segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Padre das multidões

Foto: Igor de Melo
 
Programas de rádio e TV, palestras, ensaios com a banda de músicos, shows, tarde de autógrafos. Pode não parecer, mas esta é a agenda de um padre. Do padre Reginaldo Manzotti. Aos compromissos diários do paraense de 43 anos somam-se, claro, atividades próprias de um sacerdote como celebração de missas, batizados, confissões, aconselhamento para casais... Não à toa O POVO só conseguiu concretizar a entrevista a seguir na quarta tentativa. E por 40 minutos cronometrados durante a última visita que Manzotti fez a Fortaleza.

Foi o quase centenário rádio que apresentou o padre ao Brasil e que o tornou amplamente conhecido, de ponta a ponta do País. Todas as manhãs, sagrado, sua voz é retransmitida por centenas de rádios, a partir de Curitiba: “Filhos e filhas, bom dia!”.

Mas Manzotti não deixou de lado as novas mídias, tem programa de TV, está no Facebook e no Twitter, além de manter o seu próprio portal, que traz desde a leitura bíblica até uma capela virtual.
Seu desafio é modernizar-se sem esquecer a tradição que sua igreja carrega. Atualizar parte mantendo a essência do todo. Para o religioso, um desafio que é da própria Igreja Católica. E urgente. É preciso se repensar e repensar especialmente a evangelização dos jovens e a postura frente à segunda união, cada vez mais comum no Brasil, como aponta na entrevista a seguir.

