domingo, 5 de abril de 2015

Marinho escapa da morte e luta contra o alcoolismo: ‘O organismo pede’

Amigos estão organizando um jogo cuja renda será destinada a Marinho, que mora na casa da ex-mulher
Amigos estão organizando um jogo cuja renda será destinada a Marinho, que mora na casa da ex-mulher Foto: Márcio Alves / Márcio Alves

Olhos amarelados, voz baixa, memória falha, uma ou outra frase pela metade, panturrilhas sem a tenacidade do passado. Desse jeito, com 58 anos e 57 quilos, o rápido ponta da década de 80 luta para dar um drible no alcoolismo, na pobreza, no formigamento do corpo, na falta de apetite. Marinho, perto da morte e sem endereço, reinventou a vontade de viver.
-Olha, o que torrei de dinheiro não é brincadeira. Não tinha noção do valor do dinheiro - lembra, sentado numa cadeira branca de plástico, com os olhos fixos no chão da casa da ex-mulher Laiza Mineli, que aceitou dar abrigo ao ex-jogador a pedido de um dos filhos do casal Steve Wonder, de 23 anos.
A casa verde da estrada da Água Branca, em Bangu, abriga a esperança de Marinho de vencer o alcoolismo.
- Minha filha, mas é lógico que sinto falta da bebida. Meu filho compra cerveja sem álcool pra mim. Mas como uma coisa que não tem gosto de nada pode ser boa? É difícil porque o organismo todo pede. Mas Deus quer. Eu vou conseguir. Sabe qual é o segredo para parar de beber? É não beber - ensina.
Marinho morava de favor na sede do Bangu, e há pouco mais de dois meses foi resgatado por Steve, o único dos sete filhos a se aventurar no futebol, atualmente treinando no América como volante.

- Ele quase morreu. Pesava 48 quilos, não se aguentava em pé e foi internado com princípio de enfarte - conta Steve. - O médico disse que o álcool afetou os neurônios. Outro dia, ele cismou que ainda era jogador de futebol.
De lá para cá, Marinho já ganhou nove quilos. Trocou a cerveja por remédios para a memória e formigamento nas mãos, estimulador de apetite e vitaminas, mas está longe de lembrar o habilidoso ponta-direita considerado o melhor jogador do Brasileiro de 1985, quando seu time, o Bangu, perdeu a final para o Coritiba. Marinho tem lugar também na história do Atlético-MG e do Botafogo, chegou à seleção, mas não se considera um exemplo:
- Comecei a usar pó aos 18 anos. Ia pra uma festinha, e coisa e tal... Era uma droga cara, mas eu ganhava um dinheirinho que dava para pagar. Não uso há uns 20 anos.
O dinheiro acabou, na velocidade proporcional à da Mercedes que, nos tempos de fama, lhe foi doada pelo bicheiro Castor de Andrade, ex-presidente do Bangu.

- Eu disse pro Castor que, se metesse dois gols num jogo, ia querer uma Mercedes. Fiz, e ele me deu. Um ano e meio depois, como saía mais dinheiro do que entrava, vendi o carro. Gastei a grana. Eu não guardava nada.

Hoje, Marinho anda na carona do "Chevettinho" do filho. Se no peito a medalha de São Jorge indica a fé no santo guerreiro, a oxidação do cordão no pescoço denuncia o fim dos tempos de ouro.
- Ouro? Isso aqui é 24 que morde e 14 que late. Mas sou vaidoso até hoje. E ainda sou mulherengo, ué. Não mudei pro outro lado, não...
No lado de dentro, o fígado regado pela bebida consumida desde os 16 anos segue resistente, mas com alguma gordura. E um naco do fôlego foi tragado junto aos cigarros, vício iniciado aos 15 e jamais abandonado.
Após a deformação do dinheiro em cinza, a bola de Marinho está de novo em jogo. É vencer ou vencer.

DOR PELO FILHO MORTO
Os lapsos de memória não apagam a dor maior de Marinho. Com sete netos e sete filhos de quatro casamentos, o ex-ponta ainda sofre com a perda do pequeno Marlon, que recebia os mimos de caçula até morrer afogado, em 1988, com apenas um ano e oito meses, na piscina da mansão de Jacarepaguá, alugada para a família pelo bicheiro Castor de Andrade.
Meu caçulinha Marlon era a minha vida. Ainda mexe comigo. Fiquei perturbado - lembra Marinho. - Eu estava dando entrevista, com ele perto de mim. De repente, "cadê o Marlon?" Achamos o menino na piscina. Converso com ele até hoje. Eu digo: "Estamos juntos, meu filho. Daqui a alguns dias, seu pai estará junto a você".
Entrevista no fim, os olhos de Marinho se enchem d’água. Ele pede um cigarro.

ZICO E JÚNIOR EM JOGO DE SOLIDARIEDADE
A cidade de origem, Belo Horizonte, e a realeza sugerida no nome Mário José dos Reis Emiliano não traduzem a realidade. Sem um belo horizonte e sem trono, Marinho vive de uma bolsa alimentação de R$ 600 que lhe é paga pela Fundação Garantia do Atleta Profissional (Fugap), e também de uma irrisória ajuda de custo do Bangu.
O amigo Bris Belga, ex-dirigente do Bangu e de outros clubes do Rio, está organizando um jogo festivo cuja renda será aplicada no pagamento do aluguel de uma casa em Bangu no valor de R$ 500 mensais para Marinho morar, por dois anos. A partida, programada para o dia 23 de julho, no campo do Entrerriense, em Três Rios, reunirá ex-jogadores como Zico, Júnior, Tita e Mauro Galvão.
- A casa já está em obra. Em dois meses, estará pronta - diz Bris Belga.

Marluci Martins

extra.globo.com

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