segunda-feira, 13 de maio de 2013

Religião presente nos projetos da Câmara


Vereadores da Capital insistem em apresentar matérias privilegiando aspectos da religiosidade cristã

É comum ver tramitar na Câmara Municipal de Fortaleza projetos de autoria dos vereadores que tratam de assuntos ligados a aspectos religiosos. O presidente da Casa, vereador Walter Cavalcante (PMDB), é um dos autores desse tipo de propositura e afirma não ver nada demais em direcionar alguns de seus projetos para esse âmbito, mesma opinião compartilhada pelos demais parlamentares que se incluem nesse rol. Mas há quem discorde. O cientista político e professor da Universidade de Fortaleza (Unifor), Clésio Arruda, entende que, em um estado democrático de direito deve-se separar política e religião.

O vereador Elpídio Nogueira, que já apresentou proposições de cunho religioso, diz que os parlamentares têm esse direito no estado laico FOTO: VIVIANE PINHEIRO


O Brasil adotou em sua constituição o estado laico, ou seja, é oficialmente neutro em relação às questões religiosas. Na avaliação do cientista político, esse foi um dos principais avanços conquistados pela modernidade. Porém, para alguns parlamentares, isso não os impede de tratar sobre questão religiosas através das proposituras que apresentam no Legislativo, até porque são projetos que são submetidos à votação em plenário.Além dos projetos, a Casa também abre as portas para a realização de atos ecumênicos, com padres e pastores; para a entrega de títulos de cidadão de Fortaleza a líderes religiosos e também contará, na grade de programação de sua TV, com um programa de ato de natureza religiosa.

O plenário da Câmara de Fortaleza aprovou, há cerca de um mês e meio, um projeto de resolução que inclui na programação da TV Fortaleza a veiculação de um ato de natureza religiosa aos domingos. O programa ainda vai ao ar. "Que mal tem em falar de Deus numa TV pública?", questiona Walter Cavalcante, alegando não ver problema nenhum em a TV da Câmara de Fortaleza abrir esse espaço para as manifestações religiosas.

Na última sessão da Casa, os parlamentares aprovaram um projeto de resolução do vereador Elpídio Nogueira (PSB) que cria o título benemérito evangélico no âmbito de Fortaleza. Também é de autoria do socialista o projeto que cria, na Capital cearense, o Museu Municipal da Bíblia, outra proposta aprovada.

Proposituras dessa natureza não são novidades na Casa, pontua Elpídio Nogueira. Os parlamentares já aprovaram o Dia da Marcha por Maria, o Dia da Bíblia, dentre outros. Para o vereador, a sociedade é religiosa e, ao chegar ao parlamento, argumenta Elpídio, o político não deixa de lado a sua religiosidade.

Laico

Vivemos em um estado laico e democrático, lembra o vereador, por isso mesmo, argumenta, os parlamentares têm, sim, a liberdade de apresentar seus projetos e debater, na Casa, questões religiosas, até porque, entende, a maioria do País se interessa por religião.

Além disso, observa o vereador, o Brasil é um país laico, mas não é contra a religião, ressaltando que os brasileiros estão cercados por diversas manifestações e heranças religiosas, como a tradição de descansar aos domingos. O País não delimita nem interfere no aspecto religioso dos brasileiros, aponta Elpídio Nogueira, dando a liberdade de cada um manifestar sua religiosidade.

O vereador Vaidon Oliveira (PSDC) também está de acordo. Ele é o autor do projeto de indicação que sugere à Prefeitura de Fortaleza a criação da Curadoria Especial dos Fenômenos da fé e City Tur dos Roteiros Turísticos dos Fenômenos da Fé, um conjunto de ações motivadoras aos dirigentes e lideranças que realizam eventos nas áreas de turismo e fenômenos religioso.

Ele apoia o coro daqueles que concordam que cada parlamentar defende aquilo que acredita, podendo direcionar seus mandatos para as bandeiras que apoiam, como a religião, por exemplo. Apesar de não ser essa sua principal bandeira, assevera o vereador, ele não discorda que o segmento religioso tenha representantes no Legislativo.

Iguais

Para o cientista político Clésio Arruda, o que caracteriza a modernidade é o afastamento da religião da política. Cada indivíduo pode ter suas preferências religiosas, sexuais, suas diferenças étnicas mas, no campo político, todos devem ser iguais e ter direitos iguais como cidadãos. É o que se espera dos países mais avançados, defende o professor.

O mundo ocidental, moderno e capitalista, analisa, é obrigatoriamente laico. É esse tipo de orientação, observa, que vai permitir com que as questões ligadas aos diretos dos cidadãos possam ser discutidas sem que sejam mediadas por fatores religiosos, não correndo risco de entendimentos avançados no campo científico e no desenvolvimento técnico, por exemplo, sejam limitados por preceitos religiosos.

Se nos séculos passados, no ocidente, a Igreja tinha seu poder no Estado, agora não há mais, porém, observa Arruda, ainda há resquícios dessa relação. Embora tenhamos maioria cristã, o que temos assistido, atenta o professor, é uma fragmentação religiosa, com o surgimento de novas tendência.

A separação, no Legislativo brasileiro, das chamadas "bancadas religiosas", na visão do cientista político, é resultado da fragilidade dos partidos. Para Clésio Arruda, as legendas não são grupos de pessoas que constroem seus argumentos e ponderações em nome de seitas ou de religiões, mas baseados em ideologias, acreditando se necessário rediscutir as bandeiras que os partidos se propõem a defender.

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