Kamila com o filho, Kaio: foram 31 mobilizações em busca de doador (Foto: SARA MAIA) |
As manchinhas tímidas e vermelhas abaixo do olho denunciam a imunidade abalável. Para restaurá-la, seria necessária mais uma sessão de reposição de plaquetas e transfusão de sangue. Mas, ao invés de ir a um hospital de Fortaleza para amenizar os efeitos da anemia aplástica, Kaio Cardoso, 4, vai à Curitiba (PR). E para tentar acabar de vez com a doença.
Ontem, a família recebeu a notícia da localização de um doador compatível de medula óssea. Resultado da interligação dos registros de voluntários do Brasil e de Europa. O homem que pode salvar a vida do nosso pequeno é da Alemanha. E nem sonha que Kaio existe.
É a vontade de ajudar por ajudar. Pura e simplesmente. Quando o material genético do paciente é comparado ao de voluntários estrangeiros, a compatibilidade é de um para cada um milhão de inscritos no banco de doadores. “Nem no meu tataravô eu tenho parentes fora. Esse homem é uma bênção”, resume a mãe, Kamila Cardoso, 32. Ela, o filho e o marido viajam na próxima quarta-feira, dia 23.
De imediato, Kaio será submetido a uma bateria de exames. E a turnos de quimioterapia. Por isto, o transplante ainda não está agendado. Também é preciso esperar a amostra de medula chegar. Ela vem de avião. O que anula por completo o contato da família com o doador.
Até o dia do procedimento, porém, filmes e mais filmes passarão pela cabeça de Kamila, que abdicou da advocacia para tornar-se mãe em tempo integral. Na agenda, ela tem tudo anotado: em quatro meses, foram 31 mobilizações de rua em Fortaleza, São Luís (MA) e João Pessoa (PB) com um saldo de 3.846 inclusões no Registro Nacional de Doadores de Medula óssea (Redome). “Não teve um dia sequer que eu não recebesse ligações de gente querendo ajudar”, cita.
90%: um bom nível
Exames prévios indicaram 90% de compatibilidade entre os materiais genéticos de Kaio e do alemão salvador. Isto significa que pode haver rejeição. Contudo, vale a aposta, pois o menino já vive suscetível a doenças que, mesmo simples, podem ser fatais. “Devido às condições clínicas e aos riscos aos quais o Kaio está sujeito, recomendo que se proceda com o transplante”, diz o médico do garoto lá em Curitiba, Ricardo Pasquini.
Mas há como tentar reduzir as chances de rejeição. Para isto, serão utilizadas drogas imunossupressoras e dado suporte hemoterápico e antimicrobiano ao pequeno. “Cada caso é um caso, porque tudo depende muito da compatibilidade do doador. Mas, em pacientes com anemia aplástica, o resultado costuma ser bom”, assinala o chefe da equipe médica de transplante do Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará (Hemoce), Fernando Barroso.
Para ele, 90% de compatibilidade pode ser encarado como um bom nível permissor de transplante. Entretanto, os meses seguintes à cirurgia devem ser de atenção. “Tem gente que fica até quatro meses no hospital em total isolamento. Mas não temos como prever o tipo de reação”, acrescenta o médico cearense.
Apesar dos riscos, Kamila só quer viver o pós-operatório no... pós-operatório. “Um dia de cada vez”, explica. Por ora, aposta no futuro do menino que adora desenhar baleias. “Claro que sei onde Curitiba fica. É onde tem uma sala com um médico que vai fazer uma mágica e eu vou ficar curado”, revela Kaio.
Por quê
ENTENDA A NOTÍCIA
A doação de medula óssea no Brasil ainda é envolta em mitos. Por desconhecimento, muita gente se recusa a ser doadora e deixa de salvar vidas com um gesto simples e solidário. No Ceará, são apenas 88 mil voluntários.
SAIBA MAIS
Para ser doador de medula óssea, basta ter entre 18 e 55 anos, nunca ter tido câncer, estar saudável e procurar o hemocentro mais próximo portando RG. No Ceará, há postos em Fortaleza, Crato, Juazeiro, Iguatu, Quixadá e Sobral.
Ninguém pode ser doador querendo beneficiar um único paciente. O nome fica no banco e o material genético pode salvar a vida de alguém do outro lado do mundo.
Se você é cadastrado e mudou de endereço, comunique ao hemocentro. Muitas vezes, a compatibilidade é constatada, mas o transplante não acontece porque o doador não é localizado.
Antes, Kamila falava em engravidar para encontrar no novo filho um doador. Mesmo com a descoberta da compatibilidade no alemão, ela mantém os planos. “O Kaio precisa de companhia”.
O POVO acompanha o caso de Kaio desde outubro do ano passado.
Bruno de Castro
brunobrito@opovo.com.br
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