quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

IVONETE MAIA: Amanhecer em tempo de chuva

A chuva de uma quarta-feira de janeiro misturou-se aos finalmentes do tratamento
contra um câncer no esôfago e fez a jornalista Ivonete Maia, 73, transbordar.
 Foi abrindo portas e coração, que Ivonete recebeu O POVO,
no apartamento de uma das irmãs, para esta entrevista. Sara Maia
Abraçando a Capital que amanhecia com perfume de Interior, Ivonete Maia encarou rupturas e a máquina fotográfica. Passeou por Jaguaruana - seu sertão das memórias, pisou de novo em chão de taipa, voltou ao internato, reencontrou ensinamentos, cirandou com as saudades.

Ivonete está se despedindo de muitas coisas, para dar espaço a si mesma. Planeja ampliar o acervo particular de textos e cuidar das simplicidades. A vida se sobrepõe ao câncer e se equilibra na fé. Por se recuperar, Ivonete determina, olhando no espelho da fotografia: “Não me coloque no jornal chorando”.
A entrevista pausa na hora do lanche. Ivonete está cansada, pede para voltarmos na tarde seguinte. E noutro dia, e noutro. Até que talvez seja melhor arrematar a entrevista por email. Mas ela não responde a tempo desta edição. Ficam, para um novo amanhecer, a ACI e outros amores.
Do primeiro encontro, registram-se paisagens e despedidas, da infância ao jornalismo, no percurso do viver. Ficam ainda o abraço e o riso, e o gosto do pudim servido naquela manhã de chuva. Porque a vida tem que ser adoçada de vez em quando.


O POVO – Como a senhora amanheceu hoje, nesse tempo de chuva? A senhora diz que acha a Cidade bonita, na chuva...
Ivonete Maia – Acho linda, parece o Interior! Gosto tanto da minha cidade (Jaguaruana), do meu sítio... Vim porque o Ícaro (Moreira, 1952-2008, ex-reitor da Universidade Federal do Ceará/UFC) me chamou pra Ouvidoria. Ele morreu, “Pronto, acabou minha colaboração”. Aí, o Jesualdo (Farias, atual reitor da UFC) me chamou, e fui ficando.

OP – A senhora foi para Jaguaruana e voltou...
Ivonete – (Fiquei lá) 16 anos depois de aposentada. Na cidade, temos uma casa. Mamãe estava doente, teve AVC e ficou sete anos inválida. Ela morreu em janeiro, aí, ele (Jesualdo Farias) foi nomeado em junho (2008) e, por telefone (convidou): “Venha, é uma experiência”. Eu nunca tinha entrado numa Ouvidoria, mas deu certo. Diziam que se sentiam muito confortáveis comigo na Ouvidoria. Mas acabei com o conforto do Jesualdo em junho (2011), pra diminuir meu ritmo de trabalho e ficar só na ACI (Associação Cearense de Imprensa, de onde ainda é presidente). E ir pro meu sítio - tenho tanto livro pra arrumar, pra doar para as escolas. Mas que nada! Aconteceu isso, estou tratando de um câncer que já está sarado. Agora (janeiro passado), vêm os resultados do que foi feito pra sarar.

OP – No Natal, a senhora disse que foi na igreja católica e na Assembleia de Deus. Como está sua fé, depois do câncer?
Ivonete – Ela se fortalece. Você percebe como tudo é finito, pequeno... A fé fica mais fortalecida (ela enxuga o choro). A gente fica mais humano, faz uma reflexão muito grande em cima dessa soberba. Não tem nada a ver soberba na vida. E a gente se transforma numa pessoa melhor. (Nesse momento, a fotógrafa Sara Maia, vinda de outra pauta, se aproxima. Ivonete se preocupa: “Você já fez fotografia de gente careca? É melhor fazer mais de perfil, porque de frente é feio”). Pois bem. E isso não pode significar que eu seja melhor do que outra pessoa. Talvez falte alguma experiência desse tipo, para que se torne mais complacente, que acabe mesmo com essa soberba: “Sou jornalista, por isso, sou o tal, diferente”. Que nada! Sou igual à pessoa que está bem ali. A diferença é que ela não teve a chance de estudar, como eu tive. Só essa.

