domingo, 2 de outubro de 2011

Cantoria de dramas populares


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Dramistas cantam histórias rurais na comunidade. Os músicos acompanham com os instrumentos regionais
FOTOS: MELQUÍADES JÚNIOR

Mulheres de Quixeré têm o prazer de sair pelas comunidades cantando os dramas vividos pelas famílias sertanejas
Quixeré. A quantidade que se vive é medida na intenção de como se pretende viver. "Depois de velhas", algumas senhoras aposentadas num lugar ermo do sertão de Quixeré decidiram compor e cantar dramas, como faziam nos tempos de moça. Em cada canção, um pouco das histórias e dos sonhos. Os músicos da comunidade acompanham com os instrumentos regionais. Agora, viajam pelas cidades em apresentações culturais. E fazem dos aplausos recebidos o principal cachê, distração e fuga da depressão. Com idades a partir de 64 anos, as Dramistas de Quixeré chegam em casa até de madrugada vindas sabe-se lá de que distância. Uns maridos acham ruim, outros entendem. Elas não ligam, e fazem questão de dizer que, de uma forma sadia e respeitosa, estão revivendo a mocidade.

Conhecida
Na comunidade, dona Maria Rodrigues de Sousa é "Maria da Capela". Perguntar onde ela mora e logo alguém vai apontar que é bem ali. "Achou a capela, achou a casa dela, que é logo ao lado", afirmou uma moradora enquanto a reportagem seguia infindáveis becos e estradas carroçáveis rumo à Lagoa da Casca, uma comunidade de Quixeré situada na Chapada do Apodi. Fora dali, ela e as "colegas" são as Dramistas de Quixeré. Na base da memória e da oralidade, elas saem por aí entoando versos e rimas com as letras das dramistas do passado. Também inventam canções da vida de hoje em dia. Como ela é ou como desejam que fosse.

"Eu, quando não estou cantando, confesso para você: fico triste, chorando pelos cantos. Porque você ficar o dia em casa, às vezes a semana inteira, quase sem ver ninguém, não, Deus me livre. E quando eu saio com as meninas pra cantar me sinto tão bem, é melhor do que meu remédio da pressão alta", diz Maria Rodrigues. Ela toma conta da capela de Nossa Senhora da Imaculada Conceição. É também quem puxa o coro nas canções da igreja.

Integrantes do grupo
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As dramistas, antes de saírem para suas apresentações, ensaiam em suas comunidades. Se vestem com roupas apropriadas e colocam faixas como as misses

Fatinha, Maria, Suzana e Raimunda. As dramistas que brincam hoje são as mesmas de antigamente, de acordo com Maria da Capela, de 70 anos - "sou a mais velha do bando". Ela diz que tirando o peso do corpo e da idade, a ossada cansada e os fios brancos, quando começa a cantar se sente uma menina, como fora um dia. "Era quando a gente pegava uma garrafa, um pavio, enchia de querosene e corria pro terreiro, deixar tudo alumiado. Pegava umas mesas, juntava todas e dançava em cima".

Hoje, elas confeccionam a própria roupa de apresentação. Colocam uma faixa igual à das misses, em que esta escrito "Dramistas de Quixeré". Nenhuma sabe ler, e na base da memória e da oralidade vão lembrando e decorando as músicas, bem como criando outras.

A Chapada do Apodi ficava pequena para o grupo de mulheres dramistas. Era na carroça do pai de Maria, seu Pedro Venceslau de Lima, que as meninas seguiam em "turnê" pela Chapada. Cantar pelo simples prazer de cantar. Hoje seu Pedro só escuta de longe o coro das dramistas. Aos 91 anos e sem as duas pernas, ele passa dia e noite numa cama com um ventilador para espantar as moscas de dia e muriçocas à noite. E numa rede do lado vive sua esposa, a dona Maria Margarida, que leva o nome das flores que as brincantes tem nos chapéus das indumentárias de apresentação pelo Interior.

Fique por dentro
Disseminação das gerações

A transmissão de saberes pela oralidade sempre foi uma vertente das comunidades rurais. No Estado do Ceará, grupos de mulheres criam canções que falam da vida no campo, da lida doméstica, das festas e santos populares, das alegrias, dos sonhos, da luta pela afirmação das identidades e singularidades culturais. Juntam-se em pequenos grupos e apresentam suas canções para as comunidades, geralmente, acompanhadas de sanfona, pandeiro e zabumba. Essa brincadeira ficou conhecida como dramas rurais. E assim como no Município de Quixeré, localizado na região do Vale do Jaguaribe, dramistas de outras regiões do Interior conservam na música os saberes das gerações passadas. E isso encanta a todos que têm a oportunidade de ver as apresentações.

