O polêmico compositor Caetano Veloso: "As canções têm vocações diferentes. Algumas convidam as pessoas a tocá-las e outras, não" FOTO: KID JUNIOR |
Aos 70 anos, o baiano lança "Abraçaço", primeiro disco de inéditas em quatro anos. Aqui, ele fala de vida, música e da política
Discos como "Cê", de 2006, "Zii e Zie" (2008) e agora "Abraçaço" parecem um ato de coragem. Um fã clássico de Caetano dos anos 70 os ouve e diz que você deixou de fazer canções como fazia.
Eu sou assim mesmo, sempre fui. E não houve uma vez em que eu tenha lançado um disco que as pessoas não tenham dito algo parecido com isso.
Mas é uma provocação não voltar à corrente de canções que o fã clássico espera que volte?Discos como "Cê", de 2006, "Zii e Zie" (2008) e agora "Abraçaço" parecem um ato de coragem. Um fã clássico de Caetano dos anos 70 os ouve e diz que você deixou de fazer canções como fazia.
Eu sou assim mesmo, sempre fui. E não houve uma vez em que eu tenha lançado um disco que as pessoas não tenham dito algo parecido com isso.
Mas esse fã clássico que você descreve não é clássico. É um fã mediano. Os anos 1970 foram para mim um período com canções que se tornaram sucesso, algumas até tardiamente. Quando surgiu, "Terra" não tocava no rádio porque era longa e alguns diziam ser chata. "Sampa" não tocava quando saiu. "Leãozinho" é chavão de canção querida, mas teve muita reação contrária. "Odara" teve mais ainda. Elis Regina ridicularizou a música "Gente", por decisão dos diretores do show que ela fazia, mas ela me pediu desculpas.
As pessoas tocarão a música que você faz hoje no violão, quando estiverem na sala de suas casas?
As canções têm vocações diferentes. Algumas convidam as pessoas a tocá-las e outras, não. Mas conheci no Rio uns garotos de 19, 20 anos que têm banda de rock. E vi um menino tocando no violão uma canção do "Zii e Zie". Mas não é isso que diz que uma música funciona. Pode ser que muita gente precise mais ouvir um disco como o "Cê" tal e qual ele está gravado, com as canções como estão ali.
Mas grande canção não é aquela que fica bela quando passa pelo teste do violão?
Isso é uma das maneiras de uma canção pegar as pessoas, mas há outras. Há canções que não têm vocações violonísticas.
E é aí onde você está?
Não sei. Sabe que eu toco "Odeio" (do disco "Cê") só no violão e acho mais bonita assim até do que com a banda toda?
O tempo tem feito você se preocupar menos em agradar aos outros e mais a si mesmo?
Não, eu ainda penso no ouvinte hipotético, sinto a presença dos ouvintes hipotéticos, os imagino, mas a canção vai se impondo.
Sua obra traz letras enigmáticas, algumas bem difíceis. Sua voz é o que valida a profundidade de uma canção ainda que ela não seja entendida?
Bem, para isso servem as vozes (risos). Mas canções com letras que parecem indecifráveis têm muito apelo, têm atração forte. Na língua inglesa é uma tradição de décadas, você praticamente não entende nada e, no entanto, as pessoas gostam daquelas canções. São sugestivas porque têm palavras escolhidas que calham bem naquela melodia. Estou lendo o livro do David Byrne, "How Music Works", em que ele conta como decidia as palavras que usava nas melodias. E elas muitas vezes partiam do som. Aquilo é sugestivo, não explícito, não mastigado. "Qualquer Coisa" foi um grande sucesso, mas é quase um texto abstrato.
Prova de que as pessoas não ligam mesmo para o sentido daquilo que elas ouvem?
São os tempos. "A Bossa Nova É Foda", do disco novo, é quase um jogo de palavras cruzadas, uma charada, mas o importante é o essencial. E o essencial é que a bossa nova é foda. Ali há outras referências. Ao ouvir "o bruxo de Juazeiro", não é possível que uma pessoa não saiba a quem estou me referindo. E mesmo que "o magno instrumento grego antigo" seja uma maluquice, como se fosse outro desafio de palavras cruzadas, em seguida você ouve que "diz que quando chegares aqui que é um dom que muito homem não tem que é influência do jazz". Não é possível que não perceba que eu estou falando de Carlos Lyra.
