Com a decisão do último ministro, Celso de Mello, 12 dos 25 réus do mensalão terão direito a um novo julgamento
Brasília.
Responsável pelo voto que desempatou o julgamento, garantindo uma
segunda chance para 12 condenados por envolvimento com o mensalão, o
decano do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, afirmou ontem,
que os juízes da Corte têm de ser imparciais e não devem se expor às
pressões do clamor popular.
No
voto que durou mais de duas horas, Celso de Mello fez uma análise
histórica do direito dos réus de propor os chamados embargos
infringentes. Agora, eles terão 30 dias de prazo para ingressarem com os
recursos FOTO: STF/ FELLIPE SAMPAIO
Segundo ele, cabe ao
tribunal garantir um julgamento justo para todos os réus,
independentemente de sua condição social, política ou econômica. Celso
de Mello advertiu que os julgamentos do Judiciário devem ocorrer em
ambiente de serenidade e não podem deixar-se contaminar por "juízos
paralelos resultantes de manifestações da opinião pública".
A
análise dos novos recursos só deve ocorrer em 2014, após a publicação do
acórdão que resumirá as decisões tomadas no julgamento dos primeiros
recursos dos réus, quase todos rejeitados. Com a decisão de que haverá
novo julgamento em algumas penas, a aposta entre advogados de defesa é
que o caso dure pelo menos mais um ano.
Em seu voto, o decano fez
uma análise histórica do direito dos réus a propor os chamados embargos
infringentes e concluiu que pelas regras em vigor o STF não poderia
negar aos acusados a garantia a uma nova análise das condenações nas
quais eles haviam conseguido, pelo menos, quatro votos a favor da
absolvição.
Essa previsão está no regimento interno do STF, que,
segundo Celso de Mello, não foi revogado de nenhuma forma. No longo
voto, que consumiu mais de duas horas, ele deu recados para colegas de
tribunal. O ministro iniciou sua manifestação afirmando que
"independentemente da causa" teve um "efeito virtuoso" o fato de a
sessão do Supremo ter sido encerrada na última quinta-feira quando o
placar estava empatado em 5 a 5 e faltava apenas o voto dele.
Prazo de recurso
Os
ministros do STF decidiram dobrar de 15 para 30 dias o prazo para os
réus da Ação Penal 470, o processo do mensalão, ingressarem com embargos
infringentes, após a publicação do acórdão desta fase (texto final). No
entanto, negaram recurso do réu Pedro Correa (PP-PE), ex-deputado
federal, para que os embargos fossem aplicados também aos réus que
tiveram menos de quatro votos pela absolvição.
Durante a sessão, o
presidente da Corte, Joaquim Barbosa, pediu aos ministros a liberação
dos votos para que o acórdão seja publicado com rapidez.
A
decisão beneficia 12 condenados: João Paulo Cunha, João Cláudio Genu e
Breno Fischberg (crime de lavagem de dinheiro); José Dirceu, José
Genoino, Delúbio Soares, Marcos Valério, Kátia Rabello, Ramon
Hollerbach, Cristiano Paz e José Salgado (formação de quadrilha); e
Simone Vasconcelos (revisão das penas de lavagem de dinheiro e evasão de
divisas). No caso de Simone, a defesa pede que os embargos também
valham para revisar o cálculo das penas.
O ministro Luiz Fux foi
sorteado para relatar o recurso apresentado por Delúbio Soares em que
ele pede a revisão da condenação. Com isso, Fux ficará responsável
também pela análise inicial dos recursos de todos os réus que pedirão a
reanálise de seus processos. Na primeira etapa do julgamento, os votos
de Fux foram dados seguindo a orientação do relator Joaquim Barbosa,
quando 25 réus foram condenados.
Oposição
A
oposição na Câmara dos Deputados criticou duramente a decisão tomada
pelo STF e alegou que ela traz para os brasileiros uma sensação de
impunidade. O líder do DEM na Câmara, Ronaldo Caiado (GO), classificou o
desfecho dessa etapa do julgamento do mensalão de "nefasta". "É um
momento triste, uma página nefasta na história do Supremo Tribunal
Federal", disse.
