sexta-feira, 16 de maio de 2014

80 anos: O arquivo vivo Nirez

O acervo do Arquivo Nirez inclui 140 mil itens, sendo 22 mil discos de cera
O acervo do Arquivo Nirez inclui 140 mil itens, sendo 22 mil discos de cera
Foto: Lucas de Menezes

 

A expectativa era que, na manhã de ontem, um voo a sete mil pés lançasse sob o céu de Fortaleza dois paraquedistas: Waldonys, músico, conhecido por suas peripécias na aviação e, como aniversariante do dia, Miguel Ângelo de Azevedo, o Nirez. A chuva impediu, momentaneamente, a aventura, que marcaria seus 80 anos de vida, completados nesse 15 de maio.
"Eu estou pensando em fazer o pulo em São Paulo. Lá está precisando muito de chuva", brincou o homenageado, ao receber, em virtude do adiamento, a reportagem do Diário do Nordeste, na manhã de ontem, em sua casa. Na pauta, um pouco do que guarda destas oito décadas, as coleções, a família e traços de sua personalidade. O local, no bairro Rodolfo Teófilo, além de residência, abriga os mais de 140 mil itens que formam o Arquivo Nirez.
Ilustrador, pesquisador musical, colecionador... As atividades de Nirez são tão diversas quanto foram suas influências familiares. Além das atuais ocupações - cuidando de seu arquivo, dirigindo o Museu da Imagem e do Som (MIS) e apresentando, nas manhãs de domingo, o programa radiofônico Arquivo de Cera, na Rádio Universitária FM - ele guarda no currículo trabalhos com jornalismo, ilustração publicitária, desenho técnico, e escrita de livros.

É filho do poeta e pintor Otacílio de Azevedo. Os irmãos, Rubens de Azevedo, o mais velho, era astrônomo, desenhista e publicitário. Sânzio Azevedo, escritor e crítico literário. E a irmã, professora de espanhol e também desenhista.
"Eu fui privilegiado. Quem nasce nesse ambiente, em casa, na hora da conversa, está praticamente em uma escola. As conversas de meu pai com meu irmão, com minha irmã, giravam em torno de Dostoievski, música, tinha uma galeria de pinturas dos grandes vultos, Beethoven, Wagner, Schumann", lembra, justificando os gostos que o levaram, por exemplo, a ter, hoje, talvez o maior acervo brasileiro de discos de cera, com 22 mil discos, lançados entre os anos de 1902 a 1964.
Acervo
"Eu desde menino, pequeno ainda, gostei de coleções. Sempre fiz coleções de figurinhas, que saiam em balas, chocolate, carteira de cigarro, caixa de fósforo. Mas fazia as coleções e me desfazia", lembra. Aos 20 anos, assumiu-se, de fato, colecionador. "É mais fácil eu dizer o que eu não coleciono: que é selo (não sou filatelista), nem moeda e cédula. Não sou numismático. A não ser isso, o resto, eu coleciono", define, sobre o recorte que permite em um mesmo acervo, dos referenciais discos de cera a rótulos de sabonete, perfumaria, rótulos de alimento.
"Tudo que se tornou raridade eu tenho guardado. Eu tenho o próprio sabonete antigo, brilhantina, pó de arroz, talco, perfumaria em geral da década de 1940 e 50", ilustra. Das revistas, "O Cruzeiro" está entre as mais valiosas. Possui desde o número 1. "Era a coqueluche, todo mundo comprava", justifica.
A coleção de disco é, talvez, a mais antiga, iniciada aos 20 anos, quando ganhou de presente o primeiro toca-discos. "Quando eu tinha mil trezentos e poucos discos, achei que tinha os discos do mundo todo. Comecei com um programa de rádio na Rádio Uirapuru, em junho de 1963, Arquivo de Cera", lembra. O programa passou por diversas emissoras até chegar, em 1991, a Universitária, mantendo-se no ar desde então. Quase 51 anos. "Desde o primeiro programa até hoje tem sido a mesma coisa. Aproveito a data que vai ao ar para homenagear o principal aniversariante do dia", diz.
Carreira
Profissionalmente, Nirez passou pelo desenho publicitário, trabalhando com figuras como Alciro Cleber Granjeiro e Ezequiel Sisnando Xenofonte. "Acho que o Alciro foi o primeiro publicitário do Ceará, que fundou a Publicitada Exacta Ltda, em 1953", lembra. Não guardou nenhum dos rótulos que fez. Deixou o ofício ao ingressar no Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Denocs), em 1962, na diretoria de pesca e piscicultura.
No final dos anos 1980, fez concurso interno e foi transferido para a Comunicação Social, de onde saiu em uma redistribuição para assumir um cargo de técnico em comunicação social na Universidade Federal do Ceará (UFC).
Paralelamente, tem passagens por diversos veículos jornalísticos do Estado, escrevendo sobre temas históricos, sobre a cidade e organizando arquivos. Exerceu o ofício até o ano de 1993.
"Eu nunca cursei jornalismo. Quando chegou o curso universitário, veio uma lei que protegia os jornalistas que trabalhavam em jornal. Eu tenho o registro número 4 do tribunal do trabalho. Sou o quarto jornalista", brinca.
Família
Aos 80 anos completos, Nirez tem percepções bem delineadas sobre si mesmo. Porque o salto de paraquedas? "Eu sempre gostei de novidade, sempre fui um sujeito jovial". Orientação política? "Eu sempre fui de esquerda, nunca me filiei a nenhum partido. Sou como chamavam, simpatizantes". Ídolo musical? "No começo a gente tem isso, gosta mais de um ou outro. Mas com o tempo, fazendo pesquisa, a gente verifica que são todos artistas de grande valor. A gente deixa de lado a história de fã e passa a admirar a música". Disco? "A minha predileção é aquele disco que eu procuro e não tenho. No dia que consigo, ele perde o valor", ri, lembrando soneto escrito pelo pai, em que o poeta apontava a essência do ato de desejar: "Desejar é melhor do que possuir. A posse é o ponto primordial da morte do desejo".
Em seu núcleo familiar, a esposa, Maria Zenita Rodrigues de Azevedo, esteve ao seu lado por 59 anos.
Era também colecionadora e cedia, sempre que possível, uma parte da casa, a sala, a cozinha, para dar lugar ao acervo. Faleceu em agosto do ano passado, deixando para o marido os quatro principais frutos do casamento: Terezinha de Azevedo, bibliotecária, Otacílio de Azevedo Neto, hoje técnico em eletrônica, especializado em emissoras de rádio, Nirez de Azevedo, escritor, pesquisador e diretor do departamento de arquivo da TV Ceará, e Mário de Azevedo, que teve problemas no nascimento, fala com dificuldade, e hoje é o inseparável ajudante do pai, recebendo os visitantes e assessorando a organização do Arquivo Nirez. "Às vezes me perguntam, Nirez, e quando você morrer como é que vai ficar isso aqui? Eu digo, vai ficar melhor do que comigo. Em vez de ter um cuidando, vão ter quatro", orgulha-se.
Fábio Marques
Repórter

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