Nas clínicas e comunidades terapêuticas, há poucas vagas do SUS para dependentes químicos. Muitas vezes, a família tem de pagar o tratamento (FOTO: RAFAEL CAVALCANTE) |
Usuários de crack têm lotado clínicas e comunidades terapêuticas que tratam de dependentes químicos em Fortaleza e na Região Metropolitana. Levantamento feito pelo O POVO em 12 desses locais aponta que 88% dos internos usaram crack. O tratamento leva até nove meses. Em alguns casos, há fila de espera. No Desafio Jovem, por exemplo, havia 13 pessoas aguardando uma vaga na última quinta-feira. 12 eram dependentes de crack.
A estimativa de especialistas, como o psicólogo Osmar Diógenes, é de que existam 100 mil usuários de crack no Ceará, número baseado em cálculos da Organização Mundial da Saúde (OMS).
As comunidades costumam trabalhar no limite da capacidade. “Quando não tem vaga, a gente indica outras casas. Não dá para esperar porque, geralmente, a pessoa precisa ser atendida de imediato. Tem que aproveitar aquele momento em que ela aceitou ser tratada”,diz Cidinha Matos, coordenadora da Casa de Recuperação Caverna de Adulão, no Álvaro Weyne.
Na Semana Nacional de Combate às Drogas, O POVO mostra que o tratamento ao dependente químico no Ceará continua insuficiente. Em novembro de 2009, o jornal publicou série sobre o tema. De lá para cá, pouca coisa mudou. A quantidade de leitos ainda é a mesma. E continua a disputa por vagas em comunidades terapêuticas.
Para se ter ideia, no ano passado o Governo do Estado custeou 65 vagas em quatro comunidades terapêuticas. “Ainda estamos aguardando a publicação do convênio para este ano”, informa Virna Gomes, coordenadora do Núcleo de Atenção à Saúde Mental da Secretaria da Saúde (Sesa). A expectativa é de que os convênios sejam firmados ainda esta semana. Ela não informou o número de vagas para 2011.
A Prefeitura de Fortaleza também está fechando convênio com seis comunidades terapêuticas. Serão 100 vagas para homens e 20 para mulheres. Os recursos são do Ministério da Saúde. “É pouco para o universo de dependentes químicos que a gente tem”, lembra o psicólogo Osmar Diógenes, especialista em Dependência Química e coordenador do Instituto Volta a Vida, na Lagoa Redonda.
Sem a ajuda do poder público, a maioria das comunidades sobrevive de doações e de contribuições das famílias dos internos. Quem pode contribui com um valor mensal - geralmente um salário mínimo - ou uma cesta básica. O problema é que alguns locais acabam funcionando de maneira inadequada.
Há uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que determina regras para as comunidades terapêuticas. A equipe mínima para atendimento de 30 residentes deve ser formada por um profissional da área de saúde e três agentes comunitários.
“A nossa preocupação é que comunidades têm sido criadas para angariar dinheiro, funcionando sem condições”, afirma o presidente do Conselho Estadual de Políticas Públicas sobre Drogas (Cepod), Herman Normando. Segundo ele, não há fiscalização.
“Meu filho ficou internado numa dessas comunidades, mas não deu jeito, lá não tinha estrutura”, comenta a mãe de um usuário de crack. Ela tentou internação em um hospital. “É difícil conseguir vaga. Chega uma hora que você não sabe mais o que fazer.”
ENTENDA A NOTÍCIA
Usuários de crack que não podem pagar pelo tratamento ficam com duas opções: ou disputam as poucas vagas oferecidas pelo poder público ou recorrem às ONGs. Em alguns casos, o tratamento pode ser inadequado.
SAIBA MAIS
O levantamento feito pelo O POVO foi realizado com base em dados repassados por 12 locais de tratamento em Fortaleza e Região Metropolitana: Desafio Jovem; Leão de Judá; Caverna de Adulão; Fazenda Esperança; Centro de Reabilitação Salém; Casa de Recuperação e Oração Ágape; Projeto Restaurar Ceará; Instituto Social Manassés; Instituto Volta a Vida; Seguidores de Cristo; Lar da Paz; e Sociedade de Fé, Esperança e Caridade.
Dos 400 pacientes que estavam sendo tratados na semana passada, 353 haviam usado crack.
Em novembro de 2009, O POVO fez o mesmo levantamento. Na época, o percentual de pacientes usuários de crack era de 90%.
Geralmente, as comunidades terapêuticas funcionam em sítios, onde os pacientes passam meses em tratamento, afastados do convívio social. A maioria das locais é administrada por instituições religiosas. O valor cobrado varia e, geralmente, pode ser negociado. Não há o registro de quantas comunidades há no Ceará.
Também não é fácil encontrar vaga gratuita em hospital para o paciente que precisa se desintoxicar. No mês passado, a Prefeitura fechou convênio com a Santa Casa da Misericórdia de Fortaleza, no Centro. Mas são apenas 12 leitos: oito para homens e quatro para mulheres. Antes, os leitos funcionavam no Hospital Nossa Senhora das Graças, no bairro Jacarecanga.
Com poucos leitos em hospital geral, a maioria dos pacientes acaba recorrendo aos hospitais psiquiátricos. O único que conta com unidade exclusiva para dependentes químicos é o de Saúde Mental de Messejana (HSMM). Mesmo assim, o número de leitos é pouco: apenas 20 e somente para homens. Nos demais hospitais, o usuário de drogas convive com os pacientes que sofrem de transtornos mentais.
Em Fortaleza, há 686 leitos mantidos pelo SUS em hospitais psiquiátricos. “Não é uma situação ideal, mas resolve”, comenta a coordenadora das políticas de Saúde Mental do município, Rane Félix.
Outra opção de atendimento são os seis Centros de Atenção Psicossocial (Caps) da Prefeitura voltados para o tratamento a usuários de álcool e outras drogas. O atendimento é ambulatorial. O paciente passa o dia lá, mas tem de retornar para casa depois. No caso de drogas mais pesadas, como o crack, fica difícil manter o paciente longe do vício.
FIQUE POR DENTRO
A pedra do crack pode ser encontrada por menos de R$ 5. A cocaína em pó é fervida na mistura de água e bicarbonato de sódio ou amônia. A água evapora e sobra a parte sólida, resfriada em seguida - isto é o crack.
A pedra é fumada em cachimbo ou latinhas.
O usuário sente euforia e fica mais alerta aos estímulos da visão, audição e do tato. Ele fica inquieto, ansioso e irritado.
O usuário sente euforia e fica mais alerta aos estímulos da visão, audição e do tato. Ele fica inquieto, ansioso e irritado.
Em grandes quantidades, o crack pode deixar a pessoa agressiva.
Por causa dos efeitos no ritmo cardíaco e na respiração, o crack pode ocasionar problemas cardíacos, paradas respiratórias, derrames ou infartos. Também afeta o trato digestivo, causando náusea e dor abdominal.
LEIA AMANHÃ
O Ceará não tem local adequado para receber crianças e adolescentes dependentes químicos.
Tiago Braga
tiagobraga@opovo.com.br
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