A cearense Melissa Gurgel foi eleita Miss Brasil no último sábado
e teve seu sotaque criticado por internautas de várias partes do País
Foto: Lucas Ismael
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Não é de hoje que os nordestinos, em especial os cearenses, são alvos
de preconceito. O acesso às redes sociais facilitou a tão almejada
liberdade de expressão. Porém, muitas vezes, isso esbarra nos limites
legais. O caso mais recente é o que vem acontecendo com a cearense
Melissa Gurgel, eleita Miss Brasil no último sábado (27). A Ordem dos
Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE) enviou, ontem (29), ao Ministério
Público Federal (MPF), representação e notícia-crime, a fim de punir os
responsáveis pela publicação de mensagens de cunho preconceituoso contra
Melissa.
Publicações em redes sociais, como "Miss Ceará é bonita até abrir a
boca e vir aquele sotaquezinho sofrível"ou "Lembrem de deixar a TV no
mudo quando a Miss Ceará for dar a palestra dela no Miss Brasil do ano
que vem" mostraram a desvalorização da cultura cearense, por parte dos
internautas de várias regiões do Brasil.
Para o presidente em exercício da OAB-CE, Ricardo Bacelar, que assinou o
documento, o tratamento dispensado à Miss Brasil não pode ser admitido,
pois o preconceito não é apenas contra ela, mas contra todo o povo
cearense. "O nosso sotaque, a nossa forma de ser, a nossa maneira de se
comportar são o nosso maior patrimônio cultural. É isso que nos
caracteriza como povo. Somos orgulhosos disso", afirma.
O professor de Psicologia da Universidade de Fortaleza (Unifor), Elton
Gurgel, afirma que atos preconceituosos e de discriminação surgem, em
geral, associados à necessidade de desvalorização do "outro" que não faz
parte de um determinado grupo ou segmento social. "Tal necessidade
encobre, muitas vezes, situações de insegurança por parte do agressor,
que busca afirmar sua 'superioridade', algo muitas vezes questionável,
através da 'diminuição' do outro", analisa.
Padrões
Para ele, é importante ressaltar que os padrões estéticos, étnicos e
culturais, são, na maior parte dos casos, colocados num plano de
hierarquização, no qual o que é mais valorizado corresponde aos padrões
encontrados na camada social melhor favorecida economicamente.
"Temos uma junção de fatores que, somados ao individualismo e à
incapacidade de desenvolver relações empáticas com o outro, em especial
quando este outro difere dele, resvalam para a intolerância e para uma
não percepção da conduta preconceituosa como abominável", diz.
O especialista lembra outros tipos de preconceitos, como os episódios
de bullying nas escolas, manifestações racistas no esporte e concepções
contra segmentos sociais na política.
"O mais estranho é que alguns dos agentes desses preconceitos
reivindicam para si o status de defesa da família. Logicamente, não
estamos falando da família das pessoas vítimas de preconceitos, mas de
famílias, muitas vezes, meramente idealizadas, enclausuradas no desejo
de se afirmarem perante outras formas de coexistir e vivenciar as
relações de afeto", avalia.
Elton explica que, para as vítimas de preconceitos, os danos podem ser
terríveis, com grande sofrimento psíquico, porém, quando a pessoa vítima
do preconceito conta com uma rede de assistência; incluindo a família,
os amigos e a comunidade, os males podem ser minimizados ou mesmo não
existirem. O ato pode acabar sendo uma possibilidade de afirmação de sua
condição perante o outro que cometeu o ato, que acaba perdendo força no
seu anseio de agredir.
Contudo, hoje, não se aceitam mais ações pejorativas e preconceituosas
como algo natural. Surgem, em todo o País, manifestações públicas no
sentido contrário. Da mesma forma que ainda há quem denigra a imagem de
uma pessoa, há também aquelas que lutam para impedir que ações
criminosas aconteçam.
Pena
Bacelar declara que o crime é classificado como racismo e incitação ao
racismo, podendo levar à pena de dois a cinco anos de prisão. "Além da
função de advocacia, estamos nos posicionando para zelar pelos direitos
coletivos e difusos", completa.
Para provar o ato cometido por alguns internautas, Bacelar conta que o
órgão reuniu algumas publicações para, então, fazer a denúncia. O
documento foi protocolado ontem, e cabe ao MPF apurar, avaliar e decidir
que tipo de punição pedirá aos agressores. Depois disso, o Poder
Judiciário aplicará pena.
Patrícia Holanda
Especial para Cidade
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