Carlos Lyra?
Sim. Quando chegares aqui é o dom que muito homem não tem, da música Maria Ninguém, e a influência do jazz! São momentos-chave na história da composição de Carlos Lyra. E aí você pensa em magno, associa com Carlos. E instrumento grego antigo? Lyra. É uma brincadeira, mas não precisa a pessoa fazer isso. Eu faço, acho bacana.
Foi a ditadura que o ensinou a fazer isso?
Nunca atribuí à ditadura essa habilidade. Sei que muitas pessoas tiveram de fazer coisas em linguagem cifrada, mas isso vem do gosto mesmo, sou de uma geração que foi influenciada pelas letras de Dylan, mas o clima da época induzia a isso.
"Estou Triste" deve ser a canção mais triste que você já fez na vida. De onde saiu tanta tristeza?
Das coisas da minha vida (olha para baixo). Fiz porque estava mesmo triste e até fazer a canção me ajudou a superar aquele momento...
Você é um homem triste?
Também sou, mas não especialmente... Não sei dizer... Sou muito feliz com meus filhos, gosto muito de cada um, Moreno, Tom, Zeca...
Na única vez que tentamos falar sobre o mensalão senti que você não queria entrar no assunto, uma postura que não condiz com alguém que lutou até do exílio pela democracia do País...
Mas acho que não precisa de grandes interferências quando o Supremo Tribunal Federal já julgou essas pessoas. Me meter para quê? Agora, eu não compartilho com a visão dos petistas de que isso é um golpe da mídia golpista, acho ridículo e desrespeitoso com a população. Logo que o mensalão foi denunciado, Lula disse que tinha sido traído. Depois, de Paris, deu a entender que era caixa 2 e que todo mundo fazia no Brasil, ou seja, não tinha nada de mais. E agora está dizendo, ou insuflando as pessoas a dizerem, que é tudo golpe da mídia. Eu não gosto disso, sou contra essas jogadas superficiais. Mas acho Lula uma grande figura histórica, que esse período do Brasil é muito aproveitável e que coisas como essa são dores do crescimento. Acho que é isso, eu não sou... Olha, tem uma parte da imprensa, eu não vou falar... Eu me sinto mal. Quando eu vi a revista Veja com fogos de artifício na capa, eu achei vulgar, cafona, não me identifiquei com aquilo. E quando ouço também meus amigos petistas dizerem "ah, isso é um golpe da mídia", também acho que é ridículo e desrespeito com público. Minha opinião é independente dessas duas coisas. Acho que o que está acontecendo é o que tem de acontecer (as condenações). Fico triste de saber que José Genoino está nessa situação? Fico. Fico alegre porque José Dirceu está nessa situação? Não, mas acho que tem de ser. É isso, pronto, falei.
Passando ao Ministério da Cultura: Ana de Hollanda saiu sem conseguir fazer praticamente nada...
Mas ninguém consegue fazer muita coisa no MinC. Ana não teve tempo porque houve fatos eleitorais que a levaram ser substituída por Marta, motivações eleitorais.
Você está falando do apoio de Marta ao prefeito eleito Fernando Haddad, em São Paulo?
É, é isso. O que não quer dizer que ambas não sejam pessoas interessantes.
Ela deve fazer mais que sua antecessora?
Ela tem energia, mas eu não espero muito do MinC, o MinCé um negocinho.
Mas não é lá que deve estar a solução para os dilemas da Cultura de um País?
Pode até ser, mas não espero muito, é uma coisa com verba pequena, com peso pequeno no aparato do Estado. Gil fez muitas propostas importantes, um ministério marcante, mas não realizou coisas incríveis.
Você está falando tudo com uma calma surpreendente...
Eu acordei faz pouco tempo... Mas você quer que alguma coisa me enerve? (risos). Sabe que há um tempo um cara de um outro jornal chegou com um negócio escrito em um telex, em Salvador, no verão, enquanto eu lhe dava uma entrevista com uma preguiça, uma calma. E ele tentando tudo para me deixar nervoso. Depois, ele me mostrou o telex e disse: Olha aqui o que me mandaram da redação: "Tentar irritá-lo ao máximo" (risos).
Julio MariaAgência Estado
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