A cabeça do Santo Antônio permanece numa rua da Cidade ( Fotos: José Avelino Neto ) |
Caridade. O Ceará tem várias atrações turísticas. Mas a desta cidade, distante 95Km da Capital é, no mínimo, inusitada. Não há quem não chegue a Caridade e não repare em um santo sem cabeça que existe no alto de uma serra, o Morro do Serrote. A cabeça foi construída mas nunca foi colocada no corpo da imagem, e está até hoje em uma rua da cidade.
O fato chama a atenção de quem passa pelo Município e é cercado de anedotas, superstições e polêmicas. Os moradores mais antigos de Caridade garantem que a história se desenrola já há mais de 30 anos.
A doméstica Roberta Soares de Almeida, 30, nasceu em Caridade e garante que desde sempre rende polêmica. "Isso daí faz muito tempo, é algo estranho, mas a cidade já se acostumou porque já faz tanto tempo. "Tem uns que criticam, tem outros que ficam calados", diz.
"Isso daí é um desinteresse político que virou história pro pessoal contar. O povo tira é brincadeira", diz Lucas Avelino dos Santos, 25.
Natural de Pacoti, o rapaz chegou para trabalhar como auxiliar de serviços gerais na cidade há apenas dois meses e contou que se impressionou com a imagem no alto da serra, que fica em frente ao Centro da cidade, sendo possível avistá-la com facilidade. "Eu nunca tinha visto isso antes na minha vida. Cheguei a pensar que era uma caixa d'água", brinca.
História
Santo Antônio é o padroeiro da cidade. A ideia de construir uma réplica no alto do Morro do Serrote, teria partido do já falecido prefeito de Caridade, Raul Linhares Teixeira, que governou o Município entre 1981 e 1985. A construção teria começado no início daquela década e parou cerca de seis anos depois, por falta de verbas. Quem confirma é Antônio Barbosa D'Ozias, 73.
"Nós começamos a construir em 82. Trabalhei na equipe até o momento em que a cabeça foi deixada de lado. Depois de já ter construído o corpo, a obra parou porque não tinha dinheiro", diz Antônio, que é, hoje, um dos personagens vivo.
"Foi muito mal administrada essa obra. O rapaz nunca subiu lá para ver. O fim que deve dar a essa cabeça é ser destruída. Não tem mais condições de terminar", opina.
A cabeça tem cerca de cinco metros de altura, quatro de largura e oito de cumprimento. Raimundo garante que aproximadamente 50 sacas de cimento foram usadas, na época, para projetar a cabeça de Santo Antônio.
Um dos causos que envolvem a história é que a cabeça teria ficado pesada demais para ser transportada até o alto da serra. A imagem tem cerca de 30 metros de altura, mas o peso da cabeça seria bem maior do que o que o corpo da imagem poderia suportar.
Polêmicas
O assunto do santo sem cabeça de Caridade é visto como polêmico e tratado com cautela. Por envolver questões políticas, um prefeito já falecido e religião, muitas pessoas temem agouros, castigos divinos e represarias, e evitam falar no caso.
Até o padre da cidade, João Mascarenhas, evita falar muito sobre o assunto. "Tenho só três anos aqui e ouço pouco. Havia interesse, mas o tempo vai passando e não se toma nenhuma iniciativa. O que sei é que há uma nova maquete na Prefeitura, mas não sei confirmar se vão construir", disse.
O padre Mascarenhas afirma que há pouco tempo um devoto de Santo Antônio teria se prontificado a ajudar financeiramente a concluir a obra, graças a um milagre, "mas até agora nada foi feito".
Ele diz que a fé do povo em Santo Antônio é "fervorosa", fator pelo qual faz gerar desgosto. "Fica essa coisa de que aqui é a cidade do santo sem cabeça, é feio. O pessoal não gosta muito".
Uma das histórias que envolvem o curioso fato é que, por se tratar de uma imagem inacabada, quem passar pela rua onde a cabeça está, vai demorar a se casar, já que Santo Antônio é reverenciado, segundo a crença popular, como o santo casamenteiro. Os moradores também se aborrecem com a cabeça abandonada. A rua do bairro Conjunto Habitacional fica estreita, limitando o trânsito.
Retomada
Segundo relatos de populares, a prefeita eleita de Caridade, Maria Amanda Lopes Costa, teria prometido, em sua campanha, finalizar a obra, mas Amanda não foi localizada para comentar o fato. Até o fechamento desta reportagem, as ligações para a Prefeitura também não foram atendidas. O que os caridadenses acreditam, mesmo, é que Caridade ainda vai passar muito tempo sendo conhecida como Cidade do Santo sem Cabeça.
Opinião do especialista
O universo das superstições
A história da humanidade está repleta de relatos relacionados à superstição. Medo de gato preto, não passar debaixo de escadas, botar a imagem de Santo Antônio de ponta-cabeça no copo d'água, dentre outras, são histórias que permeiam a vida de todos nós. As superstições são tão antigas quanto a humanidade. Estão presentes na história e associadas a rituais pagãos em que as pessoas louvavam a natureza.
Quem nunca ouviu falar de uma delas, não é mesmo? Há séculos convivemos com esses costumes, muitas vezes, sem saber como nasceram. O termo "superstição" vem do latim "superstitio", origina-se no que acreditamos a partir do conhecimento popular, trata-se de uma crendice sem base na razão ou conhecimento ou ainda algo muito relacionado ao comportamento supersticioso e mágico, ligado à maior ou menor "sorte" em determinada situação.
A superstição responde à nossa necessidade de segurança. Não vamos negar que é reconfortante que X cause Y. Entretanto, há uma grande diferença entre a superstição e o TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo), apesar de haver uma tênue ligação. É comum sermos supersticiosos, e não comum termos o transtorno instaurado. Como a própria palavra revela, o transtorno apresenta-se em sua forma patológica. Suas manias e rituais interferem no convívio social, podendo a pessoa desistir de um trabalho profissional, estudar e até se relacionar com outras pessoas.
O fato é que, a superstição pode levar a uma atmosfera de manias e rituais, mas nada comparado à atmosfera do transtorno obsessivo compulsivo, uma vez que ele necessita de cuidados terapêuticos e medicamentosos. Uma pessoa, ou mesmo uma sociedade, pode apresentar quaisquer "sintomatologia" de superstições, entendendo que isso se dá por uma construção social, crença, história, sem bases científicas puramente empíricas e do ponto de vista clínico, irracional. Certamente, essas "crendices" se enraizarão no meio social, tomando proporções reais na vida dos sujeitos em sociedade, incorporando personificações concretas e introjetando "verdades e certezas" em seus mundos subjetivos.
Emerson Parente
Psicólogo clínico, pela Unicatólica
por José Avelino Neto - Colaborador
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