domingo, 31 de julho de 2011

GERAÇÃO CANGURU: O ´lar doce lar´ dos pais

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A professora Sônia Sousa tem vontade de criar asas, mas fica preocupada com os pais Maria do Socorro e Francisco
FOTO: DIVULGAÇÃO
No Ceará, quase dois milhões de pessoas entre 25 e 49 anos moram com os pais, segundo dados da Pnad 2010
Aquela história de os filhos continuarem debaixo das asas dos pais, mesmo sendo adultos, anda cada vez mais comum. Só que quando eles já podem caminhar com as próprias pernas fica a pergunta: por que não ter uma vida própria? Esse é o fenômeno social canguru, característico da faixa etária que vai dos 25 aos 50 anos.

Os filhos que optam por continuar morando com os pais também são chamados de adultoscentes. Isso porque, de acordo com a psicoterapeuta de adolescentes e adultos, Anna Karynne Melo, ainda não saíram da adolescência quando se fala em relações no campo afetivo de vinculação parental.

"A adolescência é o modo como o sujeito vai ressignificando a relação com o mundo e com os pais. É um processo subjetivo e não etário. Eles ainda vivem uma relação de proteção e estão aprendendo a reconfigurar a identidade deles. Esses filhos são, ao mesmo tempo, crianças, porque ainda veem os pais com idealização, e adultos porque são independentes financeiramente", frisa.

No entanto, a atitude dos genitores de tratarem os filhos como quando eles eram crianças dificulta a decisão deles de sair de casa, como explica a psicoterapeuta. "Se os pais não mudam a relação com seus descendentes, ampliando a responsabilidade, fica difícil que eles possam explorar o mundo, sair da relação micro para a macro", alerta.

No Ceará, quase dois milhões de pessoas entre 25 e 49 anos moram com os pais, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A causa para continuar com os pais que mais predomina é o comodismo. Os genitores, normalmente, nunca deixam de tratar os filhos com o mesmo esmero de quando eles eram crianças. A comidinha feita, a casa arrumada, a roupa limpa, cheirosa e passada são atrativos implacáveis para a permanência no "lar doce lar" de papai e mamãe. "Na casa dos pais existem comodidades. Eles resolvem tudo. Por que não ficar onde se tem respaldo?", indaga a psicoterapeuta.

"Nunca tive vontade de morar sozinha. Para mim, era cômodo, antigamente, porque não tinha a situação financeira que tenho agora. Atualmente, tenho vontade de criar asas, mas fico preocupada com meus pais", relata a professora Sônia Sousa. Ela tem 37 anos e ainda vive com os pais, mas diz que não pretende morar sozinha por morar. "Quero sair de casa quando for me casar".

A desvantagem, para a professora, é ter de dar satisfação de tudo o que faz, mesmo quando não está com vontade. "Sinto minha liberdade vigiada. É complicado isso porque quando não dou satisfação gera um clima de descontentamento". Contudo, para ela, as vantagens são muitas. "Tenho o acolhimento e o cuidado dos meus pais".

A mãe de Sônia, Maria do Socorro Lima de Sousa, afirma que gostaria que a filha tivesse casado, mas a presença dela em casa é muito boa. "Não me atrapalha. Pelo contrário, somos amigas. A nossa convivência é maravilhosa", comenta.

Aos 41 anos, o economista Walter Araújo ainda vive com os pais. Ele explica que se trata de uma questão de inteligência. "Mais segurança e menos gastos. Continuar em casa tem os prós e os contras. Mas as desvantagens não influenciam numa decisão de me mudar. Vejo minha casa como meu lar, ao lado da família com liberdade na medida certa", diz.

O pai do economista, Walter Augusto Araújo, diz que a convivência vem dando certo. "É um rapaz que não tem vícios e não dá trabalho. Temos a companhia dele", afirma.
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Comodismo
Já o advogado Ricardo Jucá, de 35 anos, explica que ainda vive com os pais por ter se acomodado. "Talvez não tenha sido uma questão de opção". Ele conta que viaja muito a trabalho e quando tem um tempo livre quer estar com a família. "Aqui tenho tudo que teria se morasse sozinho, como não sou casado, prefiro viver com eles". O advogado ressalta que a convivência com os pais, que são pessoas mais experientes, também é um aprendizado para ele.

Anna Karynne Melo destaca que, cada vez mais, por inúmeros fatores sociais, os indivíduos não saem da condição de adolescentes. "Isso porque as pessoas têm encontrado dificuldade de lidar com o sofrimento. Elas buscam a proteção".

