Entre os anos 70 e 80, os narizes vermelhos ganharam os hospitais, levando alegria e conforto aos enfermos |
Não muito longe dali, também nos Estados Unidos, mas em plena Nova Iorque, o palhaço Michael Christensen, diretor do Big Apple Circus, em 1986, foi chamado para apresentar-se numa comemoração em um hospital da cidade. Durante o evento, pediu para visitar as crianças internadas que não puderam participar. Estava plantada a semente da Clown Care Unit™, grupo de artistas treinados para levar alegria a crianças internadas em hospitais de Nova Iorque.
Nessa época, quem se havia mudado para a "Big apple" a fim de conhecer a cidade e, quem sabe, realizar o sonho de estrelar um musical na Broadway era o ator brasileiro Wellington Nogueira.
No Brasil
A ligação que mudaria a vida do ator não demorou a tocar. Ele atendeu prontamente, ainda que não muito confiante. Um amigo lhe chamava para ver o trabalho da Clown Care Unit em um hospital. Para ele, até então, o palhaço era um personagem menor e sua inserção em um centro médico parecia um tanto piegas. Mas ao ver o trabalho de Christensen, Wellington não só mudou de opinião, como ingressou na trupe norte-americana, que a essa época já tinha dois anos de fundação.
Em 1991, Wellington retorna ao Brasil após três anos e decide implantar a iniciativa em São Paulo. Em parceria com colegas franceses e alemães que também trabalhavam em projetos semelhantes em seus países, adentra os corredores do Hospital e Maternidade Nossa Senhora de Lourdes, atualmente Hospital da Criança. A ideia deu certo, tomou corpo e atualmente leva o nome de "Doutores da Alegria", que já possui sede em São Paulo, Belo Horizonte, Recife e Rio de Janeiro, e já realizaram mais de 800 mil visitas.
Com foco no atendimento a crianças, a instituição recebe apenas atores profissionais (mediante comprovação de registro, inclusive). Para brincar com o espaço do centro médico, nada mais justo do que se inserir usando a imagem do médico, símbolo de confiança e esperança. Desse modo, cada palhaço, no decorrer da longa preparação que lhes leva ao atendimento, escolhe para si um nome de doutor.
Os Doutores da Alegria expandiram e aprimoraram sua missão ao criar a Escola de Palhaços, um centro de estudos, com cursos gratuitos e pagos. Segundo a atriz Thais Ferrara, uma das responsáveis pela Escola de Palhaços, a seleção dos atores é bastante rigorosa, primando pela qualidade da palhaçada e a saúde do ator, que precisa de um preparo psicológico para lidar com o ambiente hospitalar.
Depois de selecionado, o candidato passa por um ano de treinamento até chegar às visitas aos hospitais. Inicialmente, segue como acompanhante, observando a rotina dos colegas mais experientes, só depois pode se testar sozinho. De acordo com as estatísticas da instituição, 95% dos alunos que ingressam na escola se formam, frequentando devidamente os dois anos de curso. Um número ínfimo de desistências.
Cenário local
No Ceará, alguns grupos também utilizam um modelo semelhante ao dos Doutores da Alegria. Muitos deles são voluntários, compostos por pessoas de qualquer formação; outros são de jovens universitários da área da saúde; e outros compostos por atores profissionais, que unem o trabalho com o desejo de levar alegria a um público diferenciado.
Este é o caso da Trupe do Riso, uma instituição fundada pela atriz Cristina Francescutti, desde 1999. "Há alguns anos, precisei passar mais de dez dias internada. Lá eu costumava acordar de madrugada, quando as enfermeiras, muitas vezes, estavam dormindo e visitar a maternidade. Ali eu ajudava no possível, ensinava as mães de primeira viagem a dar de mamar aos bebês e cantava pra elas. Isso foi muito gratificante pra mim e comecei a pensar em dar continuidade a esse trabalho quando saísse", relembra Cristina.
Assim surgiu a proposta de criação da Trupe, que já contou com grandes nomes do teatro cearense, como Cláudio Ivo e Ângela Escudeiro. Hoje a companhia conta com 12 profissionais, que se revezam sempre em duplas. Cada dupla trabalha por duas horas, seja em hospitais particulares (onde o serviço é contratado pela empresa), ou em públicos. Além da visita às crianças, a Trupe do Riso preocupa-se também com os adultos, do paciente ao funcionário do hospital.
"Nosso trabalho é bastante amplo, nesse sentido. Subimos ao andar da administração, fazemos ginástica laboral com os funcionários, brincamos com as enfermeiras. Esse é um serviço de humanização do hospital como um todo", explica Sueli Portela, a "Dra. Sirene", que está há 11 anos na Trupe do Riso. Segundo Jonathan Coutinho, que dá vida ao "Dr. Fom Fom" há dois anos, no início, os riscos de infecção assustam, mas logo a rotina se torna uma parte importante da vida de ator. "Eu buscava isso. Sair dos palcos e manter contato direto com as pessoas. Aqui eu tenho esse contato. Às vezes, saio de casa cansado, pensando em desistir, mas chego aqui e isso me reanima. É bastante gratificante", comenta. (MA)
Nenhum comentário:
Postar um comentário