Padre Fábio de Melo: “A angústia que existe nos morros também existe no Leblon” Foto: Marcos Alves / Agência O Globo |
Se o papa é pop, o padre não foge à regra. Fábio de Melo não vive fora do mundo real e é nele que encontra — e ensina — lições diárias de fé, humildade e superação. Numa entrevista exclusiva ao EXTRA, o sacerdote fala do difícil ano de 2015, do humor que usa nas redes sociais, das críticas e ataques dos quais é alvo, da necessidade de expor o que sentiu ao posar para a foto com a travesti Luana Muniz e ainda deixa sua mensagem aos brasileiros: “Para tempos difíceis, precisamos renovar nossas esperanças. Mas a esperança precisa ser operante, levando-nos a viver o empenho por transformar o que podemos”.
O senhor deu uma aula de humildade no episódio com Luana Muniz (Padre Fábio aceitou posar com a travesti e depois contou aos fiéis que, a princípio, teve receio da foto e se retratou). Quando o senhor percebeu que precisava falar sobre o que ocorreu?
Foi uma experiência solitária. Na época, não comentei com ninguém, mesmo porque não é fácil expor o que nos envergonha. Durante a pregação, senti vontade de fazer uma autocrítica, confessar minha hipocrisia.Tinha diante de mim 80 mil pessoas. Estava justamente falando dos esconderijos que a religião pode nos oferecer, da crueldade que alimentamos sob a carcaça de uma pretensa santidade. O encontro com Luana foi um momento muito especial. Num primeiro momento, o receio de estar ao lado dela, e, logo em seguida, a percepção de minha arrogância. Quando soube do belo trabalho que ela realizava, o movimento contrário, o desejo de me aproximar, de quebrar a distância, de aprender com ela. Luana tinha algo muito precioso a me oferecer. Seu amor pelos menos favorecidos me expôs aos pecados do meu cristianismo. Eu, na condição de padre, nem sempre tenho a mesma disposição que ela. Em Luana o amor é prático. Recolhe da sarjeta os que foram esquecidos pela sociedade. Ela faz o mesmo que fez Jesus. Deus nos visita sempre, mas vez em quando Ele nos chega por caminhos inusitados. Foi o que aconteceu naquela noite, na quadra da Mangueira.
O que falta para as pessoas terem um olhar mais aberto sobre os outros?
Honestidade. Coragem de olhar para si mesmas, para os erros que cometem, para a fragilidade que nos identifica como humanos. Quando somos conscientes da insuficiência que nos habita, somos naturalmente mais tolerantes com a insuficiência alheia. Costumamos rejeitar nos outros o que não suportamos em nós. A gênese de toda intolerância costuma estar na pretensão de que somos melhores que os outros. Nada pode ser mais mentiroso que isto. O sofrimento nos nivela. Choramos e nos alegramos pelas mesmas causas. Os medos são os mesmos. Medo da dor, do abandono, do sofrimento, da morte. A angústia que existe nos morros também existe no Leblon. Os mais honestos, os que se desprenderam da amarras da futilidade, os que mergulharam no mistério de nossa condição humana, já descobriram que somos todos iguais.
O senhor tem mais de 1 milhão de seguidores no Twitter e é um dos mais divertidos da web. Quando sentiu que esta era uma rede aliada?
Uai, eu sempre usei o Twitter. E sempre fui muito descontraído por lá. Mas faz pouco tempo que fui descoberto por um número maior de seguidores. O Twitter é a rede social onde eu me expresso da mesma forma como me expresso com os amigos mais íntimos. Sem filtros.
O senhor já foi muito “atacado” nas redes? Tem curiosidade em ler o que falam?
Sou atacado todo dia. A gente precisa ter imunidade afetiva para não se deixar abater. O anonimato das redes autoriza muita crueldade. Mas escolho não rebater. Seria contraditório. Rebater ofensas é fortalecer as forças da maldade.
Já levou algum “puxão de orelha” da Igreja por postar este ou aquele assunto? O que é permitido e o que não é?
Não. A Igreja nunca nos privará de sermos humanos. O meu humor não é ofensivo. É da minha índole não ofender quem quer que seja. Aprendi ser assim desde menino. Acredito no poder da gentileza, da cordialidade.
O senhor está de olho em tudo, desde o meme da Jessica até os barracos no Congresso. Ainda dá expediente evangelizando, consegue ir à festa da Alcione! Como consegue tempo para tudo isso? Soubemos que não gosta de acordar cedo...
Não gosto. Mas acordo cedo a vida inteira. Eu aproveito o tempo que tenho. Minha vida gira em torno do meu ofício sacerdotal. Trabalho muito, mas sou feliz no que faço. O cansaço é consequência dos muitos deslocamentos. Mas a vida é bonita mesmo quando cansados. Sempre que posso eu gosto de estar com amigos, de conhecer pessoas diferentes dos meios que frequento. São as oportunidades de quebrar paradigmas, e até mesmo de fortalecer minhas convicções. É assim que crio vínculos, aumento as possibilidades de amadurecer como pessoa.
Como será sua agenda no Natal?
Tive um ano difícil. Precisei superar muitas realidades difíceis. Pretendo dar à minha alma um descanso, desobrigando-a de festas e comemorações. Quero viver um Natal sem festas. Somente o significado da noite me bastará.
Que mensagem o senhor deixaria neste fim de ano?
Para tempos difíceis precisamos renovar nossas esperanças. Mas a esperança precisa ser operante, levando-nos a viver o empenho por transformar o que podemos. Vivemos num país onde a corrupção é sistêmica. Esta realidade só será modificada no dia dia em que a gente resolver dirimir a parte que nos cabe neste grande processo. É o que desejo a todos nós. Coragem de mudar o Brasil que governamos dentro de nossas casas, nas instâncias silenciosas de nossas consciências.
extra.globo.com
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