Por meio de brincadeiras agressivas, crianças e adolescentes mostram a realidade que vivem dentro de casa RODRIGO CARVALHO |
Escola tem segurança armada há dois anos; para especialista, medida é antipedagógica e prejudicial aos alunos
Às 15h30, toca o sino da Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental e Médio Frei Tito de Alencar. É a hora do recreio. Neste momento, crianças saem correndo pelo pátio e o grito que se houve é um só: "Vamos brincar de peia, vamos brincar de peia".
Embora o colégio seja um ambiente educacional e de formação, é lá dentro que os alunos mostram, em suas brincadeiras, o que vivem dentro de casa e na comunidade. A unidade escolar possui 1.100 alunos, na faixa etária de 4 a 17 anos, e há dois anos tem sua segurança feita por quatro homens armados, pertencentes a uma empresa privada.
A pedagoga responsável pela escola, Maria Jurandir Carneiro, explicou que nunca fez nenhuma solicitação desta natureza à secretaria Municipal de Educação (SME), e que foi o órgão que enviou os quatro seguranças para o colégio devido à violência do entorno.
"Aqui, não sofremos nenhuma ameaça por parte dos alunos, mas a comunidade que nos cerca é bastante violenta. Semana passada, o padrasto de um aluno foi assassinado", disse.
Jurandir conta que a violência vivida dentro da escola é de outra natureza, são dos próprios alunos contra eles mesmos, são as depredações ao patrimônio escolar, como pichações, além do repasse e consumo de drogas.
Hoje, não é permitida a saída de mais de um aluno da sala de aula para ir ao banheiro. A medida veio após a denúncia de que estava havendo o uso de drogas dentro do local. "Porém, essa estratégia não é totalmente eficaz, pois não temos fiscais dentro dos toaletes", explicou.
Jurandir conta que, muitas vezes, separou alunos que estavam trocando chutes e murros. "Porém, quando eu cheguei lá, eles me olharam e disseram: ´calma tia, a gente tá só brincando de peia´", lembra.
A medida tomada pela direção da escola para diminuir esses episódios foi dividir os horários do recreio. Antes, eram todos juntos. Agora, os alunos do 6º ao 9º ano têm um intervalo às 14h40, e os alunos do infantil ao 5º ano, às 15h30.
"Fora isso, abrimos nossa sala de informática no recreio para que eles possam se distrair de outra forma, assim como estamos passando filmes dentro da biblioteca", diz a responsável.
Problema social
Para a coordenadora do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (Cedeca), Margarida Marques, a atitude da SME de colocar segurança privada e armada na escola é antipedagógica.
"Primeiro, eles (as instituições) não têm uma formação que os prepare para lidar com as crianças adolescentes. Além disso, se nós começarmos a colocar seguranças nas escolas para resolver a violência, nós vamos estar desvirtuando o lugar que a escola tem na sociedade, que é de tratar e discutir", explicou.
Margarida acrescentou que tem de existir um diálogo com a sociedade e com as famílias. "Este não é um problema só das escolas. É preciso uma presença maior do Estado na comunidade e resolver o problema do entorno", acredita.
A opinião do especialista
Ambiente é alvo fácil
Não é de surpreender que numa sociedade em constante crise ética e familiar, que vê a intensificação de condutas narcisistas devido a uma cultura individualizante, ocorram cada vez mais casos de violência nas relações sociais e nas escolas. A presença de atos perversos nas instituições de ensino chega por meio do bullying e da agressão física, a essa é acrescida a crise motivacional dos alunos, a crise de identidade profissional do professor e as patologias que aparecem em consequência: o estresse e a síndrome de burnout. Fica, portanto, o espaço escolar como um local onde os laços sociais não se construam de forma saudável.
A transgressão e a rebeldia sempre foram características da pré-adolescência e da adolescência. As escolas sempre souberam disso e aprenderam a lidar com essa realidade. Atualmente, a rebeldia dos jovens se soma à falta de politização, a uma ausência de um sentido na vida e a uma ênfase exagerada nos próprios problemas. O jovem vive o seu mundo como se só existisse ele, qualquer obstáculo ao seu desejo de prazer é tratado com revolva e agressividade que muitas vezes pode transformar-se em violência, uma violência sem sentido, sem foco, uma linguagem sem direção - é a rebeldia pela rebeldia - uma agressividade anárquica.
Crianças e adolescentes com o perfil de revolta descrito, possuem tendência a ter uma rebeldia extremada, ser violentos com todos, ser bagunceiros, depredarem o patrimônio público e ser apáticos em relação as suas obrigações. Nos colégios, têm comportamento anti-escola, canalizam sua insatisfação com o mundo para lá por ser essa a instituição social mais fácil e próxima de ser agredida, sendo seus colegas e o patrimônio os alvos prediletos, além dos professores, as autoridades sociais mais fáceis de ser atingidas.
A superação dos conflitos na escola é possível, apesar das características da sociedade contribuírem para dificultar o processo. Resgatar a autoridade do professor é um passo importante, uma autoridade legítima, com credibilidade, autonomia e respeitado no seu conhecimento. Ter um ensino de qualidade e uma disciplina escolar rigorosa, mas dialogada, ajudam bastante.
