Pesquisa indica que pelo menos 191 crianças e jovens em Fortaleza têm a rua como moradia permanente
A cena de meninos e meninas dormindo em lugares públicos já virou rotina para quem circula pelas ruas da capital cearense. Porém, muitos não imaginam o sofrimento e as histórias conflituosas que existem atrás de cada rosto. Alguns, não possuem nem familiares morando em Fortaleza. Provêm do interior do Estado, fugindo de maus tratos, exploração sexual e do trabalho infantil, outros vêm apenas por aventura e não conseguem mais voltar para casa.
Nesse perfil se encaixa o sobralense João de Deus (nome fictício),11 anos. Aos 10 anos de idade, pegou carona em um trem cargueiro que viajava em direção à Fortaleza e nunca mais deu notícia para a família. Depois de um ano morando nas ruas da Capital ele já passou por diversos abrigos temporários, mas sempre fugia. A desculpa do menino de não querer voltar para casa eram os maus tratos do padrasto.
A assistente social do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) de Sobral, Maria Gomes Fernandes, que acompanha o caso de João há três anos, conta que, aos oito anos de idade, ele foi encaminhado para um abrigo temporário em Sobral por uma denúncia de exploração de trabalho infantil, foi então que começou a sequência de fugas no próprio município. "Ele não queria mais voltar para casa e resolveu ir para Fortaleza, sabemos que ele está ai, mas não conseguimos trazê-lo de volta", diz. A reportagem do Diário do Nordeste tentou falar com a mãe de João, mas ela não tem telefone, o menino também não foi localizado por assistentes e educadores sociais da Capital.
Uma pesquisa realizada no ano passado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome aponta que existem 1.757 crianças e jovens em situação de rua em Fortaleza (usam a rua como abrigo temporário). Mas, um levantamento detalhado feito no primeiro semestre de 2011 pela Equipe Interinstitucional de Abordagem de Rua, indica que pelo menos 191 deles têm a rua como moradia permanente, ou seja, estão com os vínculos totalmente rompidos com os familiares.
Segundo Emanuel Torquato, coordenador da Equipe Interinstitucional de Abordagem de Rua, 13% dos entrevistados alegaram que o motivo da fuga para as ruas foi a exploração sexual, em segundo lugar com 12,6% estão empatados os vínculos familiares fragilizados e conflitos comunitários, em seguida estão a miséria com 9,4% e a violência com 3,7%.
O educador social Antônio Carlos da Silva que há pelo menos vinte anos convive diariamente com crianças e adolescentes residentes nas ruas da Capital, diz que a maior demanda de meninos desaparecidos ou "fugitivos" são provenientes dos municípios de Sobral e Juazeiro do Norte. Ele conta que quase todos fazem a viagem em trens cargueiros e muitos apresentam resistência em voltar para casa. "Oferecemos para eles todo o apoio, encaminhamos para abrigos temporários, mas a maioria resiste, foge, e
DESTINO
Vínculos rompidos por uma vida inteira
A cena de meninos e meninas dormindo em lugares públicos já virou rotina para quem circula pelas ruas da capital cearense. Porém, muitos não imaginam o sofrimento e as histórias conflituosas que existem atrás de cada rosto. Alguns, não possuem nem familiares morando em Fortaleza. Provêm do interior do Estado, fugindo de maus tratos, exploração sexual e do trabalho infantil, outros vêm apenas por aventura e não conseguem mais voltar para casa.
Nesse perfil se encaixa o sobralense João de Deus (nome fictício),11 anos. Aos 10 anos de idade, pegou carona em um trem cargueiro que viajava em direção à Fortaleza e nunca mais deu notícia para a família. Depois de um ano morando nas ruas da Capital ele já passou por diversos abrigos temporários, mas sempre fugia. A desculpa do menino de não querer voltar para casa eram os maus tratos do padrasto.
