A música brasileira passou na década de 1970 por algumas pequenas
revoluções, lançadas em formato Long Play. Prova disto, basta citar
apenas as que partiram do Ceará, com Fagner lançando "Manera Fru Fru"
(1973), Ednardo, Rodger e Teti, "Meu Corpo, Minha Embalagem Todo Gasto
Na Viagem" (1973), e, pouco depois, Belchior. O trovador sobralense
estreou em 1976, com o inesquecível "Alucinação", disco que concentrou
uma boa leva de suas obras primas.
Quase 40 anos depois, a obra de Belchior mostra-se forte, atual e capaz
de reverberar na cabeça das novas gerações. Um grupo de artistas
reconstruiu o repertório do LP, com releituras cheias de ousadias, no
disco "Ainda Somos os Mesmos" (2014), e resgatou ainda alguns sucessos
posteriores do artistas, incluídos no EP "Entre o Sonho e o Som". A
homenagem teve curadoria do jornalista Jorge Wagner, o mesmo responsável
pelo projeto "Jeito Felindie", que converteu, em 2012, os licorosos e
humorados pagodes do grupo Raça Negra para a estética indie. Do projeto
atual, participaram 15 artistas ou grupos ligados à música independente.
No álbum, estão Dario Julio & Os Franciscanos, Manoel Magalhães,
Phillip Long, Nevilton, Lucas Vasconcellos, Bruno Souto, Nemoskine,
Fábrica, Transmissor e Marcelo Perdido. The Baggios, Jomar Schrank,
Ricardo Gameiro, João Erbetta e nana participam do EP.
"Chamei pessoas que tinham ligação com o trabalho do Belchior, ou por
admirarem, como eu, ou com quem já tinha falado sobre o disco, que
concordam comigo quando aponto uma injustiça em relação ao 'Alucinação' e
ao próprio Belchior", argumenta o curador. O disco, reforça, soa, ainda
hoje, "apaixonado e violento". A homenagem se coloca ainda como uma
justa reação ao polemismo que vem ocupando os noticiários com
acontecimentos e suposições bem menos relevantes, sobre a vida pessoal
do cantor.
Para "Jeito Felindie", lembra o jornalista, partiu-se da tese de que a
música do Raça Negra, tão depreciada e alvo de chacota por admiradores
de outros gêneros, era equivalente a de outros grupos que os mesmos
críticos enaltecem. "No fim das contas, tudo era pop. Não era mais brega
que um Los Hermanos, por exemplo", defende.
Visibilidade
O disco ainda não ganhou versão para os palcos, mas esta é uma
possibilidade já em estudo. Assim como no tributo anterior, é possível,
ainda, que o show renda um pequeno documentário sobre Belchior e os
artistas envolvidos. Não há, no entanto, um cronograma fechado para tal.
Por se tratar de um artista consagrado da música brasileira, embora não
estando em evidência, a apropriação de sua obra por músicos
independentes, para o curador é uma ação de mão dupla. Ao passo que
coloca novamente Belchior em cena, explica, músicas como "A Palo Seco",
"Fotografia 3x4", "Alucinação", abrem novos horizontes para os músicos
participantes. "Na época da homenagem ao Raça Negra, a gente conversou
muito sobre isso. A importância que esse tributo acaba tendo para todos
os envolvidos", diz.
Projeto
O projeto está disponível para download gratuito. Segundo Jorge, por
não ter, assim como "Jeito Felindie", anseios comerciais. O produtor diz
que sequer procurou os detentores de direitos autorais das músicas para
pedir autorização. "Não entramos nesses méritos legais. Em momento
algum tivemos intenção de ter lucro. É algo até meio egoísta, de
fazermos porque nós gostamos de ouvir - e, no caso dos músicos, de
tocar. Não é oportunismo, é carinho", argumenta.
Belchior já havia ganho, em 2012, um tributo, "Belchior Blues", com
participação de artistas do gênero, como Flávio Guimarães, Felipe
Cazaux, Big Joe Manfra e Artur Menezes. O projeto, destaca Jorge, foi
uma de suas referências. Musicalmente, no entanto, o novo tributo não
fecha em um gênero específico, embora siga um recorte de proposta em
meio a música independente. "Quis evitar o pessoal ligado ao rotulo da
nova MPB, porque não queria sonoridade acústica, sambinha", diz.
O resultado é um Belchior absolutamente em nova roupagem, conservando
referências da obra original, mas sob perspectivas diferentes e
distantes do lugar comum.
Fábio Marques
Repórter
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