Em ateliê montado no quintal de sua casa, Carlus Campos produz ao som de jazz e rock EVILÁZIO BEZERRA |
Durante sessão de fotos para compor este material comemorativo de seus 30 anos de carreira, Carlus Campos interrompeu. “Já gastei minha cota de sorriso da semana inteira”. De jeito caladão, o artista visual é dono de voz baixa. As obras dele são a antítese: elas berram. Ilustrador do O POVO, Carlus deposita no seu traço uma inquietação latente que não é vista no homem por trás da obra. É como se, nessas três décadas, ele tivesse sido um grande canal entre a arte que guarda em si e o mundo.
“Eu não sinto muito que eu tenho 30 anos de estrada. Ainda acho que eu estou aprendendo”, deixa escapar, numa modéstia sincera e sem qualquer pieguice na fala. “Eu teria que viver mais uns 70 anos para poder chegar aonde eu quero chegar. Tudo para mim é novo. Tem muita coisa para explorar”, completa.
A vontade permanente de aprender remete ao ano de 1987, quando ele chegou de Russas com uns desenhos embaixo do braço para tentar uma vaga na redação do O POVO. “Mas vamos voltar um pouquinho no tempo?”, pede ele, indo e vindo ao contar a própria história. “É que eu sou meio caótico”. Pois bem. Antes do artista, existe um menino que desenha desde que se entende por gente. E nem foi num papel que isso começou. “No Interior, a gente morava numa casa que tinha um pé de tamarindo e quando chovia ficava a terra batida (embaixo da árvore) e a gente desenhava no chão com galhos de planta”, relembra, indo longe. “Acho que é a lembrança mais antiga que eu tenho desenhando. É na terra molhada, construindo monstros e personagens”.
O menino foi crescendo e o desenho virou rotina. “Na adolescência, eu era muito recluso nesse universo de quadrinhos e filmes, eu tinha poucos amigos”, lembra, contando que HQs da Marvel e DC Comics foram alimentando seus sonhos de criador. Com 17 anos, saiu de Russas para Fortaleza na busca por perspectivas. Por aqui, só encontrou a aeronáutica como saída. “Eu tinha que aguentar aquilo enquanto procurava emprego. Eu passei quatro anos sem dar qualquer rabisco de nada, eu fiquei travado, eu não conseguia desenhar”, conta. Após sair das forças armadas, ele, então, juntou os melhores trabalhos que já tinha feito e foi, enfim, tentar uma vaga na Redação. Deu certo. E vem dando até hoje.
As muitas faces
Na chegada à imprensa, Carlus veio carregado de referências, como a revista MAD, que inspirou um estilo, a princípio, muito marcado pelo humor. “Era bem interessante essa coisa de fazer humorístico e ser assim fechado”, conta, se corrigindo. “Eu não sou muito sério. Estou sempre frescando com alguém, só sou tímido mesmo”, aponta, trajando seu look habitual: calça jeans e blusa preta.Obras de Carlus Campos se apresentam em diferentes propostas estéticas
Obras de Carlus Campos se apresentam em diferentes propostas estéticas
Até meados da década de 1990, a caricatura foi o seu forte. “Aos poucos, eu começo a receber convite para participar de coletivas de artes plásticas. Aí eu percebo que posso dar um passo além. Não é dizendo que a caricatura é algo menor. Mas eu começo a me interessar por artes plásticas, começo a pintar”, conta.
Foi assim que ele se expandiu e chegou ao traço que tem hoje, marcado pelo abstrato, pelo onírico e por uma visão peculiar de mundo. Por isso mesmo, não interessa muito ter de explicar seu trabalho. “Eu detesto essa coisa. De você estar numa exposição e a pessoa perguntar o que aquela obra significa. É muito ruim para mim, tem artistas que se saem bem com isso, eu não. Eu posso até estragar uma viagem dela, eu digo que é aquilo mesmo que a pessoa pensou”, conta.
No ambiente da Redação, onde atende a demandas diretas a partir de conteúdos jornalísticos, ele se sente desafiado a combinar subjetividade com informação. “Aí é que está o trabalho do artista. É ter um tema e não ficar 100% em cima. Eu posso expandir isso”, confia. Nessa ânsia por se reinventar, Carlus busca novas técnicas e se aventura também pela xilogravura, que trabalha com suporte de madeira, e litogravura, que trabalha usando pedra como matriz.
Para os próximos anos, o objetivo é tentar chegar a mais e mais olhares. “Eu acho que a gente tem que ocupar todos os espaços possíveis. Fortaleza ainda tem uma carência muito grande de galeria. As poucas que têm parecem que estão se fechando mais. Temos que explorar o que tem”, aponta, destacando que o Instagram tem sido uma ponte para levar seu trabalho além da Capital. Com calma, espera ainda aprender novas técnicas e descobrir novas formas de criar. Por enquanto, ele celebra o reconhecimento que conquistou ao longo desses 30 anos. “Sempre vem o retorno do que a gente faz. Pode não vir na hora que a gente quer, mas quando você se dedica, o retorno vem”, ensina.
O TRAÇO
Apesar de passear entre a pintura, o desenho, a caricatura, a xilogravura, a litogravura, entre outras técnicas, Carlus Campos tem um traço muito característico. “Esse meu traço é o acúmulo dessas experiências, de pesquisa, desse encantamento que você vai tendo ao longo da carreira, das influências”, aponta. Ele cita referências como Mario Sanders e o Valber Benevides, que foram colegas dele de trabalho, e destaques nacional como Nani, Jaguar, Ziraldo e Cássio Loredano.
Carlus também é muito inspirado por música. Em sua casa, discos por todos os lados. No seu “mundo paralelo”, espaço no quintal que ele transformou em área de trabalho, um micro system. “Quando é pintura, prefiro jazz. Para fazer desenho, é melhor rock progressivo”. O som ajuda a fluir. “Muitos trabalhos meus são abertos. Em alguns momentos aparecem coisas que eu não pensei antes. Nem sempre eu crio antes um conceito. Eu vou me deixando guiar pelo feeling, uma música que esteja tocando, eu vou viajando”.
PREMIAÇÕES
Entre os principais prêmios conquistados por Carlus Campos nesses 30 anos de carreira estão: o Salão Internacional de Humor e Quadrinhos de Pernambuco (2007), o Festival Internacional de Humor no Rio de Janeiro (2008) e Salão de Artes Visuais de Vinhedo, em São Paulo (2016).
EXPOSIÇÕES
Atualmente, Carlus compõe a Exposição Conexões na galeria Vicente Leite, localizada no Centro Universitário 7 de Setembro (av. Almirante Maximiniano da Fonseca, 1395 - Eng. Luciano Cavalcante). O artista também compõe mostra na DB Galeria (rua João Brígido, 915, loja 03 - Joaquim Távora). Em setembro, ele abre exposição comemorativa na Kaleidoscope Galeria de Arte (rua Franklin Távora, 604 - Centro).
RENATO ABÊ
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