo em 1959, e relançado nos EUA pouco depois. O mesmo disco chegou à Argentina como Invitacion para escuchar a Maysa.
A ideia da cantora, já uma estrela aos 22 anos, era engatar de vez a
carreira internacional e se livrar dos jornalistas que noticiavam cada
deslize do seu dia. Em Nova York, ela iniciou temporada no Blue Angel,
bar de jazz que já tinha vivido dias melhores, mas acabou sendo cortada
do cartaz por conta das sucessivas faltas e bebedeiras.
Os outros três discos de Maysa Internacional são
compilações de compactos gravados na Espanha, Portugal, Itália e em
festivais brasileiros. Neles estão fundamentos da Bossa Nova, como Este seu olhar e Chega de saudade, e standards gravados no mundo todo, como What are you doing the rest of your life. Maior patrimônio do compositor belga Jacques Brel, Ne me quitte pas também está na coleção. Esta balada foi escolhida para encerrar a participação de Maysa no
palco nobre do Olympia de Paris e obrigou a cantora a voltar outras
duas ao palco para repeti-la, tamanho os pedidos do público. “Fiquei
enrolada na cortina enorme do Olympia e não tinha maneira de sair de lá.
O povo aplaudindo e eu lá, presa, sem poder nem respirar”, escreveu a
artista numa autobiografia inacabada.
Descrita do Diário de Notícias de Lisboa como uma “rapariga de um tipo
moreno e estranho, de rara beleza, num corpo forte e alto”, Maysa não
atingiu o sucesso que queria nos Estados Unidos, mas angariou bons fãs,
principalmente, em Portugal e na Argentina. Entre porres homéricos e
apresentações emocionantes, ela foi no estrangeiro a mesma artista
errática que foi no Brasil. Enquanto dormia em praças e bebia com os
moradores das ruas de Paris, era também aplaudida por Astor Piazzola e
Gato Barbieri na Argentina. Porções divergentes que só faziam sentido
quando viravam música.
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