OP – Em que a senhora acha que melhorou? A senhora tinha soberba?
Ivonete – Era arrogante. Mas minha arrogância, venho combatendo de muito tempo... Fui da primeira turma de Jornalismo (UFC), já era jornalista na época que trabalhava n´O Nordeste, tinha passado pela Gazeta, Rádio Verdes Mares, Rádio Assunção. Na década de 60, sozinha. Por onde passei, era tratada de igual pra igual. E eu sabia que eles iam me ensinar a ser jornalista: um Morais Neto, no jornal O POVO, um Tancredo Carvalho... Os melhores jornalistas da época estavam no O POVO. Fui levada pra lá, em 68, pelo J. C. Alencar Araripe, editor e meu professor no curso (de Comunicação). Estou falando do O POVO, embora soubesse de um grande valor que estava no Correio do Ceará, nos Diários Associados, Juarez Temóteo. Juarez Temóteo foi um dos melhores cronistas e editorialistas que o Ceará já teve. Estava um Ciro Colares, na Tribuna... (aqui, ela pausa a resposta e faz outra observação) Estou com minha voz um pouco diferente, mas dizem que vai ficar tudo normal. Eu espero. Perdi uma corda vocal, acho que foi na radioterapia).

OP – Mas a senhora ainda tem voz...
Ivonete – Tenho! (risos) Para dizer: “Venha cá...” (risos).

OP – A senhora encontrou logo seu caminho, no jornalismo?
Ivonete – Encontrei. O Araripe disse: “O que você quer fazer no jornal O POVO?”. “Quero fazer tudo”. Pretensiosa! No dia seguinte, me apresentei ao Antônio Pontes Tavares – o grande líder da Redação. Era quem sabia das pautas e quem cobrava. Eu cobria educação, tenho mais de mil artigos. E ele: “Pois você vai fazer um editorial assinado sobre educação”. Achei ótimo porque vinha de O Nordeste, onde tinha uma página assinada. E ia começar a fazer um nome na profissão.

OP – Antes do impresso, a senhora passou pelo rádio. Foi sua primeira paixão?
Ivonete – Minha primeira paixão foi o jornal O Nordeste. Você vai dizer: “Conservador, da Igreja...”. Mas eu queria escrever. Queria que as pessoas vissem que eu tinha o que dizer. E fui pra Rádio Assunção, fui uma das fundadoras. Fui locutora, redatora, tudo. Aí, constatei que o rádio era muito interessante... (nesse momento, ela nos oferece água de coco) É lá do meu sítio. Por isso que eu quero ir embora pra lá. A água de coco é melhor do que a daqui (risos).

OP – Tudo da Jaguaruana é melhor do que aqui?
Ivonete – É! Minha mãe dizia: “Até a poeira da estrada, pra Ivonete, é melhor. É uma poeira que não faz nem mal pra garganta” (risos).

OP – E o que lhe trouxe de Jaguaruana pra cá?
Ivonete – É uma história pitoresca. Em 38, nasci em Jaguaruana. Meu avô teve 27 filhos, de três matrimônios. Papai, meio farrista, o vovô disse (ela desvia o pensamento)... Fui a primeira neta do segundo homem de maior patrimônio no município – de terra e gado. Ele disse (ao genro): “Você tá pensando em fazer da vida uma brincadeira?”. E comprou um sítio (nesse momento, a irmã serve a água de coco. Ivonete fica na expectativa da aprovação) Não é boa? Minha irmã veio de lá, agora. Trouxe tanta coisa da Volta...

OP – O nome do sítio é Volta?
Ivonete – É porque o rio Jaguaribe faz uma volta por lá. Então, meu avô comprou essa terra, 70 hectares. Um lugar que dava do alho ao gergelim. Terra fértil, uma beleza! Sou feliz hoje porque tive uma infância feliz. (emociona-se) Vovô era meu padrinho, me adorava porque eu era a primeira neta... Ele comprou essa terra a sete quilômetros da cidade e disse (ao genro): “Vá trabalhar! Você vai ser dono dessa terra, não vai mais ficar na cidade”. Papai, em 42, veio. E lá nasceram 12 dos meus irmãos – minha mãe teve 15 filhos, só um morreu prematuramente. Nosso destino era brincar, então, foi uma infância maravilhosa... Em 48, terminei meu tempo na escola rural. Minha mãe me alfabetizou e mandou pra escola rural. Em 48, eu já estava no ponto de vir pra cidade. Quando fui me despedir do meu professor, ele disse: “Menina inteligente, vai ser jornalista”. Impressionante, né?

OP – E o que a senhora imaginava que era ser jornalista?
Ivonete – Não imaginava nada, nem sabia o que era isso! Eu lia muita literatura de cordel e, quando voltava pra minha casa, nas férias (ela foi estudar em Aracati, aos 12 anos), encontrava aquelas comadres do papai e da mamãe, um monte de cordel pra eu ler, pra eles ouvirem, que eram analfabetos. Não é interessante?

