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| Cícero Pereira Batista (Foto: Breno Fortes/CB/D.A Press) |
“Eu queria te dizer que determinismo social não existe”. É assim que
Cícero Pereira Batista define sua história de vida. Ele nasceu em uma
família pobre, seu pai morreu quando ainda era novo, sua mãe tornou-se
alcoólatra e, para sobreviver, ele e seus sete irmãos viviam com os
restos de comida que catavam no lixo ou nos mercados. Ele tinha tudo
para continuar na miséria ou entrar no mundo das drogas. Mas decidiu
seguir outro caminho.
Este ano, no início de junho, com 33 anos, Cícero formou-se em medicina
por uma universidade particular de Brasília, a Faciplac. Para colocar a
mão no diploma, teve que se esforçar mais do que a maioria de seus
colegas de curso. Ele não deixou de trabalhar mesmo frequentando aulas
que aconteciam de manhã e à tarde.
O interesse de Cícero pela biologia começou nos primeiros anos da
escola. Apesar de não ter muito apoio da mãe, uma vizinha o matriculou
no colégio. Enquanto não estava na aula, ele continuava revirando as
lixeiras da capital brasileira. Mas, às vezes, acabava levando mais do
que alimentos. Começou a pegar também livros e discos de vinil. Foi
assim que descobriu uma apostila didática de biologia e a música de
Johann Sebastian Bach. O primeiro, ele lia com curiosidade. O segundo,
levava para a vitrola da vizinha.
Um dia, encontrou uma máquina fotográfica descartável. Desmontou o
aparelho e ficou só com a lente, que usava como lupa para observar as
pulgas dos cachorros com os quais convivia. Achou fascinante quando
descobriu a semelhança entre os artrópodes e as figuras que apareciam em
algumas páginas do livro.
O tempo passou e, no último ano do ensino fundamental, Cícero resolveu
fazer o vestibulinho para cursar o ensino médio profissionalizante com
especialização em técnico de enfermagem. Mesmo com os estudos exigindo
mais dedicação, ele continuou fazendo alguns “bicos”, como vigiar carros
e, depois, como profissional de enfermagem. Porque não tinha dinheiro
para o ônibus, às vezes ia a pé de sua casa em Taguatinga para a escola
na Ceilândia - cidades satélite de Brasília.
Depois do colégio, seu sonho era entrar na faculdade de medicina. Uma
amiga deu a dica de uma faculdade em Araguari, em Minas Gerais. Cícero
conseguiu entrar, mas esbarrou em dois problemas. O primeiro era o
dinheiro. No terceiro mês, já não estava conseguindo pagar a
mensalidade. Ao mesmo tempo, ele havia passado em um concurso para ser
auxiliar de enfermagem em Brasília. Por conta disso, ficava na capital
federal nos finais de semana e enfrentava seis horas de viagem de ônibus
na segunda-feira de manhã para chegar em Araguari.
Com um empréstimo do governo, conseguiu se manter por um ano na
faculdade. Acumulou uma dívida de R$ 20 mil reais, mas aí surgiram o
Enem e o Prouni. Achou que ali teria uma boa oportunidade. Prestou a
prova nacional e conseguiu vaga em uma faculdade particular de Paracatu,
também em Minas Gerais. Ali ficou por mais seis meses e conseguiu
quitar a dívida da primeira faculdade. Mas Cícero não estava satisfeito.
Tentou mais uma vez e conseguiu entrar em uma faculdade em Gama, no
Distrito Federal, o que facilitava muito sua vida. Voltou para a estaca
zero no curso, já que seus créditos não foram validados, mas achou que
valia a pena.
Nessa época, já dava 40 horas de plantão por semana. Foram vários anos
fazendo jornada dupla e dormindo pouco, mas nem por isso deixava de ser
aplicado. Segundo um porta voz da faculdade, ele estava sempre entre os
melhores da turma. No dia 6 de junho, veio a recompensa. “Eu me senti
extasiado quando peguei o diploma. Ainda não acredito que sou médico.
Não caiu a ficha. Quando falam no hospital ‘espera que eu vou chamar o
médico’, só aí que eu me ligo que é de mim que estão falando”, conta
Cícero, que hoje trabalha em três locais diferentes.
Ele ainda mora com a mãe e espera poder ajudá-la, assim como seus
irmãos. Mas ele não quer parar na graduação. Seu sonho agora é estudar
fora do país, “na Europa ou nos Estados Unidos. Quero fazer uma
especialização em psiquiatria”, afirma. Ele está procurando alguém para
ajudá-lo a conseguir a experiência internacional. “Independente da cor
da pele ou da condição financeira, eu tenho certeza que é possível
conquistar as coisas”, garante.
epocanegocios.globo.com
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