O acervo do Arquivo Nirez inclui 140 mil itens, sendo 22 mil discos de cera
Foto: Lucas de Menezes
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A expectativa era que, na manhã de ontem, um voo a sete mil pés
lançasse sob o céu de Fortaleza dois paraquedistas: Waldonys, músico,
conhecido por suas peripécias na aviação e, como aniversariante do dia,
Miguel Ângelo de Azevedo, o Nirez. A chuva impediu, momentaneamente, a
aventura, que marcaria seus 80 anos de vida, completados nesse 15 de
maio.
"Eu estou pensando em fazer o pulo em São Paulo. Lá está precisando
muito de chuva", brincou o homenageado, ao receber, em virtude do
adiamento, a reportagem do Diário do Nordeste, na manhã de ontem, em sua
casa. Na pauta, um pouco do que guarda destas oito décadas, as
coleções, a família e traços de sua personalidade. O local, no bairro
Rodolfo Teófilo, além de residência, abriga os mais de 140 mil itens que
formam o Arquivo Nirez.
Ilustrador, pesquisador musical, colecionador... As atividades de Nirez
são tão diversas quanto foram suas influências familiares. Além das
atuais ocupações - cuidando de seu arquivo, dirigindo o Museu da Imagem e
do Som (MIS) e apresentando, nas manhãs de domingo, o programa
radiofônico Arquivo de Cera, na Rádio Universitária FM - ele guarda no
currículo trabalhos com jornalismo, ilustração publicitária, desenho
técnico, e escrita de livros.
É filho do poeta e pintor Otacílio de Azevedo. Os irmãos, Rubens de
Azevedo, o mais velho, era astrônomo, desenhista e publicitário. Sânzio
Azevedo, escritor e crítico literário. E a irmã, professora de espanhol e
também desenhista.
"Eu fui privilegiado. Quem nasce nesse ambiente, em casa, na hora da
conversa, está praticamente em uma escola. As conversas de meu pai com
meu irmão, com minha irmã, giravam em torno de Dostoievski, música,
tinha uma galeria de pinturas dos grandes vultos, Beethoven, Wagner,
Schumann", lembra, justificando os gostos que o levaram, por exemplo, a
ter, hoje, talvez o maior acervo brasileiro de discos de cera, com 22
mil discos, lançados entre os anos de 1902 a 1964.
Acervo
"Eu desde menino, pequeno ainda, gostei de coleções. Sempre fiz
coleções de figurinhas, que saiam em balas, chocolate, carteira de
cigarro, caixa de fósforo. Mas fazia as coleções e me desfazia", lembra.
Aos 20 anos, assumiu-se, de fato, colecionador. "É mais fácil eu dizer o
que eu não coleciono: que é selo (não sou filatelista), nem moeda e
cédula. Não sou numismático. A não ser isso, o resto, eu coleciono",
define, sobre o recorte que permite em um mesmo acervo, dos referenciais
discos de cera a rótulos de sabonete, perfumaria, rótulos de alimento.
"Tudo que se tornou raridade eu tenho guardado. Eu tenho o próprio
sabonete antigo, brilhantina, pó de arroz, talco, perfumaria em geral da
década de 1940 e 50", ilustra. Das revistas, "O Cruzeiro" está entre as
mais valiosas. Possui desde o número 1. "Era a coqueluche, todo mundo
comprava", justifica.
A coleção de disco é, talvez, a mais antiga, iniciada aos 20 anos,
quando ganhou de presente o primeiro toca-discos. "Quando eu tinha mil
trezentos e poucos discos, achei que tinha os discos do mundo todo.
Comecei com um programa de rádio na Rádio Uirapuru, em junho de 1963,
Arquivo de Cera", lembra. O programa passou por diversas emissoras até
chegar, em 1991, a Universitária, mantendo-se no ar desde então. Quase
51 anos. "Desde o primeiro programa até hoje tem sido a mesma coisa.
Aproveito a data que vai ao ar para homenagear o principal
aniversariante do dia", diz.
Carreira
Profissionalmente, Nirez passou pelo desenho publicitário, trabalhando
com figuras como Alciro Cleber Granjeiro e Ezequiel Sisnando Xenofonte.
"Acho que o Alciro foi o primeiro publicitário do Ceará, que fundou a
Publicitada Exacta Ltda, em 1953", lembra. Não guardou nenhum dos
rótulos que fez. Deixou o ofício ao ingressar no Departamento Nacional
de Obras Contra as Secas (Denocs), em 1962, na diretoria de pesca e
piscicultura.
No final dos anos 1980, fez concurso interno e foi transferido para a
Comunicação Social, de onde saiu em uma redistribuição para assumir um
cargo de técnico em comunicação social na Universidade Federal do Ceará
(UFC).
Paralelamente, tem passagens por diversos veículos jornalísticos do
Estado, escrevendo sobre temas históricos, sobre a cidade e organizando
arquivos. Exerceu o ofício até o ano de 1993.
"Eu nunca cursei jornalismo. Quando chegou o curso universitário, veio
uma lei que protegia os jornalistas que trabalhavam em jornal. Eu tenho o
registro número 4 do tribunal do trabalho. Sou o quarto jornalista",
brinca.
Família
Aos 80 anos completos, Nirez tem percepções bem delineadas sobre si
mesmo. Porque o salto de paraquedas? "Eu sempre gostei de novidade,
sempre fui um sujeito jovial". Orientação política? "Eu sempre fui de
esquerda, nunca me filiei a nenhum partido. Sou como chamavam,
simpatizantes". Ídolo musical? "No começo a gente tem isso, gosta mais
de um ou outro. Mas com o tempo, fazendo pesquisa, a gente verifica que
são todos artistas de grande valor. A gente deixa de lado a história de
fã e passa a admirar a música". Disco? "A minha predileção é aquele
disco que eu procuro e não tenho. No dia que consigo, ele perde o
valor", ri, lembrando soneto escrito pelo pai, em que o poeta apontava a
essência do ato de desejar: "Desejar é melhor do que possuir. A posse é
o ponto primordial da morte do desejo".
Em seu núcleo familiar, a esposa, Maria Zenita Rodrigues de Azevedo, esteve ao seu lado por 59 anos.
Era também colecionadora e cedia, sempre que possível, uma parte da
casa, a sala, a cozinha, para dar lugar ao acervo. Faleceu em agosto do
ano passado, deixando para o marido os quatro principais frutos do
casamento: Terezinha de Azevedo, bibliotecária, Otacílio de Azevedo
Neto, hoje técnico em eletrônica, especializado em emissoras de rádio,
Nirez de Azevedo, escritor, pesquisador e diretor do departamento de
arquivo da TV Ceará, e Mário de Azevedo, que teve problemas no
nascimento, fala com dificuldade, e hoje é o inseparável ajudante do
pai, recebendo os visitantes e assessorando a organização do Arquivo
Nirez. "Às vezes me perguntam, Nirez, e quando você morrer como é que
vai ficar isso aqui? Eu digo, vai ficar melhor do que comigo. Em vez de
ter um cuidando, vão ter quatro", orgulha-se.
Fábio Marques
Repórter
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