Aos 82 anos de idade, Sebastião Gomes da Silva, do Assentamento Vida Nova, no município de Canindé, Sertão Central do estado do Ceará, ingressou na primeira turma de alfabetização do estado a partir do método cubano “Sim, eu posso!”. Foto MST |
Aos 82 anos de idade, Sebastião Gomes da Silva, do Assentamento Vida Nova, no município de Canindé, Sertão Central do estado do Ceará, lembra timidamente do dia em que Aline Souza dos Santos bateu na porta de sua casa e o convidou a ingressar na primeira turma de alfabetização do estado a partir do método cubano “Sim, eu posso!”.
Na época, Seu Sebastião tinha 74 anos e topou de primeira encarar o desafio da alfabetização. Assim como a lembrança de Seu Sebastião, aos poucos o “Sim, eu posso!” começava sua história no estado do Ceará.
A partir da experiência cubana na erradicação do analfabetismo no país, o método “Sim, eu posso!” chegou a diversos outros países com suas vídeo-aulas para o processo de alfabetização de jovens e adultos.
Ao todo são cerca de 30 países que, assim como o Brasil, puderam transformar um pouco da realidade de milhares de homens e mulheres num processo de alfabetização massivo.
Venezuela, Equador e Bolívia foram algum destes países que se utilizaram do método para erradicar o analfabetismo em seus territórios.
Em 2006 o método chega ao Brasil numa parceria com algumas prefeituras do estado do Piauí, e a partir de 2007, o MST se apropria da metodologia contra o analfabetismo nas áreas de Reforma Agrária.
Apoiado nas telenovelas, o “Sim, eu posso!” é aplicado em turmas reduzidas de, no máximo, 15 educandos. Dia após dia, capítulo após capítulo da telenovela, os alunos se aproximam de cada letra do alfabeto e as relacionam aos números, facilitando a memorização e o aprendizado de cada letra. Aos poucos, vão juntando os numerais e passam a construir e identificar palavras e frases.
O início
No Ceará, o Assentamento Vida Nova, na antiga Fazenda Transval, teve as três turmas pioneiras neste processo. O assentamento recebeu o acompanhamento de um dos assessores vindos de Cuba para ajudar na implantação do método no Brasil.
“Começamos como uma experiência, e se desse certo levaríamos para outros lugares do estado. Iniciamos um processo de capacitação com o educador cubano para em seguida começar as aulas”, lembra Aline, uma das educadoras das primeiras turmas do assentamento.
Os próprios educadores passaram em todas as casas do assentamento conversando e apresentando o método aos que não sabiam ou tinham dificuldade na leitura e na escrita.
No começo, eram muitas as dificuldades enfrentadas na estruturação das aulas, como falta de televisão e cadeiras. “A gente não tinha condição de ter uma televisão para cada sala. Uma foi doada pela escola e outra pela própria militância do Movimento.”
Izael Montes Lopes, também educador do “Sim, eu posso!” no Assentamento Vida Nova, recorda do enorme esforço para que as turmas chegassem até o final, já que não contavam com nenhum investimento governamental.
“Tomamos a responsabilidade tamanha necessidade. Em 2006 o índice de analfabetismo era muito elevado aqui na região, e existia essa preocupação de garantir a alfabetização desses agricultores e agricultoras.”
Para Izael tudo foi desafiador, desde conhecer melhor o método até aprender a mexer no vídeo cassete. “Mas o que falou mais alto foi o desafio de mostrar à sociedade que a gente é capaz de acabar com o analfabetismo” ressalta.
Os educadores também identificaram um outro problema quase que geral na turma: o da vista. Muitos educandos precisaram fazer exames de vista e passaram a usar óculos por conta da leitura, que tinha se tornado uma companhia diária no assentamento.
“Foi difícil, mas valeu a pena. Começamos sem nem saber direito assinar o nome e, mesmo em pouco tempo, conseguimos aprender muita coisa”, disse Seu Sebastião. “A gente já deixava o horário certo para assistir aula.
