segunda-feira, 24 de junho de 2013

Os desafios de enfrentar as drogas


De cada 100 usuários, apenas cinco estão em casas de recuperação. Destes, somente 20% concluem o tratamento

Entrar e envolver-se em um universo regido pelas drogas é fácil. A expansão do tráfico para além das grandes cidades propiciou o amplo acesso a substâncias que, financeiramente, possuem baixo custo, mas cujas capacidades de aprisionar e corroer vidas são de valor alto demais para ser calculado. No Ceará, conforme dados da Central Única das Favelas (Cufa) de 2011, somente o crack transformou cerca de 100 mil pessoas em dependentes químicos. O número total de usuários, hoje, certamente é maior.

O tratamento precisa envolver medidas múltiplas, não apenas a médica Foto: Wellington Macedo

Sair desse mundo é a parte difícil. Conseguir desvencilhar-se das amarras, pedir ajuda e, o mais importante, obter ajuda, exige esforços tanto de quem quer se livrar do vício como dos responsáveis por prestar assistência. O alto índice de dependentes, entretanto, mostra que ambos os lados não têm obtido sucesso, seja pela resistência dos usuários em procurar tratamento, seja pela ausência de amparo fornecido pelo poder público.

No Ceará, conforme dados da Cufa de 2011, somente o crack transformou cerca de 100 mil pessoas em dependentes químicos Foto: Thiago Gaspar / Agência Diário

Segundo a Pastoral da Sobriedade Regional Nordeste 1, de cada 100 pessoas que consomem drogas cronicamente, apenas cinco em estão em casas de recuperação. Destas, somente 20% conseguem concluir o processo de reabilitação. Desistem na metade do caminho por falta de incentivo e de meios para superar a dependência.

Na visão de Rogério Melo, coordenador da pastoral, para que a terapia de combate ao vício seja efetiva, é necessário, primeiramente, entender a complexidade do problema. Ele destaca que, nos casos mais extremos, o efeito das drogas atinge o usuário por completo, provocando desgaste físico, psicológico e também social, afetando seu convívio em grupo.

Por conta disso, segundo Melo, o tratamento precisa envolver medidas em múltiplas esferas, não apenas a médica. "Todos esses aspectos devem ser trabalhados de uma maneira igualitária. Muitas vezes, as ações de recuperação conseguem visualizar só um desses estados, mas quando não é trabalhado o conjunto, não há êxito", avalia.

O representante da Pastoral da Sobriedade explica, ainda, que a relutância dos usuários em buscar saídas para a dependência é uma realidade. Conforme ele, admitir o mal e reconhecer a necessidade de enfrentá-lo é o primeiro passo rumo à recuperação. No entanto, ressalta que não são dadas condições para que o quadro seja revertido.

Assistência

"A resistência existe, mas o tratamento também é escasso. Há poucas casas de recuperação e pouco apoio do Governo a essas comunidades. Muitas dessas pessoas são de baixa de renda e não possuem meios de pagar pelo tratamento particular. Se não tiverem uma condição financeira favorável, vão ficar sem assistência", destaca Rogério Melo.

Em instituições privadas de Fortaleza, o custo da internação pode ultrapassar a quantia de R$2.000,00 por mês. Resta ao usuário que não pode arcar com as despesas recorrer ao sistema de saúde público, onde o tratamento é feito em leitos de acolhimento em hospitais e comunidades terapêuticas conveniadas à Prefeitura e ao Governo, ou por meio dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps).

Caps AD

Conforme os dados da Secretaria da Saúde do Estado (Sesa), existem 89 unidades em todo o Estado do Ceará, sendo 15 voltadas para o tratamento contra a alcoolemia e a drogadição, os chamados Caps AD. Destes, seis estão localizados na Capital. A assistência prestada nos centros, contudo, é insuficiente e precária, destaca o presidente do Núcleo de Psiquiatria do Ceará (Nupec), Adelmo Pontes.

Segundo ele, de profissionais a medicamentos, tudo está em falta nos Caps. Não obstante, por conta de deficiências em infraestrutura e no quadro de funcionários, Pontes relata que os poucos leitos psiquiátricos disponibilizados nessas unidades estão sendo desativados, deixando de atender os milhares de dependentes carentes de tratamento.

"Os Caps estão praticamente parados. Quem se encontra naquela fase aguda está praticamente desassistido. Todos precisam correr para o Hospital (de Saúde Mental) de Messejana", informa o psiquiatra.

A instituição, único hospital de emergência psiquiátrica do Estado, possui apenas 20 leitos para desintoxicação, voltados somente para o público masculino.

Fora estas, 56 vagas de internação são oferecidas pela Sesa em todo o Ceará. Já Fortaleza conta com um total de 123 leitos distribuídos em três dos Caps AD, na Santa Casa de Misericórdia e em comunidades terapêuticas conveniadas.

Consequências

Diante dos 100 mil usuários de crack no Estado estipulados pela Cufa, o somatório de vagas é ínfimo, avalia Adelmo Pontes. "Algumas pessoas procuraram o hospital sofrendo. Mães que querem tratamento para seus filhos, mas não há. As consequências dessa falta de cuidado podem ser nefastas, desde dependentes que cometem suicídio aos que praticam delitos para conseguir a droga", destaca.

