O time "Trem da alegria”, criado oficialmente em 1975, pelo ex-craque do Botafogo, Afonso Celso Garcia Reis, o Afonsinho |
Com a ajuda da arte, aos poucos alguns fatos da história recente do Brasil – até hoje desconhecidos por grande parte da população devido à ação da censura durante o período da ditadura militar (1964-1985) – começam a vir à tona. Ao fazer a pré-estreia do filme “Trem da alegria – arte, futebol e ofício”, nesta terça (14), às 14h, no Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB), o cineasta cearense Francis Vale, à luz da sétima arte, resgata importante momento da memória nacional, passado durante um dos períodos mais duros do regime militar, a década de 1970.
O documentário, com 80 minutos de duração, narra a trajetória do time "Trem da alegria” – o nome é em homenagem a Garrincha –, criado oficialmente em 1975, pelo ex-craque do Botafogo, Afonso Celso Garcia Reis, conhecido como Afonsinho, que em pleno período de exceção se rebelou contra as regras estabelecidas pelos clubes de futebol no País. Após a exibição do filme, sem data ainda para ser apresentado nos cinemas, o diretor e convidados farão um bate-papo com o público.
O mote da obra, realizada com recursos da Lei Rouanet e apoio do BNB, é a luta travada por Afonsinho para conseguir a liberação do seu clube de origem, o Botafogo. Depois de travar uma briga na justiça, o meia-armador paulista conseguiu se desvencilhar, abrindo caminho para a criação da lei do passe livre. “Fui o primeiro jogador no mundo a conseguir liberação” lembra, afirmando que a discussão chegou à Europa, tendo o meia belga, Jean-Marc Bosman, como líder do movimento. A lei que vigorava nos clubes de futebol tinha resquícios “escravagistas”, impedindo a transferência dos jogadores após o término dos contratos, denuncia.
“Hoje é difícil compreender essa situação”, pondera o jogador, que continua levantando a bandeira do futebol arte, ao manter vivo o seu “Trem da alegria”. Todos os anos, no dia primeiro de maio, o time formando por ex-jogadores e artistas, entre estrelas como Paulinho da Viola, Chico Buarque de Holanda e Fagner, encantam o público com o futebol-alegria, antiga característica dessa modalidade esportiva no País.
“Francis Vale conheceu de perto nossa luta e resgata no filme essa história bonita que nasceu da necessidade de libertar os jogadores”, comenta o craque, demonstrando egajamento na causa. Assim, mostra que o futebol não é alienação ou ópio para o povo, podendo ser usado para conscientizar as pessoas, como fez no início dos anos 1970. O objetivo do time é destacar o lado lúdico do futebol, que teve como principal representante o ponta-direita carioca Garrincha.
Símbolo de luta
Essa é a história que Francis Vale apresenta na obra, a qual acompanha desde 1973. “O Afonsinho jogava no Botafogo e teve um desentedimento com o clube. Naquela época, o jogador ficava preso ao clube. Ele conseguiu o passe livre na justiça”, rememora. Gilberto Gil compôs o samba “Meio de campo” em homenagem ao craque, que virou símbolo da luta em defesa do passe livre dos jogadores. O cineasta conta que eram tempos difíceis aqueles, sendo proibidas as aglomerações, fazendo alusão ao contexto político-social da época. Mesmo assim, Afonsinho, que ousou enfrentar tanto o sistema vigente no período ditatorial quanto os cartolas do futebol brasileiro, conseguiu juntar músicos e ex-jogadores para formar um time.
A primeira partida foi realizada em 1975, atendendo a uma solicitação dos alunos da Universidade Estadual de São Paulo (USP), durante o evento que ganhou o nome de “Domingo no Parque”. Logo, os artistas e jogadores sairam em excursão pelo Nordeste, passando por Fortaleza, Recife e Rio Grande do Norte. Aqui, o jogo aconteceu no estádio Presidente Vargas, com show musical no Ginásio Paulo Sarasate e exibição de curtas na Faculdade de Direito da Univesidade Federal do Ceará (UFC), em setembro de 1975. Fizeram parte do time: Garrincha, Nilton Santos e Dida.
O cantor e compositior João Nogueira é autor do hino do clube, afirma Francis Vale, que convidou Rodger Rogério para assinar a trilha sonora do documentário. Ressalta que o arquiteto, cantor e compositor, Fausto Nilo acompanha o “Trem da alegria”, desde sua criação, embora não tenha jogado. “Ele participará do debate desta terça”, promete.
Desafios
Francis Vale destaca a importância da ação de Afonsinho, por ter conseguido aproximar as pessoas não apenas para ver futebol, mas, também, trocar ideias acerca da situação política do País. Ou seja, “como sair da ditadura militar”, argumenta, lamentando ser esse espisódio pouco conhecido do povo brasileiro, mesmo tendo feito parte de sua história recente.
Quando resolveu mergulhar nessas memórias, Vale confessa ter enfrentado dificuldade para conseguir material. As matérias em jornais impressos são raras, não encontrando nenhum registro em televisão. Uma boa fonte de pesquisa foi a hemeroteca da Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel, observa.
O documentário começou a ser elaborado em 2011, ficando concluído em dezembro do ano passado, quando passou por uma montagem para participar da 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Agora, o filme está finalizado, estando em fase de negociação com distribuidoras. Francis Vale fala com carinho de Afonsinho, amigo que conheceu nos anos 1960, acompanhando a sua trajetória, já que viajava muito ao Rio de Janeiro.
Em 2005, conversou com o jogador sobre a possibilidade de fazer um documentário sobre o “Trem da alegria”, que começou a ganhar forma em 2011. Francis Vale realizou seis viagens ao Rio para gravar entrevistas, realizadas também em Fortaleza e Salvador. “Os jogos de hoje são intercalados com entrevistas”, explica. Entre os entrevistados: Paulinho da Viola, Capinam, Fagner e Abel Silva. Além de uma análise sociológica do professor José Paulo Florezano, da Pontifícia Univesidade Catóica de São Paulo (PUC).
Mais informações:
Pré-estreia do documetário “Trem da alegria - arte, futebol e ofício”, de Francis Vale, nesta terça (14), às 14h, no Centro Cultural Banco do Nordeste (Rua Conde D´Eu, 560, Centro). Gratuito. Contato: (85) 3464.3108.
Nenhum comentário:
Postar um comentário