MAIS INFORMAÇÕES
Dramistas do Município de Quixeré -Vale do Jaguaribe
Telefone: (88) 9450.5007
Falar com Aloísio

PRESERVAÇÃO DA CULTURA

Grupo quer apoio para gravar CD

Quixeré. Os dramas rurais da Lagoa da Casca foram reavivados por acaso. A capela da comunidade foi construída e, nas comemorações da padroeira, o padre perguntou se Maria e as outras meninas não gostariam de voltar a cantar as músicas de quando saiam na carroça pelas comunidades para entoar os dramas rurais. "Então a gente se juntou de novo, as mesmas da época de juventude, aí por Deus que gostaram e sempre estão pedindo para a gente se apresentar. O que a gente queria era que existisse um apoio, a gente tem vontade de gravar um CD. Porque aí a gente não esquece das músicas", diz Maria Rodrigues.

Quando não se lembram inteiramente de certas músicas do passado, a maioria de autoria de Maria Sabina da Cunha - "que Deus já levou faz tempo", as dramistas emendam um ou outro verso, recriando sem perder a rima nem o ritmo. Quando elas se apresentam é por prazer, desde que o interessado se comprometa a levar e trazer, garantir a alimentação. "Mas sempre dão um agrado à gente", diz Maria, porque tanta humildade merece um cachê. Um entusiasta das dramistas é Antônio Manoel, o "Toinho de Quixeré", conhecido por criar bonecos gigantes e realizar a tradicional encenação da Paixão de Cristo na cidade.

A principal apresentação das dramistas de Quixeré até hoje foi no Encontro dos Mestres do Mundo, realizado em 2009 na cidade de Limoeiro do Norte, reunindo mestres da cultura popular tradicional de vários lugares do Brasil e de países convidados. Pela primeira vez, as câmeras de TV miraram as lentes para as dramistas "alegres da vida", no terreiro de brincantes formado na localidade de Córrego de Areia.

É humilde a vida das Dramistas de Quixeré. Mulheres que desde criança aprenderam a plantar e colher na terra ressequida, que almoçavam farinha de mandioca e feijão. Carne, só quando os maridos caçavam preá, peba (tatu) e nambú.

Nos tempos de hoje vivem da aposentadoria com a qual ainda têm que manter filhos e netos. A comunidade de Lagoa da Casca é distante da zona urbana do Município e, como muitas da Chapada do Apodi, aparenta esquecida dos poderes públicos. Sem médico, sem escola, os principais benefícios de fora que para lá chegam se chamam aposentadoria e Bolsa Família. E urna eletrônica, para as eleições governamentais a cada dois anos - antes delas, quem almeja votos.

E já que ninguém mas vai lá, as dramistas vão para o centro, para Russas, Limoeiro, Aracati e, "um dia, quem sabe", Fortaleza. Com microfone na mão e repertório na cabeça, saem cantando a própria alegria: "Somos cinco cores lindas que representamos/ as cinco mais belas que nós já falamos/ Eu sou a verde, sou esperança, sinal de cor e de lembrança// Sou amarela, sou a mais bela, sou a rainha da minha terra// Sou a vermelha, sinal de guerra/ trago a bandeira de minha terra// Sou a branca, pertenço a paz, gostar de mim, moça e rapaz// Sou azul, sou a pureza, fonte de amor e de beleza...".

Beberibe
O apoio a uma expressão cultural faz toda a diferença. Que o digam as dramistas de Beberibe, no Litoral Leste. Em benefício do turismo rural e ecológico, elas recebem financiamento do Governo Federal, pois constituem um Ponto de Cultura, patrocinado pelo Ministério da Cultura. Há 16 anos a Associação Comunitária Beneficente de Encruzilhada e Umburanas tem a "casa das dramistas", um movimento dos dramas da Mestra Tereza Lino, transmissão do saber para as crianças e jovens, oficinas de artesanato, confecção de bonecas de pano etc.

MELQUÍADES JÚNIORREPÓRTER

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