O POVO - Apesar de o senhor vir a Fortaleza várias vezes no ano, nunca teve tempo de agendar essa entrevista Hoje conseguimos 40 minutos na sua agenda e fomos orientados a vir só com fotógrafo, sem divulgar o local do encontro. Por que esse cuidado?
Pe. Reginaldo Manzotti - Nas vezes que venho nunca tenho uma grande margem de tempo. Praticamente duas vezes por ano, uma vez para pregar aos casais, atividade que me prende o dia todo. E todos os dias, faça chuva ou faça sol, onde quer que esteja no Brasil, eu tenho um programa de 10h às 11h, e nos sábados de 10h ao meio-dia. É um compromisso que não dá para mudar. Para você ter ideia, ontem fiz o programa, rezei missa ao meio-dia. À tarde tive gravação de TV. Saí 17h. Chegamos aqui uma e meia da manhã. Seis horas eu já estava de pé dando entrevista para a TV. De lá fui para a coletiva, que terminou meio-dia, e fui visitar as monjas carmelitas. Terminado as monjas carmelitas eram três da tarde, quando fui almoçar. Agora estou aqui com você. Daqui, eu vou para uma palestra com mil e poucos voluntários. Depois vou passar um som. Então, eu te conto o roteiro para você entender porque às vezes não é possível. Não é por não querer. É porque além das oficiais, eu procuro sempre fazer uma visita. Algumas coisas mais reservadas, como a visita ao Hospital do Câncer da vez passada. Essa agenda é complicada.
OP - O segredo da agenda então é mais para que as pessoas não sigam o senhor?
Pe. Manzotti - É para poder dar atenção às pessoas. Por exemplo, no hospital vou para visitar os doentes. Se criar uma grande movimentação, acho que é inadequado para o momento. Hoje, visitei as monjas carmelitas, era um momento de conversar com elas. Não é nada fugindo do povo. Pelo contrário. É uma questão de valorizar as pessoas que estou visitando.
OP - Mas não se pode esquecer que o senhor é cada vez mais conhecido. Em que momento o senhor percebeu sua importância enquanto figura pública?
Pe. Manzotti - Mas será que tenho essa projeção? Tenho minhas dúvidas. Eu percebo que as pessoas são muito acolhedoras. Percebi a importância quando gravei o DVD Milhões de Vozes, em Fortaleza, com um milhão e duzentas mil pessoas. Foi marcante, significativo. Eu tenho dito para mim que não precisa ser progressivo. Querer que se tenha mais gente a cada evento. Tem que ser cada vez mais qualitativo. Mas tem aumentado. Isso foi um presente de Deus que usou o povo de Fortaleza para me dar.
OP - Há alguma atividade que o senhor não faz mais hoje por ser o padre Reginaldo Manzotti?
Pe. Manzotti - Tem muitas coisas que não faço por questão de tempo. Porque eu tenho uma paróquia, uma rádio. Eu não consigo ir ao supermercado, não pela notoriedade, mas por falta de tempo. Às vezes, quando quero comprar alguma coisa, vou 23h, meia-noite. Eu sou muito tranquilo com isso. Abraço todo mundo. Brinco. Mas tem coisas que você tem que abdicar. São Paulo diz: “Tudo posso. Nem tudo me convém”. Por exemplo, não me convém ir à praia. Eu vou à praia de camisa e de calça? Eu iria para a praia de bermuda. Mas pergunto: E para pessoa que me vê, será edificante? Não! Então, eu me privo. Tudo posso. Nem tudo me convém mais. Para não ser motivo de escândalo para aquela pessoa que está enfraquecida na fé. São cuidados que você tem, não de ser uma pessoa fingida, mas de ser uma pessoa exatamente autêntica com aquilo que você é.
OP - O senhor mantém as atividades tradicionais de um sacerdote?
Pe. Manzotti - Isso para mim é uma questão de sobrevivência, é o meu pão de cada dia. Eu sou de missa diária, de rezar o terço todo dia. Eu confesso, atendo doentes, faço batizado. Isso é o cotidiano que eu jamais abriria mão.
OP - Há um momento reservado para a pessoa Reginaldo Manzotti? O que o senhor faz?
Pe. Manzotti - De manhã muito cedo. Trabalho muito com checklist. Quem trabalha comigo sabe que eu mando meus emails: pontos para o dia de hoje, um, dois, três.
OP - Foi obrigado a aprender ou já tinha esse hábito?
Pe. Manzotti - Tive que me fazer essa disciplina. Na minha mesa pessoal, tem o meu check list. Antes de dormir, eu faço. A última coisa que faço antes de dormir mesmo é ler o Evangelho do dia seguinte. Quando acordo, me coloco em oração. Levanto, faço meu café e me ponho em oração. Não faço nada antes disso. Depois, vou para a esteira. Vou fazer meu condicionamento porque tenho 1,90 metro. Estou com encurtamento em uma perna. Faço exercício para evitar dores e não ter problemas futuros. Estou com 43 anos. Então procuro um pouco dessa flexibilidade. Tenho que preservar o corpo que Deus me deu. Minha vida é muito exaustiva.
OP - O senhor acabou citando coisas ligadas à própria religião, tirando a academia. Não há um hobby, por exemplo?
Pe. Manzotti - Gosto de restaurar móveis antigos, mas hoje moro em um lugar que não me propicia isso. Não tem ventilação. Não bate vento. Então, já não tenho mais esse hobby. De modo geral, gosto de escutar música. Tenho uma seleção de músicas que gosto de ouvir. Todo mundo sabe que sou fã incondicional do Guns N´Roses. Gosto de ouvir quais são as mais pedidas, porque gosto de saber o que está tocando, que por sinal está um lixo. As coisas estão muito ruins e isso tem me incomodado.
OP - O conteúdo?
Pe. Manzotti - Principalmente conteúdo, mas melodia também. Começou um lerê lerê. Você já percebeu que todas as bandas têm que fazer um lerê lerê? Tudo bem! Parabéns, Gusttavo Lima! Esteve comigo aqui. Fizemos o “Milhões de Vozes”. Deu certo. Cadê a originalidade? Outra coisa: se escutou uma, escutou todas do momento. Quase os mesmos arranjos, quase os mesmos acordes.
OP - Escuta para fazer diferente?
Pe. Manzotti - Para ver alguma coisa que venha agregar, tentar fazer diferente. E para ver o que o povo está ouvindo porque eu tenho que ser uma pessoa conectada. Eu sou um cara conectado na internet, na notícia. Além do que leio em jornais e revistas, vejo televisão. Se eu não vejo, eu tenho um anjinho de Deus, a Fabiana (assessora de imprensa), que me passa as notícias mais relevantes do dia. Não dá para ficar em uma bolha. O fato de eu estar na rádio sempre me atualiza muito atualizado. Por exemplo, novela. Eu não assisto, mas tento acompanhar para onde está indo o pensamento das pessoas.