A assistente social do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) de Sobral, Maria Gomes Fernandes, que acompanha o caso de João há três anos, conta que, aos oito anos de idade, ele foi encaminhado para um abrigo temporário em Sobral por uma denúncia de exploração de trabalho infantil, foi então que começou a sequência de fugas no próprio município. "Ele não queria mais voltar para casa e resolveu ir para Fortaleza, sabemos que ele está ai, mas não conseguimos trazê-lo de volta", diz. A reportagem do Diário do Nordeste tentou falar com a mãe de João, mas ela não tem telefone, o menino também não foi localizado por assistentes e educadores sociais da Capital.
Uma pesquisa realizada no ano passado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome aponta que existem 1.757 crianças e jovens em situação de rua em Fortaleza (usam a rua como abrigo temporário). Mas, um levantamento detalhado feito no primeiro semestre de 2011 pela Equipe Interinstitucional de Abordagem de Rua, indica que pelo menos 191 deles têm a rua como moradia permanente, ou seja, estão com os vínculos totalmente rompidos com os familiares.
Segundo Emanuel Torquato, coordenador da Equipe Interinstitucional de Abordagem de Rua, 13% dos entrevistados alegaram que o motivo da fuga para as ruas foi a exploração sexual, em segundo lugar com 12,6% estão empatados os vínculos familiares fragilizados e conflitos comunitários, em seguida estão a miséria com 9,4% e a violência com 3,7%.
O educador social Antônio Carlos da Silva que há pelo menos vinte anos convive diariamente com crianças e adolescentes residentes nas ruas da Capital, diz que a maior demanda de meninos desaparecidos ou "fugitivos" são provenientes dos municípios de Sobral e Juazeiro do Norte. Ele conta que quase todos fazem a viagem em trens cargueiros e muitos apresentam resistência em voltar para casa. "Oferecemos para eles todo o apoio, encaminhamos para abrigos temporários, mas a maioria resiste, foge, e
DESTINO
Vínculos rompidos por uma vida inteira
Rocicleudo Freire de Melo, 45 anos de idade, há 35 não vê a família JOSÉ LEOMAR |
Histórias de meninos que se aventuram ou fogem do interior para a Capital não são novidade. Segundo especialistas há décadas essas ações se repetem. Foi o que aconteceu com Francisco Rocicleudo Freire de Melo, que tem, segundo ele, 45 anos. O senhor de aparência envelhecida e com cabelos grisalhos ainda guarda na memória o dia que saiu da cidade de Tabuleiro no Norte a 211 Km de Fortaleza e nunca mais viu os familiares.
"Eu tinha dez anos quando vim para a cidade grande escondido em um ônibus. Me envolvi com drogas, pequenos furtos e fui preso várias vezes. Aos 12, soube que minha mãe havia falecidos e depois disso, meu pai e irmãos foram morar em São Paulo, nunca mais os vi", conta. Rocicleudo passou a vida inteira dormindo em calçadas e praças da cidade, hoje, ele está morando na Casa de Passagem", local gerido pela Prefeitura de Fortaleza que recebe pessoas que perderam o rumo da vida e os vínculos familiares.
E além das histórias das famílias desaparecidas, há dezenas de idosos que chagam sem endereço ou qualquer lembrança de um passado recente. É o caso de Benvindo da Silva Viana, 51 anos, encontrado há três semanas muito debilitado por servidores do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência nas ruas do bairro Vicente Pinzón.
Hoje, abrigado na Casa de Passagem, educadores sociais do órgão não têm nenhuma pista de familiares do idoso.
Segundo a Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas) atualmente, estão cadastrados e são acompanhados sistematicamente pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social 1.298 pessoas. Já no Espaço de Acolhimento Noturno o número é e 390 pessoas. Totalizando 1688 pessoas em situação de rua cadastradas e acompanhadas sistematicamente pela Secretaria.