OP – É bonita, essa cena...
Ivonete – É, parece que tô vendo: uma casa de taipa muito limpa, chão de barro, um banquinho no centro. Eles queriam que eu ficasse ali, sentada, e fosse ler os textos de cordel pra eles. (pausa) Esse é um dos fatos mais interessantes da minha vida. Eu lia alto, às vezes, dramatizando. Foi por aí que comecei a ser desinibida.

OP – E dando notícias do mundo, de alguma forma...
Ivonete – É. E gostando de estar com os outros. Eu reservava minhas férias para ler.

OP – O que a senhora gostava de ler?
Ivonete – Você não conheceu, mas seu avô ou sua mãe devem ter ouvido falar: O Tesouro da Juventude! Pegava dois volumes da biblioteca do colégio, trazia para as férias, era uma beleza! Então, essa roda de leitura foi interessante para que eu me desinibisse, ficasse uma pessoa meio enxerida! (risos) Mas, nas férias, também aprendi a nadar no rio Jaguaribe. A cumade Maria, que comprava o cordel, foi quem me ensinou. (ela pede para parar a gravação e diz, baixinho, uma danação de infância, sobre os banhos no rio. Depois, autoriza o gravador de novo e recomeça). Em 48, com dez anos, eu e minha irmã fomos para Jaguaruana, estudar no grupo escolar. Mamãe tinha alfabetizado e tava na hora de ir pra rua. Nós, da zona rural, dizíamos: “Vou pra rua”, significa que vai pra cidade. E fomos estudar, em 48, 49, 50. Minhas professoras do quinto ano e do terceiro ano se encantaram e eu tinha que estudar fora. Nessa época, tinham colégios de ensino secundário do Curso Normal em Russas, Aracati, no Baixo Jaguaribe. Elas se reuniram, chamaram o papai e a mamãe: “Vamos fazer um esforço pra ajudar vocês a mandarem a Ivonete pra Aracati”. O enxoval, colégio de irmã de caridade, que era o Imaculada, é igual no mundo todo: a farda, o sapato. Então, foi uma espécie de coleta, uma obra coletiva! (risos) Minha mãe, meu pai fizeram um esforço. Minha avó, que foi a grande timoneira, disse pro meu pai: “Ela vai estudar”.

OP – Por que seu pai não queria que a senhora estudasse?
Ivonete – Estudar pra aprender a fazer carta pra namorado? Era esse o raciocínio da época... Fui pro Aracati. (nesse momento, Ivonete repara na bota da fotógrafa e no sapato da repórter. “Estão com uns sapatos bonitos! E eu estou com esse chinelo desde o tempo da doença. Vou guardar depois numa vitrinezinha. É couro de avestruz, macio”). Aí, papai conseguiu que eu fosse pro internato. Foi a grande fase da minha vida. Muita gente condena o internato porque acha que isola as meninas, é um lugar que não forma a jovem. Ora, não forma quem não quer se formar. Porque lá aprendi a bordar... Aprendi tanta coisa que, se quisesse hoje utilizar na minha vida, utilizaria.

OP – Quanto tempo a senhora passou no internato?
Ivonete – Cinco anos. Aprendi até a arrumar uma mala! Como aprendi a respeitar as pessoas, a acordar pra ir pra missa - nem que fosse à força -, a inventar que estava com dor de cabeça, pra não ir à missa... Tomar remédio sem estar com dor de cabeça é fogo! Fora as outras doenças inventadas... Também tive maior gosto pela leitura. Aprendi um pouco de francês, latim, tudo isso servindo pra minha vida profissional mais tarde.

OP – Mas a senhora ficou com aquela história de ser jornalista na cabeça?
Ivonete – Não... Aprendi a jogar voleibol (era do time), a cantar no coro (era do coro da igreja), a ser uma pessoa responsável. Pelo fato de não pagar o colégio integral, a freira-secretária me perguntou: “Você pode dar 15 dias das suas férias pra me ajudar na secretaria? Tem uma coisa: você vai ter que imitar minha letra, pra fazer as atas de final de ano”... Ficar trabalhando nas férias pra compensar o semestre fez com que minha formação se completasse. O colégio ficava sem ninguém, e eu ficava observando. Fazia com canetas-tinteiro! Tenho vontade de saber onde é que ficam guardados esses livros, porque gostaria de fazer uma foto. Agora vou cuidar do meu acervo. Tenho 12 álbuns com o que escrevi. Tem mais coisa, que não colei por falta de tempo. Quero fazer isso, ainda. Então, meu tempo de formação foi o do internato. Acho excepcional estar com você mesma, observando a convivência das pessoas.

