terça-feira, 30 de setembro de 2014

OAB-CE quer punição contra responsáveis por ofensas

A cearense Melissa Gurgel foi eleita Miss Brasil no último sábado e teve seu sotaque criticado por internautas de várias partes do País
A cearense Melissa Gurgel foi eleita Miss Brasil no último sábado e teve seu sotaque criticado por internautas de várias partes do País
Foto: Lucas Ismael
Não é de hoje que os nordestinos, em especial os cearenses, são alvos de preconceito. O acesso às redes sociais facilitou a tão almejada liberdade de expressão. Porém, muitas vezes, isso esbarra nos limites legais. O caso mais recente é o que vem acontecendo com a cearense Melissa Gurgel, eleita Miss Brasil no último sábado (27). A Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE) enviou, ontem (29), ao Ministério Público Federal (MPF), representação e notícia-crime, a fim de punir os responsáveis pela publicação de mensagens de cunho preconceituoso contra Melissa.
Publicações em redes sociais, como "Miss Ceará é bonita até abrir a boca e vir aquele sotaquezinho sofrível"ou "Lembrem de deixar a TV no mudo quando a Miss Ceará for dar a palestra dela no Miss Brasil do ano que vem" mostraram a desvalorização da cultura cearense, por parte dos internautas de várias regiões do Brasil.

Para o presidente em exercício da OAB-CE, Ricardo Bacelar, que assinou o documento, o tratamento dispensado à Miss Brasil não pode ser admitido, pois o preconceito não é apenas contra ela, mas contra todo o povo cearense. "O nosso sotaque, a nossa forma de ser, a nossa maneira de se comportar são o nosso maior patrimônio cultural. É isso que nos caracteriza como povo. Somos orgulhosos disso", afirma.
O professor de Psicologia da Universidade de Fortaleza (Unifor), Elton Gurgel, afirma que atos preconceituosos e de discriminação surgem, em geral, associados à necessidade de desvalorização do "outro" que não faz parte de um determinado grupo ou segmento social. "Tal necessidade encobre, muitas vezes, situações de insegurança por parte do agressor, que busca afirmar sua 'superioridade', algo muitas vezes questionável, através da 'diminuição' do outro", analisa.
Padrões
Para ele, é importante ressaltar que os padrões estéticos, étnicos e culturais, são, na maior parte dos casos, colocados num plano de hierarquização, no qual o que é mais valorizado corresponde aos padrões encontrados na camada social melhor favorecida economicamente.
"Temos uma junção de fatores que, somados ao individualismo e à incapacidade de desenvolver relações empáticas com o outro, em especial quando este outro difere dele, resvalam para a intolerância e para uma não percepção da conduta preconceituosa como abominável", diz.
O especialista lembra outros tipos de preconceitos, como os episódios de bullying nas escolas, manifestações racistas no esporte e concepções contra segmentos sociais na política.
"O mais estranho é que alguns dos agentes desses preconceitos reivindicam para si o status de defesa da família. Logicamente, não estamos falando da família das pessoas vítimas de preconceitos, mas de famílias, muitas vezes, meramente idealizadas, enclausuradas no desejo de se afirmarem perante outras formas de coexistir e vivenciar as relações de afeto", avalia.
Elton explica que, para as vítimas de preconceitos, os danos podem ser terríveis, com grande sofrimento psíquico, porém, quando a pessoa vítima do preconceito conta com uma rede de assistência; incluindo a família, os amigos e a comunidade, os males podem ser minimizados ou mesmo não existirem. O ato pode acabar sendo uma possibilidade de afirmação de sua condição perante o outro que cometeu o ato, que acaba perdendo força no seu anseio de agredir.
Contudo, hoje, não se aceitam mais ações pejorativas e preconceituosas como algo natural. Surgem, em todo o País, manifestações públicas no sentido contrário. Da mesma forma que ainda há quem denigra a imagem de uma pessoa, há também aquelas que lutam para impedir que ações criminosas aconteçam.
Pena
Bacelar declara que o crime é classificado como racismo e incitação ao racismo, podendo levar à pena de dois a cinco anos de prisão. "Além da função de advocacia, estamos nos posicionando para zelar pelos direitos coletivos e difusos", completa.
Para provar o ato cometido por alguns internautas, Bacelar conta que o órgão reuniu algumas publicações para, então, fazer a denúncia. O documento foi protocolado ontem, e cabe ao MPF apurar, avaliar e decidir que tipo de punição pedirá aos agressores. Depois disso, o Poder Judiciário aplicará pena.
Patrícia Holanda
Especial para Cidade

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