Mas a Aline sempre foi muito paciente junto com o professor cubano. E eu que achava difícil a pessoa sair nesse pouco tempo aprendendo a escrever alguma coisa, fui e vi que deu certo”, relata o Sem Terra.
Educação, um privilégio de poucos
Para Izael, o processo demonstrou o quanto a educação ainda segue sendo um privilégio. “A educação é privada para a classe trabalhadora. A gente passou pelo ‘Sim, eu posso!’, mas havia a necessidade de continuidade no aprendizado que também deveria partir das gestões municipal e estadual. O ‘Sim, eu posso!’ foi o nosso ponta pé”, afirma mostrando a fotografia impressa da turma, uma das poucas recordações que ele guarda com carinho.
“Foi uma semente plantada não só no MST Ceará, mas dentro do meu coração também. Foi por conta do ‘Sim, eu posso’ que comecei a me envolver com a educação e perceber que o nosso papel é garantir, dia após dia, uma outra perspectiva de educar, sejam crianças, jovens ou adultos nos assentamentos e acampamentos.”
As primeiras turmas do Ceará concluíram o período de alfabetização com o “Sim, eu posso!” com um número baixíssimo de evasão. Em sua maioria, os que desistiram das aulas justificaram principalmente a dificuldade da visão como barreira na leitura e escrita.
“Depois da conclusão da nossa turma, o método foi ampliado para várias outras áreas. Em cada município daqui podia contar que tinha uma turma do ‘Sim, eu posso!’, e tinham como referência as nossas primeiras turmas aqui do Vida Nova. Começou aqui como uma brasa e se espalhou por todos os cantos”, destaca Izael, que hoje também integra o Setor de Educação do MST.
O “Sim, eu posso!” chega à cidade
Após a realização da experiência do “Sim, eu posso!” nas áreas de Reforma Agrária, também estava colocado o desafio de expandir a luta contra o analfabetismo na cidade. Em negociação com a prefeitura de Fortaleza, durante a gestão de Luizianne Lins (PT), o MST apresentou o método à prefeitura, propondo uma ação massiva de alfabetização nas áreas urbanas.
A partir de então, diversos movimentos sociais da cidade e secretarias municipais construíram suas demandas de turmas a partir de um diagnóstico do público. A maioria eram mulheres acima de 35 anos e residentes nos bairros mais pobres da cidade.
A prefeitura, que vivia um cenário de abandono de aproximadamente 60% dos educandos da turma de EJA, apostou no “Sim, eu posso!”. Diversas turmas foram criadas em todos os cantos da cidade: das igrejas católicas, evangélicas, centros espíritas, terreiros de candomblé, passando por bares, associações de bairros e até um cabaré. O “Sim, eu posso!” estava por todos os lugares.
Uma brigada de Sem Terra, conhecida como Brigada de Alfabetização – Educação Sem Fronteiras, fora montada na cidade com militantes de diversos estados do Brasil, que ficaram na capital cearense durante todo o tempo de implementação do método na cidade.
Ao final do processo, cerca de 16 mil pessoas foram alfabetizadas na cidade. “A nossa luta é acabar com o analfabetismo onde quer que ele esteja, seja no campo ou na cidade”, afirma Vera Mariano, do setor de educação do Ceará.
“Ver ao fim de tudo um ginásio lotado com homens e mulheres recebendo seu certificado é algo extremamente gratificante. Com todos os limites colocados pela burocracia para garantir o andamento do programa, conseguimos algo nunca visto por aqui”, ressalta Vera.
O período de implementação do “Sim, eu posso!” foi estendido, e ao final foi contabilizado que a evasão dos educandos tinha reduzido, chegando a 20%.
Elmano de Freitas, que participou da gestão municipal nesse período e acompanhou todos os passos do programa na cidade, destacou o papel que os Sem Terra tiveram naqueles momentos.
“Fortaleza deve agradecer muito ao MST. É ele o Movimento referência na defesa de uma ação massiva de alfabetização e foi graças a essa ousadia que conseguimos transformar um pouco a vida de muita gente na cidade.”
Por Gustavo Marinho - da página do MST
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