sexta-feira, 15 de julho de 2011

"Só fiz o meu trabalho"

José e a esposa, Marineide. Eles são casados há 27 anos (Sara Maia)
José e a esposa, Marineide. Eles são casados há 27 anos (Sara Maia)
 
Sara Rebeca Aguiar
sararebeca@opovo.com.br

A primeira noite do homem que livrou da morte 31 pessoas foi calma, apesar de permeada por recordações. “Nunca mais vou esquecer o fogo, as explosões, os gritos por socorro”.
Um dia depois do fato que matou cinco pessoas carbonizadas, em um acidente envolvendo dois caminhões tanques e um reboque, na BR-116, o motorista José da Silva, de 55 anos, ainda se surpreende ao relembrar uma tragédia que poderia ter sido muito maior, não fosse por sua agilidade.
“Quando eu penso em tudo, fico pensando: como eu consegui, meu Deus? Foi questão de milésimos de segundos. Foi um milagre”. Seu José conduzia o ônibus da empresa Guanabara rumo a Recife. Numa manhã chuvosa, a curva do quilômetro 89 lhe reservava o que ele considera “a experiência mais estranha da vida”. A 60km/h, estava entre os caminhões que o fogaréu consumiria minutos depois.
“Quando eu vi a explosão dos dois caminhões, girei a direção o máximo que eu pude. Tanto que o ônibus ainda encostou de raspão em um deles. Só depois fui perceber que o reboque que vinha atrás de mim não conseguiu desviar e entrou na explosão”.
Ainda com dores no braço, pela ação brusca de desviar do acidente e sustentar o volante rumo à segurança, ele disse que nada foi pensado na hora, só depois percebeu que o ônibus poderia ter virado. “O ônibus poderia ter deitado, porque foi de repente demais o movimento”.
Depois de se certificar que todos no ônibus estavam bem, seu José saiu em direção às cenas que, segundo ele, mais o atormentam. “Nunca tinha visto nada tão horrível, aquelas pessoas no meio do fogo, gritando por socorro e eu não pude fazer nada”.

Religião
O motorista de “31 anos de estrada” não é necessariamente um homem da igreja, mas há anos cultiva um ritual, antes de cada viagem. “Eu sempre peço a Deus proteção para mim e para os meus passageiros. Deus ouviu minhas preces. Fiz a minha parte, mas tive a recompensa de Deus”, garante. 
Ele crê em uma religião que se revela por seus atos. “Minha religião é fazer com que as pessoas se sintam bem. Não quero que ninguém me fira, podem até me fazer mal, mas não gosto de fazer mal para os outros”.  
De riso fácil e gestos bondosos, seu José é um homem apaixonado pela família. No momento do acidente, foi para ela um de seus principais pensamentos. “Passaram três filmes na minha mente. Primeiro, pensei em Deus para tentar entender o que estava acontecendo. Depois, naquelas pessoas, pedindo socorro, gritando. E também na minha família, minha preciosidade”. 
Ele é casado há 27 anos com Marineide Freitas da Silva, 48, e é pai de duas moças, de 25 e 22 anos, e de um rapaz, de 20 anos. “Minha maior felicidade é chegar e ver o sorriso deles”.  
É para estar mais do lado deles que seu José vem pensando na aposentadoria. “Eles sempre tiveram medo do meu trabalho. Amo o que eu faço, é difícil parar, mas agora acho que esse pode ter sido um sinal. Deus me deu a chance de voltar para eles de novo, vou aceitar”.

O quê

ENTENDA A NOTÍCIA
Na tragédia da última terça, na BR-116, cinco pessoas morreram carbonizadas pela colisão, seguida de explosões, de dois caminhões tanques e um reboque. José da Silva conseguiu desviar o ônibus e salvar os 31 passageiros.

FRASE
Sentimento
“Se eu sou herói? Foi realmente uma coisa de cinema, mas eu só fiz o meu trabalho. O meu sentimento é de dever cumprido”.
José da Silva, 55, motorista que salvou 31 passageiros ao desviar de um acidente na BR-116

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