Os resultados alcançados pela educação pública de Sobral (Zona Norte) foram destaque na Revista Escola Pública que trouxe, na sua última edição, a reportagem “Como Sobral (CE) conseguiu alcançar um dos melhores Ideb do país”. Formação continuada de professores, fortalecimento da gestão escolar, seleção de gestores por meritocracia e valorização do magistério foram apontadas como as principais medidas adotadas pelo Município, que hoje é reconhecido como referência para a educação pública no Brasil.
Leia a matéria abaixo:
Como Sobral (CE) conseguiu alcançar um dos melhores Ideb do país
Atenção à alfabetização e gestão escolar aliada a programas de saúde infantil e da gestante podem melhorar as condições de vida de um município
Lila de Oliveira
Contrariando a crença de que a vulnerabilidade social e econômica, aliada a uma situação geofísica desfavorável, inviabiliza a consolidação de um projeto educacional de qualidade, a rede municipal de ensino de Sobral conquistou, em 2013, o quinto melhor Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) do Brasil nas séries iniciais do ensino fundamental, com 7,8. Nas séries finais, o índice de 5,1 também não deixa a desejar: é o melhor resultado obtido no Ceará. Embora o Ideb do estado mostre uma curva ascendente e as metas de 2005 para cá tenham sido superadas, a média estadual ainda é bastante inferior à de Sobral, com 5 pontos nos anos iniciais e 4,1 nos finais.
Outro dado que chama a atenção é que, das 51 escolas da rede municipal, onze receberam o “Selo Excelência com Equidade” da Fundação Lemann. A organização sem fins lucrativos analisou os números da Prova Brasil e do Censo Escolar e identificou 215 escolas públicas no país como modelos para garantir ensino de alta qualidade a todos os alunos da Educação Básica, independentemente do perfil socioeconômico de suas famílias, da localização ou de outros fatores comumente usados para justificar o ensino de má qualidade.
Mesmo com chuvas bem abaixo da média há mais de três anos, solo raso, flora escassa e vegetação rala – características típicas do semiárido nordestino –, todos os sobralenses de 4 a 5 anos frequentam a escola. Além disso, 98% das crianças com 7 anos de idade matriculadas na rede pública já são capazes de ler textos e, de cada 100 alunos, apenas dois têm atraso escolar de dois anos ou mais.
Mas, afinal, o que permitiu à cidade chegar a esses resultados tão superiores aos das cidades vizinhas? Na opinião do secretário de Educação do município, Júlio César da Costa Alexandre, o grande diferencial de Sobral é sua capacidade de gestão. “É preciso eleger prioridades, eliminar a politicagem e colocar a escola no centro do universo educacional, porque é lá que as coisas acontecem. Claro que há dificuldades, mas elas não podem ser usadas para justificar maus resultados”, acredita.
É importante ressaltar que os gastos com educação em Sobral correspondem ao mesmo percentual de 15 anos atrás, isto é, cerca de 26,5% do orçamento do município. “Não é o dinheiro que faz a diferença. É decisão política, decisão pedagógica, acompanhamento, compromisso e foco na aprendizagem”, conclui o secretário.
Gestão
A grande virada de Sobral teve início em 2000, quando a Secretaria Municipal de Educação detectou que 48% dos alunos da antiga 3ª série não sabiam ler. A partir daí, a política educacional do município foi totalmente reformulada. “Nossa grande plataforma é a alfabetização. Não adianta focarmos a meta da universalização do acesso à escola se os estudantes não aprenderem de fato”, explica Júlio César. “E nós cobramos muito. Nesse ponto, somos uma rede muito ortodoxa”, completa.
O projeto de educação instituído na cidade foi estruturado em três principais eixos. O primeiro deles diz respeito ao fortalecimento da ação pedagógica. O município assegura formação continuada aos professores, escolha de material específico para cada série e acesso a programas pedagógicos destinados à alfabetização na idade certa (definida ali como 7 anos), à proficiência em matemática e língua portuguesa nas turmas do 3º ao 5º ano e à autonomia intelectual do aluno.
O fortalecimento da gestão escolar é o segundo pilar estratégico da política educacional sobralense. Segundo o secretário da Educação, as escolas têm autonomia pedagógica, financeira e administrativa. “A equipe da Secretaria se reúne com os diretores de 15 em 15 dias para discutir exclusivamente práticas de gestão. Problemas como torneiras quebradas e falta de energia são resolvidos dentro da escola”, esclarece o secretário.
A seleção dos gestores escolares é meritocrática. Para assumir a direção de um estabelecimento de ensino, é necessário passar por diversas fases de avaliação, como prova escrita, análise comportamental e entrevista, além de um curso sobre os novos paradigmas da educação. Terminadas essas etapas, a Secretaria recebe um relatório e busca o local de trabalho mais adequado ao perfil de cada candidato selecionado. Após assumirem o posto, os diretores continuam em formação, por meio de aulas de liderança e coaching, entre outras.
Já o terceiro eixo consiste na valorização do magistério. O salário de todos os educadores é superior ao piso nacional, e a esse valor somam-se bonificações que variam conforme o rendimento da turma. “Todos os estudantes são avaliados duas vezes por ano e, com base nesses resultados, além de direcionarmos nossas ações pedagógicas, definimos gratificações aos professores, depositadas mensalmente, durante seis meses”, conta Júlio César. “A bonificação faz os professores se sentirem mais motivados, mas é claro que a sensação de dever cumprido e a emoção de ver uma criança aprender também estimulam o docente a se dedicar cada vez mais”, acredita o prefeito Veveu Arruda.