VANESSA MADEIRA
ESPECIAL PARA CIDADE


SAIBA MAIS

CAPS AD - SER I
Rua Hidelbrando de Melo,1110 - Barra do Ceará. Tel: 3101.2592

CAPS AD - SER II
Rua Manoel Firmino Sampaio, 311- Cocó. Tel: 3105.1625

CAPS AD - SER III
Rua Papi Júnior, 1221- Rodolfo Teófilo. Tel: 3105.3420

CAPS AD - SER IV
Rua Bettel, s/n - Serrinha. Tel: 3105.2006

CAPS AD - SER V
Rua 26º Batalhão, 288 - Maraponga. Tel: 3105.1023

CAPS AD - SER VI
Rua Ministro Abner Vasconcelos, 1500 - Seis Bocas. Tel: 3105.2966


Ações prometem ampliar tratamento

A desestruturação existente nos Caps AD de Fortaleza tem deixado desamparados dependentes químicos em busca e em necessidade de cuidado. Embora reconheça o desmonte, Natália Rios, coordenadora da Célula de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), afirma que as falhas não impedem as unidades de funcionarem.

No entanto, a gestora afirma que a Prefeitura dará início à implantação de medidas que prometem ampliar o acesso a tratamentos contra as drogas. Segundo Natália Rios, até o fim do mês, profissionais serão contratados para suprir as carências nos Caps da cidade e, a longo prazo, outros seis centros AD devem ser construídos. Além disso, 24 novos leitos para desintoxicação, destinados a mulheres, crianças e adolescentes, estão sendo pactuados e devem funcionar na Maternidade Escola Assis Chateubriand e no Hospital Infantil Luis França.

O Governo do Estado também possui projetos em andamento no intuito de aumentar a oferta de terapias de combate à dependência química. Conforme Socorro França, assessora de Políticas Públicas sobre Drogas, está em processo de licitação a construção de um Centro de Desintoxicação com 80 vagas para tratamento e um conjunto de ações de reinserção social.

Socorro França afirma, ainda, que o Hospital de Saúde de Mental de Messejana também deve receber reforços, com a instalação de 20 novos leitos. Já nas comunidades terapêuticas, a coordenadora ressalta que o Governo Federal financiará o custeio de 323 vagas, além das 56 disponibilizadas atualmente pela gestão estadual.


Unidade de Acolhimento é inaugurada

Pelas diretrizes do Ministério da Saúde, o enfrentamento ao consumo de drogas deve ser feito a partir de medidas com foco na prevenção e no cuidado, principalmente, de usuários crônicos. Com isso em vista, a Prefeitura de Fortaleza inaugura, hoje, a primeira Unidade de Acolhimento Adulto voltada para o atendimento em tempo integral do dependente químico, localizada no bairro José Walter.

Segundo Natália Rios, o espaço funcionará 24 horas por dia e disponibilizará uma rede de profissionais formada por psiquiatras, assistentes sociais, enfermeiros, dentre, outros, que juntamente ao paciente, será responsável por elaborar um projeto terapêutico com o objetivo de orientar o tratamento. Aqueles que precisarem de internação terão acesso a 30 leitos.

"Esse equipamento foi pensado para os pacientes que estão buscando habilitação, referenciados pelos Caps, que já estão em tratamento, mas por conta da extrema vulnerabilidade precisam se afastar da sociedade para recuperação", destaca a coordenadora de Saúde Mental.

Aliado à Unidade de Acolhimento, hoje a Prefeitura inaugura, ainda, um Centro Integrado de Referência sobre Drogas, que se propõe a encaminhar usuários a serviços assistenciais. Juliana Sena, titular da Coordenadoria de Políticas Sobre Drogas, destaca que o local também atuará como um observatório, produzindo dados e pesquisas a respeito do consumo de substâncias tóxicas na Capital.

"Nossa meta é garantir o atendimento de qualidade, para que as pessoas com problemas relacionados às drogas tenham para onde se dirigir e, assim, as ações tenham mais efetividade", afirma Juliana.

Plano

Conforme ela, ambos os projetos fazem parte das metas de melhorias da atenção ao dependente, estabelecidas no Plano de Ações de Enfrentamento às Drogas, que será apresentado também hoje. As estratégias definidas se incluem nos eixos de prevenção, tratamento e reinserção social, e possuem resultados a curto, médio e longo prazo. Dentre elas, estão a abertura de mais vagas de acolhimento, a capacitação dos profissionais atuantes na rede de atendimento e ampliação de iniciativas que visem à prevenção por meio do esporte, da cultura, da educação e do lazer.

Juliana Sena ressalta, no entanto, que o plano tem o desafio de fazer com que população tenha acesso aos serviços, levando usuários de drogas à inclusão nos projetos. "Precisamos trabalhar para vincular essas pessoas em uma determinada modalidade de atendimento, de forma que ela possa usufruir do conjunto de ações", afirma.

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