Para a psicoterapeuta, a questão econômica não é mais razão para continuar na casa da família, mas sim o não ter que lidar com as perdas e com o sofrimento. "Isso tem caracterizado muito a nossa sociedade. Vivemos na era do vazio e das incertezas, por isso acabamos tentando manter o mesmo formato".


Mudança de atitude"Se os pais não dão responsabilidades aos filhos, fica difícil que eles possam explorar o mundo"
Anna Karynne Melo
Psicoterapeuta de adolescentes e adultos


OPINIÃO DO ESPECIALISTAAdultescência é traço normal da sociedade
Há um poema do Paulo Leminski que diz assim: "quando eu tiver setenta anos então vai acabar esta adolescência". Quando a questão é desenvolvimento poderíamos demarcar um período da vida em que o sujeito não é mais criança, mas também ainda não é um adulto: esse período chama-se adolescência.

Trata-se de um tempo no qual a família e também a sociedade não fazem grandes cobranças. O adolescente está construindo sua identidade, está descobrindo quem ele é. Quando passa dos 18 anos as cobranças são mais intensas. Da mesma forma que ser criança não significa ter infância não são todos os adolescentes que têm a possibilidade de vivenciar essa fase. Até porque a adolescência não é uma fase natural do desenvolvimento humano, mas um derivado da estrutura socioeconômica. Isso quer dizer que não temos adolescência e sim adolescentes.

Surgido no fim do século XIX, a adolescência é vista sempre como um momento difícil, de preparação para a autonomia. A chamada adultescência, neologismo inventado em meados de 1997, significa um sujeito adulto que se faz de adolescente, quem sabe para remoçar, mas também é um adulto que tenta (e consegue) atingir sua própria idade: a maturidade, segundo o psicanalista Calligaris. É um traço "normal" da modernidade, talvez uma maneira de afirmar a possibilidade de vir a ser outro. A possibilidade de transgredir, de questionar, de se reinventar.


Sabrina Matos
Psicóloga e professora da Unifor



EM CASAO cuidado com a família é causa para a permanência
É muito comum os filhos morarem com os pais, quando não na mesma casa, mas no mesmo quarteirão
Muitos filhos continuam em casa para cuidar dos pais já idosos. A professora Sônia Sousa conta que essa é a razão pela qual ainda não deixou a convivência diária familiar. "Sou a única filha e tem sempre aquela história de que a responsabilidade acaba ficando com mulher, mesmo tendo dois irmãos". A mãe de Sônia, a aposentada Maria do Socorro Lima de Sousa, explica que a convivência com a filha é uma troca de cuidados.

O economista, Walter Araújo, endossa a opinião de Sônia. "Por que ter esse hiato na convivência com os pais, dos 20 aos 50 anos, a melhor fase de nossas vidas, quando por conta da idade, há necessidade de cuidar deles?", indaga.

O advogado Ricardo Jucá também concorda com o fato de os que os pais precisam da companhia dos filhos. Ele acredita ser uma vantagem poder ajudá-los. "Sinto-me mais seguro estando perto dos meus pais. Posso ajudar se eles precisarem, principalmente nos casos de doença", revela.

É muito comum também, principalmente nos estados do Nordeste, onde a tradição é mantida, os filhos morarem com os pais, quando não na mesma casa mas, com muita frequência, no mesmo ambiente, quarteirão ou vizinhança.

VizinhosMuitos filhos são vizinhos dos seus pais. "Já morei fora e sozinho, em outro país, e lá sim é muito comum os filhos ficarem sós muito cedo, ao entrar na faculdade. Essa cultura talvez perdure ainda por algum tempo, principalmente pela questão financeira e ocupacional", destaca Walter Araújo.

A psicoterapeuta de adolescentes e adultos, Anna Karynne Melo, justifica que cada pessoa vai encontrando as justificativas para se manter na relação de convivência familiar. Um dos motivos é o fato de ter que cuidar da mãe e do pai. "Eles incorporam o papel de cuidadores, no sentido de amparar os pais. A relação é de onipotência. Nenhum outro filho seria capaz de assumir essa função".

Os filhos acabam criando a fantasia de que se estiverem perto dos pais nada vai acontecer. Isso tem a ver com as necessidades deles de se manterem no mesmo formato de relação com os genitores". Para Anna Karynne, tudo recai sempre na questão de temer a perda. "Temos sempre a tendência de driblar o sofrimento e postergar o ficar sem algo", destaca.

De acordo com a psicoterapeuta de adolescentes e adultos, às vezes, é preciso de uma perda real para que os filhos cuidem da própria vida. A imaginária (apenas sair de casa) não é suficiente. "Existem vários casos em que as pessoas só viajam, estudam, casam-se, quando os pais morrem.


LINA MOSCOSO
REPÓRTER

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