por Vanessa Madeira - Diário do Nordeste
Um dado devastador, porém silenciado pelos inúmeros estigmas que o cercam, foi divulgado de forma inédita, ontem (21), pelo Ministério da Saúde. Quase 3.000 mil cearenses tiraram a própria vida em um período de apenas cinco anos. O número faz parte do primeiro Boletim Epidemiológico de Tentativas e Óbitos por Suicídio no Brasil, que reúne estatísticas de 2011, ano em que o suicídio tornou-se agravo de notificação obrigatória, até 2015. No ranking nacional, o Ceará revela um triste quadro: é o primeiro Estado no Norte e Nordeste em quantidade de registros, e o quinto no País.
O lançamento do relatório acontece durante as mobilizações do Setembro Amarelo, movimento que, ao longo deste mês, promove ações de conscientização sobre o assunto. Associados, em geral, a transtornos de saúde mental, os óbitos têm aumentado em todas as unidades da federação. No Ceará, o número de casos passou de 579, em 2011, para 603, em 2015.
Analisando o perfil das vítimas, o boletim revela que os homens são maioria nos casos de suicídio no Brasil (79% do total). No entanto, a maior parte das pessoas que tentam tirar a própria vida são mulheres (69%). Elas também são as mais reincidentes nas tentativas (31,3%).
Conforme explica o psiquiatra Fábio Gomes de Matos, coordenador do Programa de Apoio à Vida (Pravida) do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC), o suicídio tem múltiplas causas, podendo envolver fatores de ordem clínica, como o diagnóstico de doenças crônicas (câncer, HIV, lúpus); social, a exemplo do desemprego e questões de relacionamento; e/ou psicológica, como depressão, abuso no consumo de álcool e drogas, transtorno de personalidade e esquizofrenia.
Depressão
"Nós dizemos que o suicídio é a doença dos D's: desesperança no futuro; desamparo, desespero, desemprego, divórcio, dependência química, depressão. Tudo isso está relacionado", afirma o psiquiatra.
Embora os homens sejam os que mais concretizam o ato, as mulheres lideram as tentativas pois estão submetidas a cargas psicológicas e sociais mais fortes, destaca o coordenador do Pravida. "Para as mulheres, há muita dificuldade de gerenciar todas as demandas que delas são esperadas, como ser boa mãe, boa filha, boa esposa, boa profissional, boa dona de casa", diz.
O boletim do Ministério da Saúde também revela que, dentre as faixas etárias, os idosos com mais 70 anos aparecem com a maior taxa de mortalidade. Segundo Fábio Gomes de Matos, casos do tipo são comumente associados a perda de companheiros. "Eles perdem a companhia e não conseguem encontrar outras pessoas. Quando encontram, os filhos são contra, falam que só os querem por dinheiro, por exemplo", afirma.
Apoio
Apesar de complexas, a maioria das causas de suicídios podem ser prevenidas ou tratadas, desde que os pacientes encontrem uma rede de atenção à saúde mental eficiente e com ações específicas para a questão.
Junto à divulgação do boletim, o Ministério da Saúde anunciou que deverá expandir os Centros de Apoio Psicossocial (Caps) nas regiões de maior risco. Hoje, no Ceará, existem 131 unidades em funcionamento, conforme informações da Secretaria da Saúde do Estado (Sesa).
A Pasta federal também formalizou parceria com o Centro de Valorização da Vida (CVV), que fornece apoio emocional e atua na prevenção de suicídios. A partir do dia 30 deste mês, as ligações para a entidade serão gratuitas para nove estados brasileiro. O Ceará não se encontra na lista de gratuidade, mas disponibiliza o serviço às pessoas que precisam de ajuda.
O coordenador do Pravida ressalta, contudo, que as ações promovidas pelo poder público são pontuais e que o Brasil não possui políticas públicas definidas de prevenção. "Todo mundo sabe que tem campanhas contra dengue, zika e chikungunya. O suicídio mata 20 vezes mais que dengue, mas não existe campanha. Isso acontece porque não existe percepção do poder público do problema e não existe pressão social para isso", defende.
Procurada pela reportagem para falar sobre o trabalho realizado no Ceará para prevenir o suicídio, a Secretaria da Saúde do Estado informou, por meio da assessoria de comunicação, que não obteve contato com a fonte responsável pela área para conceder entrevista.
Mais informações
Para obter ajuda ou orientações sobre o suicídio, entre em contato com o Centro de Valorização da Vida (CVV) pelo telefone 141 ou pelo site www.cvv.org.br
Saiba mais
Sinais de alerta
1. Preocupação com a própria morte ou falta de esperança;
2. Expressão de ideias ou intenções suicidas;
3. Isolamento;
4. Agravamento de problemas de conduta ou manifestações verbais.
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