sexta-feira, 3 de junho de 2011

Eles são feras

Mariana Toniatti
marianatoniatti@opovo.com.br

A gente decora como se calcula a raiz quadrada, eles sabem exatamente o que estão fazendo. Aquela fórmula que você não tem curiosidade nenhuma de entender de onde veio é um enigma super excitante para eles. As leis da Física e da Química e os problemas aparentemente insolúveis são o esporte preferido dessa turma. Quanto mais difícil, melhor. Eles gostam mesmo é de pensar. Tanto que acabaram nas chamadas “turmas olímpicas”, salas de aula com didática especial para os jovens que participam de competições nacionais e mundiais de Matemática, Química e Física, Biologia, Informática e Geografia. Para eles, estudar muito não é sacrifício nenhum, é puro prazer. “Quando você entra numa sala de preparação para olimpíadas, começa a ver a matéria bem mais aprofundada, começa a entender realmente o que é cada fórmula, cada lei. Isso é o que mais curto”, diz Davidson Anthony,17, que viaja em julho para o mundial de Química na Turquia. O Buchicho Teen conversou com Davidson e mais dois adolescentes que vivem essa experiência. Pouco ligando para os estereótipos que podem surgir em torno deles, os meninos se entregam à paixão pelos livros, sem deixar o lazer de lado nas horas livres. Essa turma promete muito sucesso no futuro!
1. Experimentos em vídeo
O coordenador de Olimpíadas (sim, os colégios grandes têm uma estrutura exclusiva para esses alunos!) viu que Davidson Anthony, 17, levava jeito para Química depois de um dez redondinho numa prova. Ele estava na 9ª série do Ensino Médio, foi assistir a umas aulas da turma olímpica e gostou. Ficou participando das Olimpíadas Cearenses de Matemática, Física e Química, mas quando chegou na competição nacional, decidiu investir tudo no que mais gostava, Química. Em julho, ele viaja para a Olimpíada Mundial, na Turquia. Antes, venceu a cearense e foi para a brasileira. Ficou com a medalha de bronze e entrou para o seleto grupo que pode disputar uma das quatro vagas na delegação brasileira que participa do mundial. “Foi uma surpresa porque comecei em 15º lugar. Na prova de vídeo pulei para 10º e na última etapa fiquei em quarto. Não esperava mesmo!”, comemora.

A tal prova de vídeo mostra uma série de experimentos na tela. Depois, os estudantes têm de identificar que materiais foram usados, o que deu errado, pra que serve aquele experimento e etc. Passando dessa fase, Davidson foi para um curso de duas semanas na Unicamp, uma espécie de preparação para a prova final e já um prêmio para os meninos. “Foi muito bom!”. Davidson gosta de pop rock, mas ainda não foi a nenhum show de música. É viciado em seriados de TV tipo Dr.House e Dexter, mas quase não tem visto. “Dificilmente tenho tempo, mas às vezes consigo uns episódios com amigos e vejo”. Quando sobra um tempinho, ele corre para alugar um filme, mas às vésperas da Turquia e do vestibular para Medicina, não tem tido muita folga. À noite, quando não capota de cansaço depois de passar o dia inteiro no colégio, ele navega na Internet. “Não tenho tempo de ver o jornal, então me informo nos sites”. O namoro, ele mantém em dia. O aniversário dela foi em plena segunda-feira e teve jantar fora para comemorar. “Ajuda porque nos vemos todo dia. Ela é da minha sala”. Outra aluna olímpica. .

2. Desde os 11 anos
Caio França, 17, começou a participar de olimpíadas aos 11 anos. Pelas contas, já fez mais de 20 provas nos últimos seis anos. Por causa das competições, conheceu a Argentina, São José do Rio Preto e o campus da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), grandes centros de Exatas, sua paixão. Em abril, ele esteve na Universidade de São Paulo (USP) para uma eliminatória do mundial de Matemática, não ficou entre os cinco finalistas, mas faz outra prova em julho, aqui mesmo, tentando uma vaga na Olimpíada Ibero-americana de Física. Caio já superou ter ficado na eliminatória do mundial. “São competições acirradas. Você acaba ficando um pouco deslumbrado, conhecendo outros países, tendo um título de medalhista olímpico, mas o importante é usar isso como motivação para estudar e ir mais longe”. Esse ano também é de vestibular para Caio e ele vai tentar o ITA. Opção de 9 em cada 10 alunos “olímpicos”. “Costumava estudar em casa depois das aulas, mas nesse ano fico no colégio para estudar com os colegas. Rende mais, a gente tira dúvidas, se ajuda. Vou embora pra casa umas 22 horas”, conta Caio. Ele diz que sempre arruma tempo para ir ao cinema, ler um livro, mas a prioridade é o estudo sim. Caio também gosta de computadores, até participou das Olimpíadas Brasileiras de Informática, mas não curte joguinhos e redes sociais. O que interessa são as programações porque tem que ser difícil pra ter graça, lembra? “Gosto de programar, a gente tem que usar muito a lógica. Participo de redes sociais, mas não sou assíduo. As pessoas ficam o dia inteiro. Eu não”, conta Caio. Ele não sente preconceito dos colegas de turmas regulares. Ser inteligente e estudioso nunca deveria ter sido vergonha pra ninguém, mas na geração anterior à dele as brincadeiras e perseguições eram mais pesadas. “Hoje as pessoas aceitam mais as diferenças e acabam passando a admirar a gente ao invés de tirar brincadeirinha”, diz Caio. A célebre frase de Bill Gates, que disse mais ou menos assim: “Seja legal com os nerds. Existe uma grande probabilidade de você vir a trabalhar para um deles”, parece ter sido assimilada por essa geração ligada em computadores.

3. Rumo à Tailândia
Ricardo Lima prepara as malas para embarcar numa viagem que com certeza vai ser uma lembrança pra vida toda. Em julho, ele viaja dois dias para chegar ao destino final, a Tailândia, onde participa da Olimpíada Mundial de Física. No Brasil, ele já é medalha de ouro. “Dá pra curtir bastante. São dois dias de prova, depois a gente espera pelo resultado lá mesmo, uns seis dias. Nesse tempo a gente conhece a cidade, visita os lugares mais legais e conversa com pessoas de outros países, com outros alunos que foram competir”, diz Ricardo, que já viajou antes para participar de competições com tudo pago pela organização dos campeonatos. A última viagem foi para São Paulo onde ele fez a terceira prova da seleção para o mundial. “Estudei o ano inteiro, assisti às aulas preparatórias, vi que dava para ganhar alguma coisa e me dediquei mais. De qualquer forma, é uma competição, a gente está lá para ganhar, para fazer o melhor”, diz Ricardo. Afinal, quem disse que tem de ser campeonato de esporte para ter adrenalina? Chegando perto do mundial, a rotina de Ricardo de segunda a sexta é quase toda dedicada aos estudos. Ele chega às 13h30min no colégio e fica até umas 21h30min. Depois das aulas, estuda em grupo. Ricardo se prepara também para o vestibular do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) no fim do ano. “Durante a semana, geralmente não gasto tempo assistindo TV, nem na Internet, mas no fim de semana estudo muito pouco. Antes nem chegava a estudar, agora pretendo intensificar um pouco. No fim de semana, geralmente saio com os amigos, vou ao cinema, a uma festa”, conta Ricardo, quebrando o estereótipo do nerd que vive só para os livros. Na rotina tem um outro hábito que não se encaixa no perfil esperado de um aluno “olímpico”. Uma horinha de musculação todo dia, no fim da manhã.

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