Cláusula de exclusão, cláusula de desempenho ou, como ficou mais conhecida, cláusula de barreira. Considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) há quase dez anos, a norma - que restringia a partidos o amplo direito ao funcionamento parlamentar, o acesso ao horário gratuito de rádio e televisão e também a distribuição dos recursos do Fundo Partidário - voltou ao debate público nos últimos dias e segue dividindo opiniões: para alguns, é uma reforma necessária diante do número de legendas no Brasil, enquanto outros a avaliam como sendo prejudicial às siglas menores.
A discussão ganhou espaço após declarações do ministro Dias Toffoli, ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e do recém-empossado presidente da Corte, ministro Gilmar Mendes. Ambos defendem a alteração na legislação para conter o que chamam de fragmentação dos partidos políticos. Hoje, 35 legendas estão registradas no TSE. O PSDB também já cobrou ao presidente em exercício, Michel Temer, que envie uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para o Congresso Nacional instituindo a cláusula de barreira. Qualquer consenso, porém, ainda não é realidade.
Na avaliação de Luiz Pontes, presidente do PSDB no Ceará, não só a cláusula de barreira, mas também outras medidas são necessárias para "uma reforma política verdadeira". "O sistema está exaurido. Você tem partidos, hoje, que só servem para oportunismo. Estão criando o Partido do Corinthians (Partido Nacional Corinthiano) lá em São Paulo, isso é brincadeira. Nós jamais vamos ter uma política séria enquanto tivermos essa quantidade de partidos", opina.
Consequência do número de siglas, segundo ele, é uma relação de fisiologismo que se estabelece no sistema político. Por isso, diz que a cláusula de barreira é fundamental "para que possamos evoluir", assim como o voto distrital misto.
"Tem pessoa querendo ter partido para barganhar politicamente nas grandes questões nacionais. Aqui, é o fisiologismo e o toma-lá-dá-cá que funcionam. As pessoas procuram ser donos de partidos para terem força política, negociar tempo de TV, vaga para a Câmara. É uma verdadeira aberração essa quantidade de partidos. Quando o FHC deixou a Presidência, tínhamos nove, hoje são mais de 34", expõe.
Ideológicos
Avaliação semelhante sobre a multiplicação de agremiações faz o presidente estadual do PV, Marcelo Silva, ressaltando, no entanto, que é importante levar em consideração, em uma reforma política "mais profunda", especificidades de cada partido. "Não é só a questão da cláusula de barreira, acho que tem que buscar um desenho de coerência. Se a gente for analisar, os partidos políticos, hoje, se transformaram em comerciantes. Agora, você tem que separar o joio do trigo", pondera ele.
É por isso que o dirigente sustenta que alguns partidos, como o PV, o PCdoB e o PSOL, têm ideologias definidas. "O PV não é um partido de negociata, tem uma posição claríssima, que é a questão do desenvolvimento sustentável. Não são todos os pequenos que são partidos de aluguel, então tem que se arranjar um desenho, e eu não sei que desenho é esse, que preserve esses com cunho ideológico", pontua.
Marcelo Silva fala em "preservar" porque a regra da cláusula de barreira, de acordo com informações do Senado Federal, determinava que os partidos com menos de 5% dos votos nacionais não teriam direito a representação partidária e não poderiam indicar titulares para as comissões do Legislativo, incluindo Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs). Tais siglas também não teriam direito à liderança ou cargos na Mesa Diretora. Além destas restrições, perderiam recursos do Fundo Partidário e ficariam com tempo restrito de propaganda eleitoral em rede nacional de rádio e de TV.
O dispositivo foi aprovado pelo Congresso em 1995 para ter validade nas eleições de 2006, mas foi considerado inconstitucional, no dia 7 de dezembro daquele ano, pela unanimidade dos ministros do Supremo, sob o argumento de que prejudicaria os pequenos partidos.
'Contrarreforma'
Neste grupo, o PSOL "é uníssono na crítica a essa perspectiva da cláusula de barreira", conforme diz a presidente estadual da sigla, Cecília Feitoza. Para ela, a proposta voltou a ser defendida num contexto de reforma política que a agremiação considera uma "contrarreforma". "Não amplia a participação, dificulta para que os partidos que não tenham uma representação 'x' no Parlamento possam se fazer ouvir. A gente entende que é uma forma de silenciamento dessas organizações", argumenta.
Em 2006, a cláusula de barreira foi considerada inconstitucional quando os ministros do STF decidiram acatar Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) promovida pelo PCdoB com o apoio de outros sete partidos: PDT, PSB, PV, PSC, PSOL, PRB e PPS. Questionada se, com a retomada do debate, siglas menores tendem a se agrupar novamente contra o dispositivo, Cecília Feitoza acredita que "vai haver reação muito concretamente", mas diz que o PSOL entende que o momento é de fazer a discussão com a sociedade, "que também está insatisfeita com o momento político que o País vive".
A presidente do PSOL no Ceará sustenta, ainda, que a cláusula de barreira talvez não seja a forma mais adequada "de repensar esse formato de partidos". O problema no sistema político-partidário brasileiro, para ela, não é o atual número de legendas no País. "Me parece que o problema é do ponto de vista da cultura política, do toma-lá-dá-cá, da troca de favores, da barganha de interesses que não são públicos. Você poderia ter várias agremiações com perspectivas diferenciadas que poderiam enriquecer o debate político. O problema é o modus operandi da política hoje", afirma.
Adaptação
Tal posição, em certa medida, é partilhada pelo deputado federal Domingos Neto, que preside o PSD em nível estadual. "O problema é o que está acontecendo com alguns desses partidos, que não têm tido uma ação condizente com o fim a que se propõe a sua criação. Temos partidos que são pequenos, mas que têm suas linhas, programas claros, e muitos que não. Nessa instrumen-talização da política partidária, onde partidos passaram a ser patrimônios de pessoas, isso é o que é criticado", diz.
Ele ressalta, então, que o partido é a favor da cláusula de barreira e também do fim das coligações proporcionais. "Em ambos o PSD tem posição favorável, defendida na época da reforma política, e vamos defendê-la quando a reforma voltar para a Câmara, que está no Senado. São dois instrumentos importantes para o fortalecimento dos partidos".
Sobre o argumento de que o dispositivo prejudicaria partidos pequenos, Domingos Neto diz que "este tipo de afirmação é feito imaginando o cenário pretérito". Ele defende que a proposta de legislação deve se aplicar a eleições futuras, dando tempo para que as agremiações se adaptem ao novo modelo. "Os partidos ideológicos devem sair fortalecidos, porque deixam de competir com a grande proliferação de siglas. Não acredito que seja um instrumento excludente, até porque não extingue partido".
Filiados no CE
Dos 35 partidos registrados no TSE, 30 possuem eleitores filiados no Ceará. Veja ranking dos 15 primeiros:
PT: 79.869
PSDB: 57.872
PMDB: 48.212
PTB: 34.732
PDT: 30.442
DEM: 28.561
PPS: 26.270
PSB: 24.147
PC do B: 21.790
PR: 21.749
PRB: 18.660
Psc: 10.440
Psl: 10.436
Phs: 9.723
Psd: 9.332
Entre as siglas com menos eleitores filiados, aparecem, segundo dados do TSE, PPL (2.775) PROS (2.672), PEN (2.425), PSOL (2.318), PSTU (2.169), PMB (2.086), PCB (350), PCO (14) e NOVO (13)
Fonte: Tribunal Superior Eleitoral
por William Santos - Repórter
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