A opinião do especialista
Lídia Valesca Pimentel
Doutora em Sociologia
Invisibilidade na cidade
"Eu tinha dez anos quando vim para a cidade grande escondido em um ônibus. Me envolvi com drogas, pequenos furtos e fui preso várias vezes. Aos 12, soube que minha mãe havia falecidos e depois disso, meu pai e irmãos foram morar em São Paulo, nunca mais os vi", conta. Rocicleudo passou a vida inteira dormindo em calçadas e praças da cidade, hoje, ele está morando na Casa de Passagem", local gerido pela Prefeitura de Fortaleza que recebe pessoas que perderam o rumo da vida e os vínculos familiares.
E além das histórias das famílias desaparecidas, há dezenas de idosos que chagam sem endereço ou qualquer lembrança de um passado recente. É o caso de Benvindo da Silva Viana, 51 anos, encontrado há três semanas muito debilitado por servidores do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência nas ruas do bairro Vicente Pinzón.
Hoje, abrigado na Casa de Passagem, educadores sociais do órgão não têm nenhuma pista de familiares do idoso.
Segundo a Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas) atualmente, estão cadastrados e são acompanhados sistematicamente pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social 1.298 pessoas. Já no Espaço de Acolhimento Noturno o número é e 390 pessoas. Totalizando 1688 pessoas em situação de rua cadastradas e acompanhadas sistematicamente pela Secretaria.
A opinião do especialista
Lídia Valesca Pimentel
Doutora em Sociologia
Invisibilidade na cidade
Marcos Paulo, 15 anos, nascido no município de Juazeiro do Norte, está há quatro meses vivendo nas ruas da Capital. O menino viajou escondido num trem cargueiro JOSÉ LEOMAR |
A saga dos indivíduos que se perderam de seus familiares, dos desaparecidos, dos que estão em situação de rua, dos que romperam com os vínculos familiares, dos que sofrem de transtornos mentais, entre outros que vivem distantes de seus familiares e comunidade de origem, pode ser pensada a partir das relações na cidade. Viver na cidade grande implica em uma experiência de interações complexas, e, frequentemente anônimas. Ao contrario da vida no meio rural, que é baseada nos valores do coletivo e da comunidade, a vida nas grandes cidades é marcada pela solidão. O individuo está, frequentemente, isolado, e, mesmo na multidão, ele não colide com o coletivo, mas nele se dilui e se dispersa. Na heterogeneidade da rua, os que romperam com os vínculos familiares, entre eles os moradores de rua, realizaram cortes significativos com sua identidade comunitária de origem, resignificando a sua existência nos fluxos da cidade. Sozinhos, na maioria das vezes, eles empreendem percursos que os distancias de seus familiares, levando-os a uma errância pelos diversos espaços e a um anonimato recorrente. Como dizia Walter Benjamim, se referindo ao flanêur, "ele está sozinho na multidão", e pode com isso, se esconder na rua, tornando-se invisível. É na invisibilidade que o legal e ilegal assume contornos tênues. Uma vez encontrei uma mulher que vivia nas ruas durante muitos anos, ela sofria de alcoolismo e se recusava aos apelos da assistente social para ir retirar os seus documentos. Depois de conversarmos por um tempo, ela me falou que havia cometido um crime em outro estado e havia fugido para Fortaleza, deixando seus filhos e familiares para trás. Se fosse tirar os documentos, poderia ser presa. Vivendo no anonimato, sem documentos e sem a garantia dos direitos fundamentais, os que vivem nas ruas, vão perdendo o "fio da meada" de suas relações primarias e constroem para si um novo modo de viver errante e fluido. Para sobreviver na rua, os sujeitos constroem interações diferenciadas, formando, muitas vezes, uma rede solidária composta por pessoas, grupos e instituições informais É desse modo que os "invisíveis" vão vivendo, entrecortando seus caminhos nos fluxos da cidade.
KARLA CAMILAESPECIAL PARA CIDADE
KARLA CAMILAESPECIAL PARA CIDADE
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