sábado, 26 de março de 2011

20 anos sem Boca Rica

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Artista refinado, Pedro Boca Rica acreditava que o bonequeiro se vai, mas as criações ficam. Sua obra ficou conhecida no exterior, graças ao trabalho de seus admiradores FOTOS: SHEYLA FONTES/ ARQUIVO DIÁRIO DO NORDESTE
 Há exatos 20 anos, partia Mestre Pedro Boca Rica, artesão que imortalizou dezenas de personagens da tradição sagrada e profana, através da arte de fazer bonecos. O sertanejo nascido na Baixa Grande tinha todos os dentes superiores de ouro (motivo do epíteto) e foi um de nossos melhores topadores de boi.  Em 28 de março de 1991, ainda no leito do Hospital São Raimundo, quando teve que cantar para subir, nosso inesquecível bonequeiro Pedro Boca Rica, compôs sua derradeira cantiga e pediu que fosse entoada após o fim de seu espetáculo na Terra: " Lá vem, lá vem o bonequeiro/ Com seus bonecos de empanada/ Ele traz boneco presepeiro/Que faz a gente dar risada/Tem Casimiro, João Redondo e Baltazar/ Mané Fugarça, Paruara e Tiridá/ Também tem o Capitão Arunge/ Que é Calunga da cultura popular".
Fizeram mungango, botaram boneco, cantarolaram o que havia de memória, mas não teve jeito, Mestre Pedro se foi, aos 55 anos, judiado por um câncer que lhe quebrou 35 quilos do corpo já franzino.
Mas os bonecos de Boca Rica tinham nomes, e quem sabe almas, de entidades religiosas bem familiares no meio do povo. E a reverência e respeito com que os tratava enfatizava o trânsito livre pelos campos sagrados e profanos da arte milenar que veio encarnada em suas mãos. E assim já se passaram 20 anos...
Mas, Pedro dos Santos de Oliveira, nascido em 16 de novembro de 1936, no lugarejo da Baixa Grande, nas proximidades de Ocara, não entrou para a história dessa tradição apenas pela perfeição e altíssimo estilo com que talhava seus personagens na imburana.
Folclorista, puxador de boi, profundo conhecedor da dramaturgia popular e com uma inteligência apuradíssima, Boca Rica conquistou não só a gente simples do universo em que vivia. O caboclo tornou-se amigo pessoal e admirado por toda uma geração de artistas, pesquisadores e estudiosos locais, como Rosemberg Cariry, Rejane Reinaldo, Oswald Barroso, Augusto Bonequeiro, Omar Rocha, dentre muitos outros. Cada um deles, de alguma forma e em diferentes momentos, contribuíram para que sua obra ganhasse o oco do mundo, e se espraiasse por importantes museus dos Estados Unidos, Japão, Alemanha, França e outros.

Teatro Moderno
Em 1998, a cidade de Fortaleza ganhou um teatro moderno, amplo, com palco em dois planos, arquibancada, cujas dependências foram adaptadas em um antigo galpão dos armazéns da zona portuária de Fortaleza, bem ali, no entorno do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura.
Até aí, nenhuma novidade, mas o teatro que nascia com vocação alternativa, homenageava o Mestre que tinha a boca cheia de dentes de ouro, o epíteto que lhe fizera conhecido: Teatro Boca Rica.
"O teatro foi projetado para ser multiuso, é um espaço muito bom, ideal mesmo. Sua vocação, quando foi pensado, era fazer o diálogo entre as artes contemporâneas de vanguarda, com as tradições populares e, claro, trabalhar com a comunidade do entorno. Fizemos muitos projetos, principalmente com o Poço da Draga", diz o pesquisador Oswald Barroso.
Próxima segunda-feira, 28 de março, faz 20 anos que Mestre Boca Rica se foi. E, daqui um mês, em 27 de abril, comemora-se o Dia Nacional do Teatro de Bonecos.
É provável, que muitas homenagens surjam nesse meio tempo, mas nada será como antes. A falta do riso aberto e brilhante do criador de tantos mamulengos com nomes e caras de entidades espirituais, refletem na tez sisuda dos brinquedos de olhos fixos no nada adiante. O Teatro Boca Rica foi inspirado na figura do Pedro porque ele era nossa referência para desenvolver uma arte cênica que tivesse como ponto de partida as tradições populares. E tínhamos em Boca Rica a figura do mestre. Ele era nosso amigo e nosso ídolo", lamenta Oswald Barroso.

NATERCIA ROCHA
REPÓRTER

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