OP – A senhora saiu do internato para a Capital?
Ivonete – (19)55 era a última do Curso Normal. Vovó, que era muito viva, disse: “Vou mandar a Ivonete pra Fortaleza”. Vim pra casa de uma tia. Quando meu pai soube, enfureceu: "Aracati, tudo bem. Mas Fortaleza, longe daqui...”.

OP – Era sua avó paterna?
Ivonete – Não, era a mãe da mamãe. Ela tava se vingando dele. Porque a mamãe estudava aqui, no Colégio da Imaculada. Ela (avó) queria que a mamãe estudasse, era a única filha. E foi por umas férias em Jaguaruana que começou esse namoro. Mamãe, quando me teve, tinha 16 anos e nove meses. Vovó, só ela, tinha a opinião de não casar e vir pra cá. Ela disse (batendo na perna): “Minha neta vai ser gente, vai pra Fortaleza”. (nesse momento, Ivonete pergunta a hora. Eram 10h40 e ela estava inquieta, após cerca de 30 minutos de conversa).

OP – Sua avó venceu...
Ivonete – Venceu... Papai morreu de repente, mas sempre dizia pra mim que ficava muito feliz porque eu era jornalista. Então, vim pra casa de um tio, depois, de outro.

OP – E como a senhora fazia com a saudade de Jaguaruana?
Ivonete – Pois veja as rupturas... Em 48, fui para a cidade: foi a primeira ruptura, com minha infância, meu sítio, onde aprendi tanta coisa com meu pai: a saber porque aquele bacuri tinha uma marca diferente (marcavam-no para identificar os donos), essas coisas de vida de agricultor. E a primeira ruptura, quando fui pra Jaguaruana. Com 16 anos, vim pra cá. Outra ruptura. Estudei um ano no Colégio Santa Maria, fui pro Colégio Nossa Senhora das Graças. Quando terminei o Normal, convencida de que era a tal, voltei pra Jaguaruana. O vigário tinha o colégio da paróquia. Cheguei e disse: “Padre Aloísio, sou professora e queria que o senhor me arrumasse uma vaga no colégio da paróquia”. As cidades antigamente eram muito interessantes: as classes, nas escolas, eram menos numerosas, mais fáceis de acompanhar. Passava o professor, era a pessoa respeitada da cidade. A gente dizia com muito gosto: “Fulana foi minha professora”.

OP – Mas a senhora conseguiu a vaga?
Ivonete – O padre olhou pra mim: “Volte pra Fortaleza, que o seu lugar é lá!”. Ai, como fiquei frustrada... Queria tanto morar de novo perto da minha família... Isso foi em 58.

OP – E as pessoas mandaram na senhora até que ano? Todo mundo dizia: “Vá”...
Ivonete – A questão de mandar é porque tinha outras coisas: “Você vai encontrar melhores oportunidades. Busque, que vai encontrar”.

OP – E a senhora ia. Não tinha medo?
Ivonete – Ia. É claro que eu tinha medo. Mas tinha que enfrentar. E dizia pra minha avó: “Olhe, sou gente!”. O fato é que vim pra Fortaleza e encontrei trabalho.

OP – Como professora?
Ivonete – Não, como secretária do (Colégio) Nossa Senhora das Graças. Em 62, fui Banco de Crédito Comercial, do senhor Júlio Rodrigues, irmão do Martins Rodrigues. Funcionava na (rua) Floriano Peixoto, da Rádio Assunção. Aí, a rádio anuncia concurso pra locutora. Eu me inscrevi. O auditório do Colégio Cearense estava lotado. Passei. E quem era da Rádio Assunção era muito fácil ir pro jornal O Nordeste, porque ambos eram da Arquidiocese. Eu saía do emprego no banco, almoçava ligeiro, chegava na Rádio Assunção, terminava lá meu expediente e ia pro O Nordeste.

OP – O jornalismo, então, foi meio por acaso?
Ivonete – Eu ia pro O Nordeste, ficava trabalhando à noite. (nesse momento, ela pede à irmã Socorrinha que “traga o lanche das meninas”. Sem considerar a recusa, contrapõe: “Desde ontem que eu comprei”). Aí, fui fazer o vestibular para Letras. Fiz bem três, pra poder passar (risos). Era português, latim, francês, italiano - escolhi Letras Neolatinas. Quando passei, arrumei a vida de tal forma que não tranquei, mas não deixei nenhum emprego. O primeiro emprego que deixei foi o banco. Disse: “Agora, vou ser jornalista”. Tirei meu registro de jornalista. Nesse tempo, eu já tinha trazido as minhas irmãs pra cá. Morávamos perto do Colégio Cearense, na rua Conselheiro Tristão. Minhas irmãs trabalhavam no Centro. A gente se mantinha. Tinha as tarefas divididas.