Trata-se de um trabalho de rede, sistêmico. Não estamos falando da ação isolada de um professor, mas de toda uma cidade mobilizada em prol da educação. Para se ter uma ideia, duas escolas de Sobral possuem Ideb 6,9 para os anos iniciais, outras duas têm nota 9, e todas as outras oscilam entre 7,4 e 8,4 pontos, enquanto a média nacional é de apenas 4,9.
O cenário é promissor, inclusive porque o abandono escolar na rede municipal é quase nulo. “Fazemos um trabalho muito sério nesse sentido”, revela Júlio César. Há indicadores de frequência e de lição de casa, que são encaminhados ao diretor. Ao menor sinal de problema, um funcionário é encaminhado à casa da criança, para verificar se está tudo bem. Além disso, as escolas que perdem alunos são penalizadas em suas avaliações anuais. Mas o que mais faz diferença, na opinião do secretário, é o fato de que, quando o jovem começa a aprender, ele deixa de faltar à aula.
Projeto de vida
Duas escolas públicas da cidade já funcionam em período integral e, com o apoio do governo federal, a administração do município trabalha para a criação de mais 16 escolas do 7º ao 9º ano nesse regime.
Além das matérias tradicionais, essas escolas contam com a disciplina “Projeto de vida”, na qual são trabalhados alguns princípios e valores e, com o auxílio de um tutor, cada estudante deve desenvolver o seu próprio projeto de vida. “A ideia é dar um norte para a vida daqueles jovens, especialmente os que vêm de famílias desestruturadas, que são os que mais precisam dessa referência”, lembra o prefeito.
Saúde
“A política educacional de Sobral tem uma articulação muito forte com as demais áreas da gestão municipal”, afirma Veveu Arruda. “É uma política estruturante, que dialoga com outras ações da prefeitura. Nossa política de saúde, por exemplo, tem como princípio que nenhuma criança ou adolescente matriculado na rede pública de ensino do município pode deixar de ter assistência de saúde, assim como sua família”, conta o prefeito.
Não à toa, a cidade tem o segundo maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Ceará. A expectativa de vida aumentou 14,3 anos nas duas últimas décadas, chegando a 74,9 anos em 2010, e a taxa de mortalidade infantil caiu de 18,93 a cada mil nascidos vivos em 2009 para 14,55 em 2012.
Os números mostram o sucesso do Programa Trevo de Quatro Folhas, implantado em 2001 pela Secretaria da Saúde e Ação Social de Sobral que, posteriormente, tornou-se uma política pública instituída como lei municipal. O projeto, de acompanhamento individualizado das gestantes em situação de risco, foi desenvolvido depois de um levantamento detectar que a maioria das mortes de bebês acontecia em casa, no primeiro mês de vida.
O público-alvo do projeto é formado por mães usuárias de crack, com problemas psiquiátricos, portadoras do vírus HIV, alcoólatras e adolescentes. Após o parto, os cuidados se estendem à criança até que ela complete 2 anos de idade e são realizados pelas chamadas Mães Sociais. “São mulheres da comunidade que são capacitadas, por meio de um curso, para cuidar tanto do bebê como da mãe. Ajudam a dar banho, aplicar medicamentos se necessário, trocar fralda e todos os cuidados de que a mãe precise. Também dão apoio emocional, incentivando que a mãe cuide de si mesma, por exemplo, orientando as mães usuárias de drogas a buscar auxílio profissional. Hoje, temos 53 Mães Sociais ativas, mas já tivemos 362 no total”, explica Mônica Lima, secretária de Saúde. Além dos cuidados, quando ocorre um óbito, é realizada uma investigação para detectar onde ocorreu o problema, se foi no pré-natal, durante a internação ou em casa. A ação é a principal responsável pela queda na mortalidade infantil, que passou de 51%, em 1997, para 12,7% em 2014.
Em 2013, após a Secretaria da Saúde detectar que um grande número de bebês prematuros ainda internados para ganho de peso morriam por infecção hospitalar, foi criado o Projeto Koala. “A partir de então, os recém-nascidos prematuros que já tinham condições de alta passaram a ser acompanhados pelos agentes de saúde em casa”, explica o prefeito. As visitas ocorrem diariamente até que a criança chegue a 2,5 kg.
Já para combater o grande número de mães adolescentes foi criado o Flor do Mandacaru. “Descobrimos que as adolescentes tinham vergonha de ir às unidades de saúde porque não queriam consultar o mesmo médico da mãe. Por isso o projeto conta com ginecologistas, obstetras, enfermeiros e psicólogos para atender especificamente essa faixa etária”, conta Mônica, que ainda ressalta o papel dos avanços na educação para diminuir o problema.
Em parceria com as esferas estadual e federal, por meio do programa Minha Casa, Minha Vida, a prefeitura ainda tem a ambiciosa meta de diminuir o déficit habitacional da cidade em 50% em três anos. “Estamos priorizando as famílias mais pobres cujos filhos estejam matriculados na escola, além, é claro, daquelas que estejam enfrentando alguma situação de risco, que tenham crianças com alguma deficiência e com maior número de filhos”, conta Veveu Arruda. “Conseguimos ter fácil acesso a essa população mais frágil por meio da escola”, diz.
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