Marco Aurélio de Patrício Ribeiro, psicólogo e mestre em Educação
THAYS LAVORREPÓRTER
Às 15h30, toca o sino da Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental e Médio Frei Tito de Alencar. É a hora do recreio. Neste momento, crianças saem correndo pelo pátio e o grito que se houve é um só: "Vamos brincar de peia, vamos brincar de peia".
Embora o colégio seja um ambiente educacional e de formação, é lá dentro que os alunos mostram, em suas brincadeiras, o que vivem dentro de casa e na comunidade. A unidade escolar possui 1.100 alunos, na faixa etária de 4 a 17 anos, e há dois anos tem sua segurança feita por quatro homens armados, pertencentes a uma empresa privada.
A pedagoga responsável pela escola, Maria Jurandir Carneiro, explicou que nunca fez nenhuma solicitação desta natureza à secretaria Municipal de Educação (SME), e que foi o órgão que enviou os quatro seguranças para o colégio devido à violência do entorno.
"Aqui, não sofremos nenhuma ameaça por parte dos alunos, mas a comunidade que nos cerca é bastante violenta. Semana passada, o padrasto de um aluno foi assassinado", disse.
Jurandir conta que a violência vivida dentro da escola é de outra natureza, são dos próprios alunos contra eles mesmos, são as depredações ao patrimônio escolar, como pichações, além do repasse e consumo de drogas.
Hoje, não é permitida a saída de mais de um aluno da sala de aula para ir ao banheiro. A medida veio após a denúncia de que estava havendo o uso de drogas dentro do local. "Porém, essa estratégia não é totalmente eficaz, pois não temos fiscais dentro dos toaletes", explicou.
Jurandir conta que, muitas vezes, separou alunos que estavam trocando chutes e murros. "Porém, quando eu cheguei lá, eles me olharam e disseram: ´calma tia, a gente tá só brincando de peia´", lembra.
A medida tomada pela direção da escola para diminuir esses episódios foi dividir os horários do recreio. Antes, eram todos juntos. Agora, os alunos do 6º ao 9º ano têm um intervalo às 14h40, e os alunos do infantil ao 5º ano, às 15h30.
"Fora isso, abrimos nossa sala de informática no recreio para que eles possam se distrair de outra forma, assim como estamos passando filmes dentro da biblioteca", diz a responsável.
Problema social
Para a coordenadora do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (Cedeca), Margarida Marques, a atitude da SME de colocar segurança privada e armada na escola é antipedagógica.
"Primeiro, eles (as instituições) não têm uma formação que os prepare para lidar com as crianças adolescentes. Além disso, se nós começarmos a colocar seguranças nas escolas para resolver a violência, nós vamos estar desvirtuando o lugar que a escola tem na sociedade, que é de tratar e discutir", explicou.
Margarida acrescentou que tem de existir um diálogo com a sociedade e com as famílias. "Este não é um problema só das escolas. É preciso uma presença maior do Estado na comunidade e resolver o problema do entorno", acredita.
A opinião do especialista
Ambiente é alvo fácil
Não é de surpreender que numa sociedade em constante crise ética e familiar, que vê a intensificação de condutas narcisistas devido a uma cultura individualizante, ocorram cada vez mais casos de violência nas relações sociais e nas escolas. A presença de atos perversos nas instituições de ensino chega por meio do bullying e da agressão física, a essa é acrescida a crise motivacional dos alunos, a crise de identidade profissional do professor e as patologias que aparecem em consequência: o estresse e a síndrome de burnout. Fica, portanto, o espaço escolar como um local onde os laços sociais não se construam de forma saudável.
A transgressão e a rebeldia sempre foram características da pré-adolescência e da adolescência. As escolas sempre souberam disso e aprenderam a lidar com essa realidade. Atualmente, a rebeldia dos jovens se soma à falta de politização, a uma ausência de um sentido na vida e a uma ênfase exagerada nos próprios problemas. O jovem vive o seu mundo como se só existisse ele, qualquer obstáculo ao seu desejo de prazer é tratado com revolva e agressividade que muitas vezes pode transformar-se em violência, uma violência sem sentido, sem foco, uma linguagem sem direção - é a rebeldia pela rebeldia - uma agressividade anárquica.
Crianças e adolescentes com o perfil de revolta descrito, possuem tendência a ter uma rebeldia extremada, ser violentos com todos, ser bagunceiros, depredarem o patrimônio público e ser apáticos em relação as suas obrigações. Nos colégios, têm comportamento anti-escola, canalizam sua insatisfação com o mundo para lá por ser essa a instituição social mais fácil e próxima de ser agredida, sendo seus colegas e o patrimônio os alvos prediletos, além dos professores, as autoridades sociais mais fáceis de ser atingidas.
A superação dos conflitos na escola é possível, apesar das características da sociedade contribuírem para dificultar o processo. Resgatar a autoridade do professor é um passo importante, uma autoridade legítima, com credibilidade, autonomia e respeitado no seu conhecimento. Ter um ensino de qualidade e uma disciplina escolar rigorosa, mas dialogada, ajudam bastante.
Marco Aurélio de Patrício Ribeiro, psicólogo e mestre em Educação
THAYS LAVORREPÓRTER
Nenhum comentário:
Postar um comentário