OP – Eram quantas?
Ivonete – Cinco. Era como se eu fosse uma superiora, bem autoritária! (risos)

OP – Seu negócio sempre foi comandar...
Ivonete – Era autoritária pra dar tudo certo. E sempre deu. Dividíamos as despesas, as tarefas de casa. Aí, veio outra ruptura (ela volta ainda mais no tempo): em 54, eu tinha um namorado e o pai dele tinha que vir pra cá, para um tratamento médico. Eram proprietários de grandes extensões de terra. Namorei três anos: 13, 14, 15 anos, por aí. Ele disse: “Ivonete, vamos nos casar”. “Ai vamos?”. “Ou você casa, ou a gente acaba e você vai estudar”. “Pois vou estudar”.

OP – Seguindo: a senhora gostou logo do jornalismo?
Ivonete – Gostei! Em 61, na renúncia do Jânio, eu saía do jornal O Nordeste meia-noite. Ninguém tinha hora pra sair. Minha avó veio morar com a gente uma temporada e dizia que o patrão estava explorando!

OP – Então, é aquela cachaça mesmo...
Ivonete – Era uma cachaça, chegava e não sabia a hora de sair. E trabalhando com pessoas que vieram do jornalismo boêmio, que o jornalismo era sua vida, que, com o jornalismo, criou a sua família... Do jornal, ia papear nos bares, nas esquinas. Outra coisa: líamos o que produzíamos, fazíamos questão, pra descobrir algum erro. Comecei minha vida de jornalista pela revisão. Recebíamos a página em branco e íamos fazer desde a manchete até o fechamento da página. O fato é que eu não seria jornalista hoje. Vocês são escravos do computador. Ele pode ajudar, mas não é mestre exclusivo.

OP – Como foi a sua prática?
Ivonete – Foi com meus colegas. Com o advento dos cursos de Jornalismo, facilitou bastante: você aprende a fazer diferenças entre reportagem, artigo. Aprende a ter texto, a ser objetivo, a tratar suas fontes, a ética. A fazer a diferença entre picareta e aquele que quer levar a sério... (ela cruza pensamentos) Fui candidata a presidente do Sindicato dos Jornalistas (Sindjorce), quando era do O POVO, ganhei. Na ACI, ganhei. Estava habituada a chegar onde queria, mas sem estar derrubando ninguém porque isso aprendi no Aracati, no Colégio São José, na minha avó, na minha mãe. Que a gente tem que ter disciplina, vergonha na cara. Saí do O POVO para essas funções. Fui a primeira (mulher na direção do Sindjorce e da ACI). Era uma coisa, quando eu chegava nos lugares... Eu achava isso tão natural.

OP – Ser mulher, nesses comandos, mudava alguma coisa nas mesas de negociações?
Ivonete – Eu era uma pessoa muito moderada. Não saía por aí a falar do jornal tal, nem a reportar episódios. Era bem tratada e respeitada pelos empresários. Éramos tratadas com o maior respeito porque nunca chegamos pra dizer que a empresa tal era isso e aquilo. Defendia que as empresas tinham que resolver seus problemas pra poder conseguir ampliar aquela oferta de emprego.

OP – Qual era sua estratégia de luta sindical?
Ivonete – Fizemos uma greve, em 84. Tinha os editores. Editor, que a gente saiba, não faz greve porque exerce cargo de confiança. Eu compreendia isso. Com paciência, a gente consegue. Sem chutar o pau da barraca. Não era ser patronal, pelego. Se eu ia tomar café com o Demócrito (Dummar, presidente do O POVO de 1985 a 2008), na cantina do jornal, era querendo, individualmente, resolver problemas de alguém. O jornal pagava por quinzena. O pessoal foi receber a quinzena e comunicaram que não havia dinheiro. Eu estava habituada a receber na quinzena, tinha contas a pagar. Entrei na sala, conversamos e eu disse: “Por que não avisaram com antecedência, para que a gente tivesse nossas alternativas?”. Foi o suficiente para pagarem. E avisaram que no mês seguinte não tinha pagamento. É essa a forma que o presidente da entidade tem que lidar. É procurar as saídas... Hoje, é diferente. Até compreendo algumas atitudes, não compreendo outras. Mas o sindicalismo está muito diferente. (A entrevista é interrompida pelo lanche: pudim, com dois goles d´água. Fica pendente uma metade da vida de Ivonete Maia, a ACI e outros amores. Quem sabe, para um dia de sol).
Ana Mary C. Cavalcante
anamary@opovo.com.br

Sara Maia
saramaia@opovo.com.br
 

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