OP - Falando da infância e adolescência, o que mais lhe marcou?
Pe. Manzotti - Eu sou muito ligado à família, à minha mãe, ao meu pai que morou comigo seis anos e veio a falecer. Chorei no rádio muitas vezes. Foi uma via crucis. Hoje meus cinco irmãos, meus sobrinhos. É muito marcante para mim, além da família, um padre que me despertou para o seminário. Ele ainda está vivo com seus noventa e poucos anos. Foi o que me despertou para a vocação.
OP - Na adolescência?
Pe. Manzotti - Com 12 anos. Na graça de Deus. Olhei para ele: “puxa que bacana”. Um homem íntegro, culto, sério, excelente músico, muito voltado para as coisas de Deus. Também da adolescência, o seminário me marcou bastante. O seminário é muito bom. Requer mortes, mas diga qual escolha, qual vocação, qual profissão que não requer renúncias? Eu louvo muito a Deus a disciplina que fui educado com os carmelitas e os padres alemães. Isso foi muito bom. Algo que deveria voltar a ser feito. Todo dia íamos para a sala de televisão na hora do Jornal Nacional. Cada um com sua papeleta, anotávamos as notícias do dia. Terminava o jornal, desligava a TV e nós fazíamos um debate sobre o tema. Isso criou em mim um senso crítico muito grande. Quando li Paulo Freire, vi que estava sendo formado na minha consciência crítica. Eu tinha 11 anos. Isso falta. Hoje, as pessoas têm muita informação. A ‘Geração Google’ tem tudo mastigado, mas não percebe o que há por trás daquela informação. Ela é assimilada como verdade. Apenas absorvida.
OP - Sua decisão vocacional foi bem aceita pela família?
Pe. Manzotti - Não, claro. Eu era filho caçula. Sem falar nada em casa, eu mandei uma carta para o seminário. Encontrei o endereço numa revista. Isso em julho. Quando foi mais ou menos em outubro, estava voltando da escola, encontro um padre motoqueiro, alemão, na minha casa. Eu disse: “Mãe, tem um padre aí, mas foi eu que escrevi. Eu quero ir ao seminário”. Minha mãe quase não recebeu o padre. Primeiro que ela nem ofereceu almoço. Era hora do almoço. Ela ficou muito transtornada. Teve que assimilar, teve que aceitar. No outro ano, em março, fui levado para o seminário. Houve uma resistência, mas uma resistência boa. Depois houve aceitação, evidentemente, com o tempo.
OP - Os seus livros e CDs foram uma iniciativa pessoal ou à medida que o senhor foi evangelizando houve a necessidade, os fiéis lhe cobraram ou o próprio mercado?
Pe. Manzotti - O meu programa é muito interativo. As pessoas ligam e partilham suas dores e me fazem perguntas. Eu percebi que havia muitas perguntas recorrentes. Foi quando surgiu o primeiro livro: 10 Respostas que Vão Mudar sua Vida. Foram as perguntas que mais me fizeram. Eu parto do princípio, que é antiguíssimo, verba volant scripta manent. Quer dizer “Palavras voam, a escrita permanece”. Escrever um livro para mim foi tentar oferecer para as pessoas: não me escutou no rádio, mas está aqui. Como lidar com as drogas? E quando o casamento não está bem? Como lidar quando o sofrimento bate à porta? Como lidar com a morte? O segundo veio na sequência: Vinte Passos para a Paz Interior. Se você puxar um pouquinho a memória, lembrará daquele momento hippie, era paz e amor. Depois veio a liberdade da sexualidade, com a ideia: quando tivermos a liberdade para fazermos o que queremos, seremos felizes. Hoje alguém é mais feliz porque o sexo está escancarado? As pessoas estão frustradas. Elas estão voltando para o religioso, para a religiosidade, voltando a acreditar em uma força sobrenatural. Estou pregando Jesus Cristo. Essa força tem nome e lugar, é a Igreja Católica. Cada um faz sua escolha.