O líder do DEM manifestou ainda preocupação de
que um novo julgamento resulte na prescrição de crimes e na diminuição
das penas impostas em 2012.
Já para o líder do PPS na Câmara,
deputado Rubens Bueno (SP), a manifestação do STF demonstra "que o país
da impunidade é o Brasil". Em nota divulgada pela liderança do partido
na Câmara, ele classificou ainda a decisão de "duro golpe contra a
credibilidade da Justiça".
Impacto eleitoral
A
aceitação dos embargos infringentes deve ter reflexos na campanha de
reeleição da presidente Dilma Rousseff (PT) no ano que vem. Essa é a
avaliação do especialista em pesquisas eleitorais e marketing político
Sidney Kuntz, ao mencionar que alguns dos beneficiados pela decisão são
correligionários do PT, mesmo partido da presidente Dilma.
Réus beneficiados
José Dirceu - ex ministro-chefe da Casa Civil
Delúbio Soares - ex-tesoureiro do Partido dos Trabalhadores (PT)
José Genoino - deputado federal e ex-presidente do PT
João Paulo Cunha - deputado e ex-presidente da Câmara (PT-SP)
Marcos Valério - publicitário considerado operador do mensalão
Ramon Hollerbach e Cristiano Paz - ex-sócios de Marcos Valério
Kátia Rabello - ex-presidente do Banco Rural
José Roberto Salgado - Ex-diretor do Banco Rural
João Cláudio Genu - Ex-assessor do deputado José Janene (PP)
Breno Fischberg - Empresário
Simone Vasconcelos - ex-diretora financeira da SMP&B
Decisão de Mello é fundamentada
A
decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de acatar novos recursos no
julgamento do mensalão é analisada do ponto de vista técnico como
juridicamente fundamentada, segundo a opinião de especialistas.
Manifestantes levaram pizza para fazer um protesto em frente ao prédio do Supremo FOTO: AGÊNCIA BRASIL
O
jurista Valmir Pontes diz que não há dúvidas de que o parecer favorável
do ministro Celso de Mello à apresentação dos novos recursos não foi
levado por motivação política. "Pessoalmente, acredito que ele podia ter
sido levado a outra interpretação jurídica de que a lei derrogou o
regimento interno do Supremo e, portanto, não seria cabível o agravo
regimental, mas é preciso maturidade para respeitar a decisão tomada
pelo STF", defende.
Na opinião do especialista, a credibilidade
do Supremo não pode ficar afetada por conta da retomada do julgamento do
mensalão. "Temos que aceitar as outras interpretações, nisto reside a
maturidade da democracia", opinou.
O jurista diz não acreditar na
possibilidade de que os réus saiam ilesos após a revisão das
condenações de defende a rapidez do julgamento para que haja prescrição
das penas. "É um compromisso cívico que o Supremo assume perante todo o
País".
O professor de Direito Constitucional da PUC-SP Roberto
Dias também alerta que a aceitação dos embargos infringentes é uma fase
prévia à análise do mérito do próprio recurso, o que não significa ainda
a discussão da absolvição dos réus. Dias aponta também que a nova
análise não pode representar a "eternização" do processo e ressaltou que
os ministros devem concluir o caso o mais rápido possível. "Postergar
isso não tem o mínimo sentido", completou.
Manifestações
Ontem, cerca de 100 pessoas protestaram em frente ao STF para que a Corte não aceitasse os embargos infringentes.
O
jurista Djalma Pinto acredita que após a decisão de ontem é
inquestionável que a sociedade vai ficar descrente da atuação da Corte.
"Quem exerce o poder atua como educador e, se comete infração grave e
não sofre punição, acaba estimulando a criminalidade no grupo social",
avaliou o jurista.
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