quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Em voto de desempate, ministro diz que STF não deve se expor a pressão

Com a decisão do último ministro, Celso de Mello, 12 dos 25 réus do mensalão terão direito a um novo julgamento

Brasília. Responsável pelo voto que desempatou o julgamento, garantindo uma segunda chance para 12 condenados por envolvimento com o mensalão, o decano do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, afirmou ontem, que os juízes da Corte têm de ser imparciais e não devem se expor às pressões do clamor popular.

No voto que durou mais de duas horas, Celso de Mello fez uma análise histórica do direito dos réus de propor os chamados embargos infringentes. Agora, eles terão 30 dias de prazo para ingressarem com os recursos FOTO: STF/ FELLIPE SAMPAIO

Segundo ele, cabe ao tribunal garantir um julgamento justo para todos os réus, independentemente de sua condição social, política ou econômica. Celso de Mello advertiu que os julgamentos do Judiciário devem ocorrer em ambiente de serenidade e não podem deixar-se contaminar por "juízos paralelos resultantes de manifestações da opinião pública".

A análise dos novos recursos só deve ocorrer em 2014, após a publicação do acórdão que resumirá as decisões tomadas no julgamento dos primeiros recursos dos réus, quase todos rejeitados. Com a decisão de que haverá novo julgamento em algumas penas, a aposta entre advogados de defesa é que o caso dure pelo menos mais um ano.

Em seu voto, o decano fez uma análise histórica do direito dos réus a propor os chamados embargos infringentes e concluiu que pelas regras em vigor o STF não poderia negar aos acusados a garantia a uma nova análise das condenações nas quais eles haviam conseguido, pelo menos, quatro votos a favor da absolvição.

Essa previsão está no regimento interno do STF, que, segundo Celso de Mello, não foi revogado de nenhuma forma. No longo voto, que consumiu mais de duas horas, ele deu recados para colegas de tribunal. O ministro iniciou sua manifestação afirmando que "independentemente da causa" teve um "efeito virtuoso" o fato de a sessão do Supremo ter sido encerrada na última quinta-feira quando o placar estava empatado em 5 a 5 e faltava apenas o voto dele.

Prazo de recurso

Os ministros do STF decidiram dobrar de 15 para 30 dias o prazo para os réus da Ação Penal 470, o processo do mensalão, ingressarem com embargos infringentes, após a publicação do acórdão desta fase (texto final). No entanto, negaram recurso do réu Pedro Correa (PP-PE), ex-deputado federal, para que os embargos fossem aplicados também aos réus que tiveram menos de quatro votos pela absolvição.

Durante a sessão, o presidente da Corte, Joaquim Barbosa, pediu aos ministros a liberação dos votos para que o acórdão seja publicado com rapidez.

A decisão beneficia 12 condenados: João Paulo Cunha, João Cláudio Genu e Breno Fischberg (crime de lavagem de dinheiro); José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares, Marcos Valério, Kátia Rabello, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e José Salgado (formação de quadrilha); e Simone Vasconcelos (revisão das penas de lavagem de dinheiro e evasão de divisas). No caso de Simone, a defesa pede que os embargos também valham para revisar o cálculo das penas.

O ministro Luiz Fux foi sorteado para relatar o recurso apresentado por Delúbio Soares em que ele pede a revisão da condenação. Com isso, Fux ficará responsável também pela análise inicial dos recursos de todos os réus que pedirão a reanálise de seus processos. Na primeira etapa do julgamento, os votos de Fux foram dados seguindo a orientação do relator Joaquim Barbosa, quando 25 réus foram condenados.

Oposição

A oposição na Câmara dos Deputados criticou duramente a decisão tomada pelo STF e alegou que ela traz para os brasileiros uma sensação de impunidade. O líder do DEM na Câmara, Ronaldo Caiado (GO), classificou o desfecho dessa etapa do julgamento do mensalão de "nefasta". "É um momento triste, uma página nefasta na história do Supremo Tribunal Federal", disse.

O líder do DEM manifestou ainda preocupação de que um novo julgamento resulte na prescrição de crimes e na diminuição das penas impostas em 2012.

Já para o líder do PPS na Câmara, deputado Rubens Bueno (SP), a manifestação do STF demonstra "que o país da impunidade é o Brasil". Em nota divulgada pela liderança do partido na Câmara, ele classificou ainda a decisão de "duro golpe contra a credibilidade da Justiça".

Impacto eleitoral

A aceitação dos embargos infringentes deve ter reflexos na campanha de reeleição da presidente Dilma Rousseff (PT) no ano que vem. Essa é a avaliação do especialista em pesquisas eleitorais e marketing político Sidney Kuntz, ao mencionar que alguns dos beneficiados pela decisão são correligionários do PT, mesmo partido da presidente Dilma.

Réus beneficiados

José Dirceu - ex ministro-chefe da Casa Civil

Delúbio Soares - ex-tesoureiro do Partido dos Trabalhadores (PT)

José Genoino - deputado federal e ex-presidente do PT

João Paulo Cunha - deputado e ex-presidente da Câmara (PT-SP)

Marcos Valério - publicitário considerado operador do mensalão

Ramon Hollerbach e Cristiano Paz - ex-sócios de Marcos Valério

Kátia Rabello - ex-presidente do Banco Rural

José Roberto Salgado - Ex-diretor do Banco Rural

João Cláudio Genu - Ex-assessor do deputado José Janene (PP)

Breno Fischberg - Empresário

Simone Vasconcelos - ex-diretora financeira da SMP&B

Decisão de Mello é fundamentada

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de acatar novos recursos no julgamento do mensalão é analisada do ponto de vista técnico como juridicamente fundamentada, segundo a opinião de especialistas.

Manifestantes levaram pizza para fazer um protesto em frente ao prédio do Supremo FOTO: AGÊNCIA BRASIL

O jurista Valmir Pontes diz que não há dúvidas de que o parecer favorável do ministro Celso de Mello à apresentação dos novos recursos não foi levado por motivação política. "Pessoalmente, acredito que ele podia ter sido levado a outra interpretação jurídica de que a lei derrogou o regimento interno do Supremo e, portanto, não seria cabível o agravo regimental, mas é preciso maturidade para respeitar a decisão tomada pelo STF", defende.

Na opinião do especialista, a credibilidade do Supremo não pode ficar afetada por conta da retomada do julgamento do mensalão. "Temos que aceitar as outras interpretações, nisto reside a maturidade da democracia", opinou.

O jurista diz não acreditar na possibilidade de que os réus saiam ilesos após a revisão das condenações de defende a rapidez do julgamento para que haja prescrição das penas. "É um compromisso cívico que o Supremo assume perante todo o País".

O professor de Direito Constitucional da PUC-SP Roberto Dias também alerta que a aceitação dos embargos infringentes é uma fase prévia à análise do mérito do próprio recurso, o que não significa ainda a discussão da absolvição dos réus. Dias aponta também que a nova análise não pode representar a "eternização" do processo e ressaltou que os ministros devem concluir o caso o mais rápido possível. "Postergar isso não tem o mínimo sentido", completou.

Manifestações

Ontem, cerca de 100 pessoas protestaram em frente ao STF para que a Corte não aceitasse os embargos infringentes.

O jurista Djalma Pinto acredita que após a decisão de ontem é inquestionável que a sociedade vai ficar descrente da atuação da Corte. "Quem exerce o poder atua como educador e, se comete infração grave e não sofre punição, acaba estimulando a criminalidade no grupo social", avaliou o jurista.

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