OP- O senhor aceita pregar Jesus participando de programas de massa na TV aberta?
Pe. Manzotti - A pergunta é: por que eu vou? Se o porquê é para somar na evangelização, eu vou. Mas eu sempre gosto de discutir a pauta. Se acreditar que a pauta não convém, não vou. Uma vez fui ao Lobão, que tinha um programa polêmico e queria falar sobre pedofilia dentro da Igreja. Eu vou, mas só que você vai dar tempo para eu falar. E fui. Vou quando é para a edificação daquilo que acredito, da missão de evangelizar.
OP - Um dos seus maiores canais de comunicação com o público é o radio. Durante todos esses anos, com os vários contatos que o senhor tem através desse veículo, muitas pessoas pedindo orientação, alguma dessas participações lhe deixou sem fala?
Pe. Manzotti - Já. Várias vezes. Aqui não lembro para citar um ou outro. As pessoas partilham e eu calo, eu não tenho resposta. Digo: “eu acolho tua dor, vou rezar”. Isso acontece com frequência. Não me sinto com a obrigação de ter resposta para tudo. Mas eu me sinto na obrigação de acolher tudo, mesmo que seja aquele que não eu não aceito, que tenha dificuldade. Eu também não sou de passar a mão, não. Por exemplo, uma pessoa ligou, estava com câncer, a vizinha e melhor amiga dela largou o emprego foi cuidar dela na quimioterapia. Ela sarou agora e me liga: “pois é, padre, eu passei por tudo isso, mas agora estou envolvida com meu vizinho, que é o marido da minha melhor amiga”. Eu falei: “Sua safada! Sem vergonha!” Gente, por favor! Não sei se você compreende mas o ser humano perdeu os pontos cardeais. Onde ficam a amizade, o altruísmo, doação, solidariedade? Às vezes, no rádio, falo pesado porque as pessoas precisam acordar. Estamos falando não só de amizade, mas de integridade, de salvação.
OP - O senhor falou dos pontos cardeais, de orientação. O senhor acha que é um problema das pessoas individualmente ou das instituições de uma forma coletiva?
Pe. Manzotti - A sociedade de um modo geral precisa redefinir quais são os pontos cardeais na política, na sociedade, na espiritualidade. A espiritualidade está uma bagunça, Jesus virou franquia. O ser humano precisa repensar esses pontos.
OP - Há alguma coisa na Igreja Católica que o senhor acha que precisa mudar?
Pe. Manzotti - Com certeza, precisa se repensar. Está sendo repensando. Essa Jornada Mundial da Juventude é um repensar da postura da Igreja frente ao jovem. A igreja está repensando e se reposicionando diante da segunda união dos ex-casados.
OP - O que o senhor pensa da segunda união?
Pe. Manzotti - As pessoas têm que fazer tudo que puder para salvar o casamento. O que não podemos aceitar é a banalidade. Trocar mulher e homem como se troca de roupas. Não é isso. A pessoa tem que sair de uma relação, se tiver que sair, consciente de que se esforçou de toda forma. Que fez de tudo, se empenhou. Depois, ela tem que passar por um processo de cura. Não adianta trocar. Os problemas acompanham a pessoa. Mas, e se aconteceu? Deixe na misericórdia de Deus. Faça caridade. Faça o bem. E eduque os filhos para a fé.

Manoella Monteiromanoella@opovo.com.br

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